Sorriso de canto

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Pov's Nilce

Era manhã de domingo, mas o sol permanecia escondido atrás das nuvens que acinzentavam o céu. Eu já conseguia sentir o cheiro do orvalho; como eu amava aquele cheiro! Eu queria sair com Joice para tomarmos banho de chuva, apesar de já sermos adolescentes, ainda amávamos fazer isso. Mas, não sei o porquê, apesar de contestarmos muito, a minha mãe nos viu saindo e não deixou de jeito nenhum. Resolvi, então, assistir um filme na televisão, porém a chuva, que estava cada vez mais forte, acabou derrubando um poste e ficamos sem energia elétrica. Ótimo! Eu iria ter que passar o dia sem fazer absolutamente nada. Então entrei no meu quarto, tranquei a porta e me joguei na cama. Acabei adormecendo, por falta de opções.
Quando acordei, haviam se passado duas horas. A chuva agora era fraca. Fui em direção à janela e a abri. Coloquei meu corpo para fora e pude sentir leves pingos tocarem meu rosto e molharem as lentes de meus óculos de grau, então os retirei. No entanto, senti que estava sendo observada. Logo coloquei de volta e constatei: alguém me olhava. Era Leon. Seus pais trabalham na fazenda da minha família há muitos anos, lugar onde eu passava quase todos os finais de semana desde que nasci, mas, com o tempo, fui deixando de ir, e agora são raros os dias que vou. Quando éramos crianças, a gente brincava muito. Inventávamos coisas para fazer, tomávamos banho na cachoeira, andávamos de cavalo; minha infância foi muito divertida na fazenda.
Percebi que Leon me encarava com um olhar enigmático. Ele estava sentado sobre uma pedra, debaixo de uma árvore, perto do parreiral, com um livro, que eu não conseguia enxergar direito a capa, nas mãos. Eu acenei para ele, que sorriu e acenou de volta. Então escutei alguém batendo na porta. Fechei rapidamente a janela e fui ver quem era.

– Nil, o papai mandou eu vir te avisar que nós não vamos para casa hoje. Ele chegou agora da cidade e disse que a chuva lá está bem pior que aqui, e nossa escola acabou alagando. — Joice disse animada — Ah, a energia voltou! Vamos assistir o filme agora?

Depois do almoço, eu decidi tirar uma soneca. Ao acordar, esfreguei os olhos, olhei para a janela e tomei um susto: já estava escurecendo. Aí lembrei que não havia ligado o despertador. Estiquei o braço até o criado-mudo, peguei meus óculos e saí em direção à cozinha. Minha mãe estava preparando o jantar. Como a chuva tinha estiado, resolvi ir dar uma volta lá fora. Estava o maior o silêncio, só se escutava a cantoria dos grilos. Fui até a árvore que tinha visto Leon mais cedo, e ele novamente estava lá.

Pov's Leon

          Eu estava sentado numa pedra, a mesma que me sento todos os dias. É lá onde eu me calo e começo a pensar na vida, onde eu tenho paz para ler, quando quero; isso eu faço desde criança. Estava tudo muito silencioso, como gosto, mas então escutei passos. Só consegui enxergar sua silhueta por causa da luz meio falha, mas eu não tinha dúvidas: era ela, a menina por quem eu era louco na infância. Ela sempre foi estonteante. Quando eu tinha cerca de 8 anos, contei para a minha mãe que estava apaixonado, mas, ao saber por quem, ela me desmotivou, me disse que eu nunca teria esse sentimento correspondido por parte da garota rica, filha do patrão, ela jamais iria querer algo comigo, já que éramos pobres. Aquilo doeu muito, pois eu era apenas uma criança, não esperava palavras tão duras vindo da boca da minha própria mãe. Fiquei dias e dias chorando, porque sempre que Nilce vinha à fazenda, as palavras grosseiras da minha mãe passavam como um disco arranhado na minha cabeça. Mas o tempo foi correndo, ela passou a vir com menos frequência nos finais de semana, até que eu superei. Eu também cresci, vou completar 16 anos, e ela deve ter 14. Ajudando o meu pai no parreiral, consegui juntar dinheiro para comprar um videogame, e agora, quando não estou estudando, estou jogando, fazendo com que a maior parte da classe me zoe, dizendo que sou nerd. Com isso, acabo nem vendo mais ela, que também passa o dia trancada no seu quarto quando está na fazenda.
De repente, seu rosto foi se revelando à medida de que ela se aproximava.

– Oi, Leon! — ela disse.
– Oi...
– Você gosta muito dessa pedra, né? Todo vez que olho para cá, você está sentado imovelmente.
– Bem, essa pedra é meu centro de equilíbrio, é onde consigo me acalmar e recuperar as forças perdidas ao decorrer do dia.
– Mudando de assunto, você está na 2ª série?
– 1ª, eu reprovei no 8º ano...
– Poxa, não sabia. Achava que você era "o nerd", super estudioso.
– ...
– Mas então, me conta um pouco sobre como anda a sua vida.
– Está na mesma.
– Bem, já percebi que você não quer papo, só responde o que eu pergunto. Tchauzinho. — ela fala indo em direção ao alpendre.
– Espera. Desculpa. E-eu, eu nem percebi.
– ...
– Olha, senta aqui. — disse me afastando um pouco para que ela pudesse sentar sobre a pedra. — Respondendo à sua pergunta: agora eu estou bem. Estava passando por alguns problemas pessoais, mas tudo se acertou. E, como eu sempre tive vontade de ter um videogame, resolvi juntar dinheiro e comprar. Hoje isso é o meu hobby. E você, tem algum hobby?
– Viajar, viajar e ler. Amo muito essas duas coisas. Mudando de assunto de novo, está namorando? Geralmente quem passa por problemas pessoais na adolescência é por esse motivo.
– Não, para falar a verdade eu nunca namorei. Sou um pouco introvertido, sabe?! Isso faz com que haja uma barreira entre eu e as mulheres... Não sei como estou conseguindo conversar com você, de verdade, isso é um verdadeiro milagre. — eu falei meio atrapalhado e ela riu.
– Não precisa ter medo, a gente não morde. — em seguida, nós escutamos o nome da Nilce sendo gritado. Acho que era a irmã dela. — Tchau. — ela desceu da pedra e já ia embora, mas resolveu voltar e, em um piscar de olhos, já estava me beijando. Eu fiquei sem reação, realmente não esperava, porém não posso negar que foi bom, tão bom que eu acabei correspondendo. Ficamos nos beijando por alguns segundos, até que ela se separou, deu um sorriso de canto, se virou e foi andando em direção à casa, me deixando estático sobre a pedra, só observando sua silhueta, que agora se afastava.

Nota da autora
Oi, gente! Espero que estejam gostando. Nessa fanfic, o casal é bem diferente da vida real, mas espero que aproveitem a leitura. Beijos, Dul!

Separated by an oceanOnde histórias criam vida. Descubra agora