O CATADOR DE SUCATA

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Já se passaram cinco anos que minhas duas filhas queridas foram morar em outra cidade, então mato minhas saudades só por telefone, essa saudades enfim termina amanhã, o sabadão vai ser um dia diferente, to ansioso e nervoso para conhecer minhas duas netinhas lindas.

Para me distrair to escutando um bom samba, com um bom vinho, fico aqui olhando as fotos das minhas duas netinhas lindas, com sorrisos de rainhas africanas, elas me lembram de vocês duas: Dandara e Mayla minhas filhas lindas, há quanta saudade, os pensamentos invadem meu coração e as lembranças também, principalmente como dei duro para criar vocês, eram tempos difíceis, tempo em que eu catava sucata pelas ruas:

- Olha o sucateiro... Olha o sucateirooo...

- Oi senhora, vim pegar as sucatas que seu marido guardou.

- Aqui não tem sucata, não!

- Vai embora, seu preto vagabundo!

               Eu odeio esses pretos bêbados vagabundos, da uma de pedir sucata só para roubar.

As palavras que eu ouvia todos os dias eram sempre as mesmas, mas não ligava muito, minha preocupação era em trazer algum dinheiro para casa. Minha preta também ralava muito, assim como eu. Ela lavava roupas na casa de uma juíza, duas vezes na semana, e sempre chegava tarde a nossa casa, e quase todos os dias muito cansada, mas mesmo cansada ela sempre estava pronta para conversar comigo, me dava vários beijos e me enchia de carinho todas as noites.

Tinha dia que eu não conseguia nada de sucata, andava o dia todo em vários bairros, e nada, o nosso almoço se transformava em jantar, geralmente era a comida que sobrava do almoço da casa da juíza, ela dava para minha nega, os restos de três dias atrás que estavam na geladeira para não estragar, então só íamos comer às cinco da tarde quando minha preta chegava, muitas vezes ficávamos sem comer, porque o dinheiro só dava para comprar dois ovos para dividir com vocês duas. lembro das festinhas da escola, vocês sempre iam com as mesmas roupas e sua mãe ficava com vergonha porque não tínhamos dinheiro para a coleta do bolo. Esses fatos me deixavam revoltado, fatos como estes abriam uma brecha para me inserir no crime. Era nesse momento que o diabo rondava minha cabeça e meu coração, principalmente quando eu encontrava meus amigos de infância da rua:

- Fala sucateiro, mano dá uns pegas ai!

               Essa maconha é da boa.

- Pow mano, eu não quero, não!

- Olhe na sexta vamos meter um bicho lá na casa lotérica da praça, não que ir com nós?!

              Deve rolar uns mil pra cada um.

- Pow mano, não to afim. Vou ficar de boa, na paz!

- Porra sucateiro, fazendo bico mole, mano. Deixa de ser Otário!

              Tu passas o dia todo empurrando esse carro velho, pra ganhar uma porra de cinco reais.

  Tem que entrar para o crime mano!

As palavras vinham corroendo minha mente e meus pensamentos, e quando eu chegava em casa, vocês duas só tinham mingau de farinha para jantar. Porra, eu tinha vários motivos para concordar com meus amigos, era a chance de pegar um ferro e sair metendo o bicho por aí. Mas sempre sentava na minha cadeira velha, que achei no ferro velho e olhava para vocês três, e a alegria que vocês passavam para mim, os sorrisos, e a frase: papai, te amamos!, era meu remédio de auto estima todas as noites antes de ir dormir, ouvir isso me fazia voltar ao mundo real, onde eu tinha três tesouros lindos e eu sabia que precisava proteger vocês, eu sabia que um dia vocês iriam retribuir por tudo que fiz em nome da nossa família:

- Hoje é um dia importante para todos nós, estamos aqui nessa festa de formatura do curso de medicina, da Universidade Federal, para comemorar mais uma etapa da vida de vocês. E para fazer os agradecimentos pelas turmas vamos chamar as irmãs gêmeas Mayla e Dandara.

Era o dia da formatura de vocês, pra mim foi um dia da vitória, quando aquela mulher chamou o nome de vocês duas, então vocês subiram no palco e começaram a falar, olhando nos meus olhos:

- Depois de todos os agradecimentos já feitos pela turma; eu e minha irmã Mayla, gostaríamos de fazer um agradecimento muito especial. Gostaríamos de agradecer a minha mãe e especialmente ao meu pai, que é a única razão de estamos hoje aqui.

- Pai, nós gostaríamos de lhe dizer que temos muito orgulho de sermos filhas de um negro como o senhor, que nunca tivemos vergonha do senhor ser um catador de sucata nas ruas, o senhor teve que suportar todos os preconceitos e discriminação por causa de sua cor, vencer a tentação do crime, e muitas vezes você chorou de fome com a mãe, tudo isso para não faltar nada para nós. E para nós, o senhor foi e ainda é um verdadeiro herói. Te amamos, pai!

Essas palavras arrancaram aplausos por uns 15 minutos e as lágrimas contagiaram a todos.  Passaram-se dez anos dessa formatura, mas lembro com muito carinho. Vixi! O vinil do Benito de Paula chegou ao fim, vou terminar a minha última taça de vinho, escutando o vinil do Cartola.

- Drª. Dandara a sua irmã a Drª. Mayla ta na linha!

- Pode passar Sabrina.

- Oi mana, e ai já tudo pronto para nossa viagem? Amanhã nosso voo sai às três da manhã.

- Sim, Dandara você não esqueceu o presente do pai e da mãe?

- Claro que não, pro pai eu comprei a camisa do centenário do Corinthians que ele queria tanto.

- E só não entendo porque o papai quer mais uma camisa do Corinthians, ele já tem umas cinco camisas.

- Relaxa mana, sabe como é o velho fanático pelo timão?!  

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⏰ Última atualização: Jul 26, 2013 ⏰

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