Aquele dia amanheceu normal. Os pássaros cantavam do lado de fora, os carros ziguezagueavam pelas ruas – quase vazias –, o clima estava ameno, beirando o calor e o frio, com poucas rajadas de vento e um sol brilhante no céu. Parecia ser um dia perfeito em Seul para caminhar pelo centro ou dar uma volta pela rua – em família, sozinho ou acompanhado.
Mas aquilo não mudava em nada o que Youngjae sentia. O clima agradável não poderia trazer Daehyun de volta ou apagar as próprias bobagens que fez.
Com esse pensamento impregnado na cabeça, levantou-se. Sua cabeça latejava como na noite em que havia exagerado no álcool; a primeira ressaca da sua vida, o primeiro contato direto que havia tido com Daehyun, que o ajudara sem medir esforços, mesmo tendo sido um bêbado inconveniente.
— Que dia é hoje? — Indagou em voz alta para o vazio. Pegou o celular e ficou observando o papel de parede por incontáveis minutos. Desde o jantar e a briga, adquirira tal vício. Acordava perdido e cansado, não sabendo em que dia da semana estava e, então, fitava a foto. Uma das mais bonitas que havia tirado com Daehyun. Os dois olhavam para a câmera; o cantor estava com a cabeça encostada no pescoço do economista, enquanto este tomava um suco, tranquilo. Haviam registrado aquele momento durante um passeio até o centro de Seul. — Quinta feira... Duas semanas.
Youngjae estava sem Daehyun há duas semanas.
Quatorze dias sem as cantorias exageradas, as danças desengonçadas, os beijos repentinos e os abraços aconchegantes do namorado. Ou melhor, ex-namorado.
Mesmo em pensamentos, o 'ex' doía de uma forma física, como um corte ou um machucado na pele. Era impossível não se culpar – ou lamentar – sempre que abria os olhos pela manhã.
— E lá vamos nós... — Tentou se animar, mas não surtiu efeito. Caminhou de cabeça baixa até a sala, contendo a vontade de ir até o apartamento da frente. Depois da discussão, Youngjae saíra do quarto de hóspedes, deixando Daehyun sozinho. Quando acordou, no dia seguinte, recebera um recado pelo irmão mais novo. O cantor havia pedido para avisar que voltara para Seul e não queria dar mais satisfações sobre assunto nenhum. A última parte, claramente, indicava que não era queria ser perturbado ou procurado pelo economista.
Youngjae aceitou a condição, no entanto quando voltou para Seul também, bateu várias vezes no apartamento do ex-namorado, não contendo o impulso. Nos primeiros quatro dias, pôde escutar resmungos baixos e palavrões de Daehyun, se recusando a abrir a porta. Nos outros cinco, não escutara mais nada. O silêncio era completo. Então desistira de conversar no nono dia.
Tentou nutrir um ódio por Jung, por que seria mais fácil esquecê-lo, mas se sentiu um imbecil por pensar naquela possibilidade. O cantor não tinha culpa de nada.
Youngjae preparou o café e colocou alguns pedaços de pão na torradeira. Sentou-se com calma e batucou no tampo do balcão. Deu uma golada generosa no líquido quente e sentiu um pouco de prazer ao fazê-lo, porque o amargo deixou seu corpo um pouco mais acordado e alerta.
Em um rompante, decidiu que daria tempo ao tempo. Precisava trabalhar, ganhar dinheiro, focar em sua carreira e no crescimento na empresa. Estava disposto a fazer, pelo menos seu emprego, dar certo.
No entanto, toda a força de vontade que adquirira foi jogada para os ares quando escutou um barulho alto no corredor. Largou a xícara em cima do balcão e abriu a porta, desesperado.
...
Daehyun trancou a porta do apartamento o mais rápido possível. Não queria chamar atenção. Andou na ponta dos pés até o fim do corredor, sem encostar a mala de rodinhas no chão.
Quando foi entrar no elevador, colocou com cuidado todas as suas bolsas e mochilas dentro dele, mas uma delas ficou presa na porta. O zíper enroscara de um jeito que parecia ser impossível desenroscar.
O cantor puxou a mala com mais força, irritado, todavia o movimento fora brusco demais e esta rasgou. O barulho foi alto e exagerado, e cada peça de roupa que caía no chão parecia uma pedra sendo jogada em um vidro.
A cena que se seguiu parecia estar em câmera lenta.
Youngjae correu de pijama pelo corredor, com a mão estendida e a boca aberta, fazendo sons incompreensíveis. Daehyun começou a jogar todas as roupas para fora do elevador com os pés, afobado. Quando se deu por satisfeito, apertou o botão para as portas fecharem e, com uma rapidez impressionante, sumira por entre o metal.
O economista parou, sem reação. Não havia nem tido tempo de falar um "olá". Coçou a nuca, desconcertado, e olhou para as peças no chão. As recolheu, levando para o seu próprio quarto; ficaria com elas até Daehyun decidir buscá-las.
...
Suspirando de alívio, o cantor aprumou a postura e foi até o andar de seus pais. Digitou a senha da fechadura e a abriu:
— Mãe, pai! Estou indo — Avisou da porta, não querendo entrar no apartamento. Não queria que eles vissem seu estado deplorável.
— Tem certeza de que quer fazer isso, Daehyun? —Indagou o pai, sentado no sofá.
— Absoluta! — Respondeu rápido demais, nada confiante.
A mãe apareceu em sua frente, de repente, causando-lhe um pequeno sobressalto.
— Seus olhos não mentem como a sua boca. — A mulher retirou os óculos escuros que cobriam o rosto do filho, revelando dois pontos pretos em meio a vermelhidão da esclera* por culpa do choro recente.
O rapaz colocou os óculos novamente, rápido. Se sentia desprotegido sem eles. Vulnerável.
— Daqui uma semana eu volto. Ou duas. — Pensou mais um pouco e estralou a língua. — Talvez um mês.
— Eu não estava sentindo falta dessas suas viagens sem volta, meu filho. Fico tão preocupada...
— Não precisa, mãe. Eu sei me cuidar sozinho. E estou precisando espairecer.
— E Youngjae? Ele sabe?
— Não! Mas deve desconfiar. Caso ele pergunte, diga que não interessa ou que não sabe. — Ia se despedir, mas lembrou de uma coisa importante e a procurou em seus bolsos. — Entregue a chave do carro a ele. Apesar de tudo, também é propriedade dele.
O pai concordou em silêncio, piscando um dos olhos para o cantor. Daehyun deu um abraço forte nos dois e partiu em direção ao aeroporto.
Havia comprado uma passagem de ida para Londres; faria uma viagem sem previsão de retorno.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cobertor
Hayran KurguYoo Youngjae, um rapaz religioso e centrado, procura por uma moça com os mesmos princípios que os seus. Deixa a Ilha de Ulleung, onde vivia com seus pais, para tentar realizar seu sonho em Seul. Nunca tivera muito contato com o mundo exterior e será...