"A Árvore Relâmpago" por Pat Rothfuss
The Lightning Tree
Por - Patrick Rothfuss"A Árvore Relâmpago"
Equipe de tradução
Tradutores:Daniela Cajado, Felipe Bertoldo, Lucas Dias
Revisores: Bárbara Nery, Vagner Stefanello, Marlon
Arte finalista: Leonardo MouraBestseller do New York Times, Patrick Rothfuss ganhou grande
popularidade e aclamação na crítica com a publicação de seu
romance de estreia, O Nome do Vento. O segundo romance da série, O
Temor do Sábio, foi recebido com o mesmo sucesso e aclamado
novamente em todo o mundo. Outros projetos de Patrick incluem um
livro infantil de humor negro, The Adventures of the Princess and Mr.
Whiffle, e Worldbuilders, um projeto beneficente que arrecadou mais
que 2 milhões de dólares para a Heifer International desde que ele a
fundou em 2008.Aqui ele nos leva para a icônica Pousada Marco do Percurso afim de
acompanhar um dia típico na vida de um dos personagens mais
populares da Crônica do Matador do Rei, o misterioso Bast,
ostensivamente um ajudante, o qual é muito mais do que aparenta
ser - um dia no qual Bast aprende muitas lições, e também ensina
algumas.Manhã - A Estrada Estreita
Bast quase saiu pela porta dos fundos da pousada Marco do
Percurso. Ele na verdade já havia saído, ambos os pés estavam fora
da soleira e a porta estava quase completamente fechada atrás dele
antes que escutasse a voz do seu mestre. Bast deteve-se, com a mão
no trinco. Ele franziu o cenho ao atravessar a porta, a um palmo de
ser fechada. Ele não fez nenhum barulho. Ele sabia. Ele era
familiarizado com todas as partes silenciosas da estalagem, quais
assoalhos rangiam, quais janelas emperravam... As dobradiças da
porta dos fundos rangiam às vezes, dependendo do seu estado, mas
isso era fácil de resolver. Bast dirigiu seu punho ao trinco,
levantando-o para que o peso da porta não ficasse tão grande, para
que fechasse facilmente. Sem rangido. A porta giratória estava mais
leve que um suspiro.
Bast pôs-se de pé e sorriu. Seu rosto era doce, astuto e selvagem. Ele
parecia uma criança malcriada que acabara de roubar a lua e a
comera. Seu sorriso era como o último pedaço da lua remanescente,
um fragmento branco e perigoso.
"Bast!"
O chamado veio de novo, mais alto desta vez. Nada tão grosseiro
quanto um grito, seu mestre nunca se rebaixaria a berros. Mas
quando ele queria ser ouvido, seu barítono não seria parado por
alguma coisa tão insignificante quanto uma porta de carvalho. Sua
voz foi transportada como uma buzina, e Bast sentiu seu nome sendo
tragado como uma mão ao redor de seu coração. Bast suspirou,
então abriu a porta suavemente e caminhou de volta para dentro. Ele
era escuro, alto e amável. Quando caminhava parecia que estava
dançando.
"Sim, Reshi? " ele falou.
Após um momento o hospedeiro entrou na cozinha, ele usava um
avental branco e limpo e seus cabelos eram vermelhos. Além disso,
ele era dolorosamente banal. Seu rosto mantinha a serenidade dos
hospedeiros entediados de todas as partes. Apesar de ser cedo, ele
parecia cansado. Ele entregou um livro de couro a Bast.
"Você quase esqueceu isto " ele disse sem nenhum vestígio de
sarcasmo.
Bast pegou o livro e fingiu estar surpreso.
"Oh! Obrigado, Reshi ""
O hospedeiro deu de ombros e sua boca tomou a forma de um
sorriso.
"Sem problemas, Bast. Enquanto você se ausenta para realizar seus
afazeres, se importaria de pegar alguns ovos?" Bast assentiu, pondo
o livro embaixo do braço.
" Mais alguma coisa?" perguntou obedientemente.
"Talvez algumas cenouras também. Estou pensando em fazermos
ensopado nesta noite. É tempo de colheita, então precisamos estar
prontos para uma grande clientela." Sua boca curvou-se um pouco
quando disse isso.
O hospedeiro começou a voltar, então parou.
"Oh, o garoto dos Willyams veio aqui procurando por você nesta
última noite. Não deixou nenhum tipo de mensagem."
Ele ergueu uma sobrancelha para Bast. O olhar falou mais do que
fora dito.
"Não tenho a mínima ideia do que ele queria." disse Bast.
O hospedeiro fez um barulho evasivo e se virou de volta em direção
ao saguão.
Antes que ele desse três passos, Bast já estava porta afora, correndo
através dos raios de sol matutino.
No momento em que Bast chegara, havia duas crianças esperando.
Elas brincavam no enorme monólito cinzento que estava meio caído
na parte inferior da colina, escalando por seu declive, e pulando na
grama alta.
No topo ficava o que as crianças chamavam de árvore relâmpago,
embora atualmente era um pouco mais do que um tronco sem
ramificações quase tão alto quanto um homem. A casca havia tempo
que tinha caído, e o sol tinha esbranquiçado a madeira, que ficara
tão branca quanto um osso. Toda a árvore exceto o topo, onde
mesmo após todos estes anos a madeira era carbonizada num preto
áspero .
Bast tocou o tronco com as pontas dos dedos e circulou lentamente
a árvore. Ele foi no sentido horário, na mesma direção que o sol se
movia. A maneira correta de se fazer. Então virou-se e trocou de
mãos, fazendo três círculos lentos anti-horários, opostos ao
movimento do sol. Essa virada foi contra o mundo. Era a forma de
contrariar. Indo e voltando, ele foi, como se a árvore fosse um
carretilho e ele o enrolava e desenrolava..
Finalmente, ele sentou-se com suas costas contra a árvore e colocou
o livro em uma pedra perto. O sol brilhou nas letras douradas como
ouro, Celum Tinture. Então ele se distraiu jogando pedras no córrego
vizinho que cortava abaixo da encosta do morro em frente a um
monólito cinzento.
Depois de um minuto, um menino louro e rechonchudo marchou até a
colina. Ele era o filho mais novo do padeiro, Brann. Ele cheirava
como suor e pão fresco e....algo mais. Algo que não se encaixava.
A abordagem lenta do menino tinha um ar ritualístico. Ele subiu a
pequena colina e ficou ali por um momento em silêncio, o único
barulho que vinha era das outras duas crianças brincando ali
embaixo.
Finalmente Bast virou para examinar o rapaz. Ele não tinha mais que
oito ou nove anos, bem vestido e mais encorpado do que a maioria
das crianças da cidade. Ele carregava um chumaço de pano branco
na mão. O garoto engoliu nervosamente.
"Eu preciso de uma mentira."
Bast assentiu com a cabeça.
"Que tipo de mentira?"
O rapaz cautelosamente abriu a mão, revelando que o chumaço de
pano era um curativo improvisado, salpicado com vermelho brilhante.
Ligeiramente preso na mão dele. Bast assentiu com a cabeça; Isso foi
o que ele tinha sentido o cheiro antes.
"Eu estava brincando com as facas da minha mãe" disse Brann.
Bast examinou o corte. O corte era superficial na carne perto do
polegar. Nada de grave.
"Doi muito?"
"Nada comparado a surra que vou tomar se ela descobrir que eu
estava brincando com suas facas."
Bast assentiu com simpatia
"Você limpou a faca e a colocou de volta ?"
Brann assentiu com a cabeça. Bast tocou seus lábios,
pensativamente.
"Você pensou que viu um grande rato preto. E se assustou. Você
atirou uma faca nele e acabou se cortando. Ontem, uma das outras
crianças contou uma história sobre ratos mastigando as orelhas e os
dedos dos pés dos soldados enquanto dormiam. Isso lhe causou
pesadelos."
Brann deu um arrepio. "Quem me contou a história?"
Bast encolheu os ombros. "Escolha alguém que você não goste."
O menino sorriu cruelmente.
Bast começou a indicar as coisas com os dedos.
"Coloque um pouco de sangue na faca antes de jogá-la." Ele apontou
para o pano que o rapaz tinha embrulhado dentro da sua mão.
"Livre-se disso, também. O sangue é seco, obviamente velho. Você
consegue fingir um bom choro?"
O rapaz abanou a cabeça, parecendo um pouco envergonhado pelo
fato.
"Coloque um pouco de sal em seus olhos. Fique ranhento e choroso
antes de você ir até eles. Lamente e chore. Então, quando eles te
perguntarem sobre sua mão, diga a sua mãe que se lamenta por ter
quebrado sua faca."
Brann escutava, abanando a cabeça lentamente no início e depois
mais rápido. Ele sorriu.
" Isso é bom." Ele olhou ao redor nervosamente. "O que eu devo a
você?"
"Algum segredo?" Bast pediu.
O menino do padeiro pensou por um minuto. - Velho Lant está
cercado de viúvas... ele disse em um tom esperançoso
Bast acenou com a mão. - Há anos. Todo mundo sabe.
Bast esfregou seu nariz então disse. " Você pode me trazer dois pães
doce hoje mais tarde?"
Brann assentiu com a cabeça.
"Este é um bom começo," falou Bast. "O que você tem em seus
bolsos? "
O rapaz cavou ao redor e ergueu ambas as mãos. Ele tinha duas
arruelas de ferro, uma pedra lisa esverdeada, um crânio de pássaro,
um emaranhado de corda, e um pouco de giz.
Bast pediu a corda. Assim, tomou cuidado para não tocar nas
arruelas, pegou a pedra esverdeada entre dois dedos e arqueou uma
sobrancelha para o garoto.
Após hesitar por um momento, o garoto assentiu.
Bast pôs a pedra em seu bolso.
"E se, de qualquer forma, eu for castigado? " Brann perguntou.
Bast deu de ombros. "Isso é problema seu. Você quis uma mentira.
Eu te dei uma decente. Se deseja que eu te livre desse problema, isso
é algo completamente diferente. "
O filho do padeiro pareceu desapontado, mas ele assentiu e desceu a
colina.
Próximo à colina havia um garoto um pouco mais velho em uma
manta esfarrapada. Um dos garotos dos Alard, Kale. Ele tinha um
corte nos lábios e uma crosta de sangue ao redor de uma das
narinas. Ele estava tão furioso quanto um garoto de dez anos poderia
estar. Sua expressão era de uma tempestade.
"Eu peguei meu irmão beijando Gretta atrás do velho moinho!" ele
falou logo quando ia em dispara para a colina, não esperando Bast
falar. "Ele sabia que eu tava a fim dela!"
Bast estendeu as mãos, impotente, encolhendo os ombros.
"Vingança," o garoto cuspiu.
"Vingança pública?" Bast perguntou. "Ou vingança secreta?"
O garoto tocou seu lábio cortado com a língua. "Vingança secreta,"
ele disse em voz baixa.
"Quanto de vingança?" Perguntou Bast.
O garoto pensou um pouco, então posicionou suas mãos cerca de 60
centímetros de distância " Este tanto "
" Hmmm" Disse bast. " Quanto, em uma escala de um rato a um
touro?"
O garoto esfregou seu nariz por um instante. " O equivalente a um
gato," ele disse. " Talvez um cachorro. Não tipo o cachorro do Martin
Maluco. Tipo o cachorro dos Bentons."
Bast assentiu e inclinou sua cabeça de forma pensativa. "Certo," ele
disse. "Mije nos sapatos dele."
O garoto parecia cético. "Isto não soa como uma vingança no nível
de um cachorro."
Bast chacoalhou a cabeça. "Você mija num copo e o guarda. Deixe
em repouso por um dia ou dois. Então numa noite quando ele por
seus sapatos perto do fogo, despeje o mijo neles. Não faça uma poça,
apenas deixe-os úmidos. Pela manhã eles estarão secos e
provavelmente não estarão tão fedidos..."
"Então qual é o sentido disso?" o garoto o interrompeu colericamente.
"Isso não equivale nem a uma pulga!"
Bast ergueu a mão de forma pacificadora. "Quando os pés dele
ficarem suados, ele vai começar a cheirar a mijo. Quando ele
caminhar na neve, ele vai cheirar a mijo. Vai ser difícil pra ele saber
de onde vem exatamente este cheiro, mas todos saberão que o seu
irmão é aquele que fede." Bast sorriu para o menino. "Eu suponho
que a sua Gretta não vai querer beijar o garoto que não para de se
mijar."
Uma admiração genuína se espalhou pelo rosto do jovem garoto
como o nascer do sol nas montanhas. "Isto foi a coisa mais
maliciosa que eu já ouvi," ele disse, boquiaberto.
Bast tentou parecer modesto e falhou. "Você tem algo pra mim?"
"Eu encontrei uma colmeia desabitada," o garoto disse.
"Isto vai servir para o começo," disse Bast. "Onde?"
" Foi bem distante dos Orissons. Passando o Pequeno Riacho" O
menino agachou-se e desenhou um mapa na terra. "Vê?"
Bast assentiu. "Algo mais?"
"Bem... Eu sei onde Martin Maluco esconde sua destilaria..."
Bast ergueu suas sobrancelhas ao ouvir isto. "Sério?"
O garoto desenhou outro mapa e deu algumas direções. Então ele
levantou-se e tirou o pó dos joelhos. "Estamos quites?"
Bast esfregou seus pés na terra, destruindo o mapa. "Estamos
quites."
Os garoto espanou os joelhos, "Eu tenho uma mensagem também.
Rike quer vê-lo."
Bast balançou sua cabeça firmemente. "Ele conhece as regras. Diga a
ele que não."
"Eu já o avisei," o garoto falou com um encolher de ombros
comicamente exagerado. "Mas falarei novamente se o vir..."
Não haviam mais crianças esperando depois de Kale, então Bast
colocou o livro de couro sob seu braço e partiu numa grande
caminhada sem rumo. Ele encontrou algumas framboesas e comeu-
as. Ele bebeu do poço do Ostlar.
Eventualmente Bast subiu até o topo de uma ribanceira próxima onde
ele deu uma grande espreguiçada, antes de esconder a cópia de capa
de couro do Celum Tinture em um espinheiro disperso onde um largo
ramo fez um recanto aconchegante de frente ao tronco.
Então ele olhou para o céu, limpo e brilhante. Sem nuvens. Com
pouco vento. Cálido, mas não quente. Não havia chovido por um bom
tempo. Não era um dia de mercado. Horas depois do meio-dia no
Abate...
A sobrancelha de Bast ergueu-se um pouco, como se ele estivesse
resolvendo um cálculo complexo. Então ele assentiu para si mesmo.
Logo Bast desceu pela ribanceira, passando pela casa do Velho Lant
e em torno das framboesas que limitavam a fazenda do Alard.
Quando ele veio para o Pequeno Riacho, cortou alguns juncos e
preguiçosamente talhou-os com uma pequena e brilhante faca. Então
pegou o barbante do bolso e os juntou, fazendo assim uma bem
trabalhada flauta pastoril.
Ele soprou por cima dela e inclinou sua cabeça para escutar sua doce
dissonância. Sua faca brilhante aplainou mais um pouco, e ele soprou
novamente. Dessa vez a afinação estava próxima, o que fez um
chiado irritante.
A faca de Bast moveu-se novamente, uma, duas, três vezes. Então ele
a pôs longe e trouxe a flauta para perto de seu rosto. Ele respirava
pelo nariz, sentindo o orvalho que vinha deles. Então ele lambeu a
ponta dos juncos recém cortados, da sua língua brotou um súbito
vermelho cintilante.
Então suspirou e soprou na flauta. Dessa vez o som era
resplandecente como o luar, vívido como um peixe saltitante, doce
como uma fruta furtada. Sorrindo, Bast dirigiu-se para a parte de trás
das colinas dos Bentons, e não demorou para que ouvisse o baixo e
estúpido balido de uma ovelha ao longe.
Um minuto depois, Bast veio sobre o cume de uma colina e avistou
duas dúzias de ovelhas gordas e patéticas cortando a grama no vale
verde abaixo. A umbra e o isolamento tomavam conta deste lugar. A
falta de chuva recente indicava que o pastoreio seria melhor ali. Os
lados íngremes do vale denotavam que as ovelhas não estavam
propensas a afastarem-se e isso não precisava de muita atenção.
Uma jovem mulher sentou-se à sombra de um olmo disperso que
dividia o vale. Ela havia tirado seus sapatos e sua boina. Seus
cabelos longos e cheios tinham a cor de trigo maduro.
Em seguida, Bast começou a tocar. Uma melodia perigosa. Ela era
doce e brilhante, vagarosa e astuta.
A pastora animou-se ao ouvir o som, ou assim ela aparentava. Ela
levantou a cabeça, empolgada... mas não. Ela não olhou em sua
direção. Ela simplesmente estava erguendo-se com os pés para se
esticar, levantando-se alto sobre seus dedos, com as mãos
entrelaçadas acima da cabeça.
Ainda assim, aparentemente sem ter percebido que estava sendo
tocada uma serenata para ela, a jovem mulher pegou uma manta que
estava próxima, espalhando-a por baixo da árvore, e sentou-se. Era
um pouco estranho, como ela sentava-se antes sem a manta.
Possivelmente ela havia sentido frio.
Bast continuou a tocar conforme andava pela encosta do vale em
direção a ela. Ele não estava apressado, e a música que ele fez era
doce, divertida e langorosa ao mesmo tempo.
A pastora não mostrou nenhum sinal de que notara a música ou o
próprio Bast. Na verdade ela desviou o olhar dele, em direção à
extremidade do pequeno vale, como se estivesse curiosa sobre o que
a ovelha fazia ali. Quando ela virou a cabeça, expôs a amável linha
que ia do seu pescoço à sua perfeita orelha em forma de concha, até
a suave ondulação de seus seios que eram expostos por cima de seu
corpete.
Com os olhos atentos na jovem mulher, Bast pisou numa pedra solta
e tropeçou desajeitadamente pela colina. Ele emitiu um forte guincho,
e então soltou mais um pouco de sua música enquanto atirava um
braço descontroladamente para conseguir se equilibrar.
A pastora então riu, mas ela estava olhando incisivamente para a
extremidade do vale. Talvez a ovelha tenha feito algo engraçado. Sim.
Sem dúvidas foi isso. Elas poderiam ser animais engraçados algumas
vezes.
Ainda assim, pode-se olhar para as ovelhas por tanto tempo. Ela
suspirou e relaxou, recostando-se contra o tronco inclinado da
árvore. O movimento acidentalmente puxou a bainha da saia até um
pouco além de seus joelhos. Suas panturrilhas eram redondas e
bronzeadas, cobertas com o tom mais claro de seu cabelo cor de mel.
Bast continuou descendo a colina. Seus passos eram delicados e
graciosos. Ele parecia um gato furtivo. Ele parecia que estava
dançando.
Aparentemente satisfeita de que as ovelhas estavam a salvo, a
pastora suspirou novamente, fechou os olhos e repousou a cabeça no
tronco da árvore. Seu rosto inclinado pra cima para poder pegar um
sol. Ela parecia prestes a dormir, apesar de todos seus suspiros, sua
respiração parecia vir rapidamente. E quando moveu-se
inquietamente para ficar mais confortável, uma mão caiu de tal
maneira que acidentalmente puxou a bainha de seus vestido ainda
mais longe, até que mostrou uma pálida extensão de sua coxa.
É difícil sorrir enquanto toca uma flauta pastoril. De alguma forma,
Bast conseguiu.
O sol estava subindo ao céu quando Bast voltou para a árvore
relâmpago, agradavelmente suado e levemente desgrenhado. Não
havia crianças esperando perto do monólito cinzento desta vez, o que
lhe convinha perfeitamente.
Ele rapidamente fez um círculo da árvore novamente quando
alcançou o topo da colina, um em cada direção para garantir que
seus pequenos trabalhos ainda estavam no lugar. Em seguida ele
afundou-se, e ao pé da árvore encostou-se no tronco. Menos de um
minuto depois. Seus olhos estavam fechados e ele roncava
suavemente.
Após passar a maior parte de uma hora, o som de passos quase
silenciosos o despertou. Ele deu uma grande esticada e avistou um
garoto magricelo, com sardas e roupas que iam um pouco além do
que pode-se ser chamado de "bem vestido".
"Kostrel!" Bast disse alegremente. "Como está o caminho para Tinuê?"
"Parece ensolarado o suficiente para mim hoje," o garoto disse
enquanto chegava ao topo da colina. "E eu achei um lindo segredo
na beira da estrada. Algo que acho que você poderia estar
interessado."
"Ah," Bast disse. "Venha e sente-se então. Em que tipo de segredo
você tropeçou?"
Kostrel sentou-se de pernas cruzadas na grama. "Eu sei onde
Emberlee toma seu banho."
Bast ergueu uma sobrancelha, meio interessado. "É mesmo?"
Kostrel sorriu. "Você finge. Não finja que não se importa."
"Claro que me importo," disse Bast, "Ela é a sexta garota mais
graciosa na cidade, apesar de tudo."
"Sexta?" o garoto disse, indignado. "Ela é a segunda e eu sei disso."
"Talvez a quarta," Bast admitiu. "Após Ania."
"As pernas de Ania são finas como as de uma galinha." Kostrel
observou calmamente.
Bast sorriu para o garoto. "Cada um com a sua. Mas sim. Estou
interessado. O que gostaria em troca? Uma resposta, um favor, um
segredo?"
"Eu quero um favor e uma informação," o garoto disse com um
pequeno sorriso. Seus olhos escuros era afiados em seu rosto fino.
"Eu quero boas respostas para três perguntas. E vale a pena. Porque
Emberlee é a terceira garota mais bela da cidade."
Bast abriu sua boca como se fosse protestar, então encolheu os
ombros e sorriu. "Sem favor. Mas eu lhe darei três respostas de um
tema escolhido de antemão," ele contrapôs. "Qualquer assunto exceto
sobre meu chefe, cuja a confiança eu não posso trair em sã
consciência."
Kostrel assentiu em concordância. "Três respostas completas," ele
disse. "Sem usar frases equivocadas ou enrolações."
Bast assentiu. "Desde que as perguntas sejam diretas e específicas.
Sem tolices como conte-me tudo que você sabe a respeito."
"Isto não seria uma pergunta," Kostrel frisou.
"Exato" disse Bast. "E você concorda em não contar a mais ninguem
onde Emberlee está tomando seu banho?"
Kostrel fez uma careta por conta disso, e Bast riu. "Seu pentelinho,
você teria vendido essa informação umas vinte vezes, não é mesmo?
O garoto deu de ombros com facilidade, não negando isto, e também
sem ficar envergonhado.
" É uma informação valiosa."
Bast soltou um riso abafado. "Três respostas completas e sérias em
um único assunto com a condição de que sou o único a quem você
contará."
"Você é," o garoto disse repentinamente. "Eu vim aqui primeiro."
"E compreende que não deve contar a Emberlee que alguém sabe
sobre isso." Kostrel pareceu tão ofendido enquanto Bast não se
incomodava de esperar que ele concordasse. "E com a condição de
que você não vai aparecer."
O garoto de olhos negros cuspiu algumas palavras que
surpreenderam Bast mais do que o uso anterior de "equivocadas".
"Certo," Kostrel rosnou. "Mas se você não souber a resposta para a
minha pergunta, eu farei outra."
Bast pensou por um instante, então assentiu.
"E se eu selecionar um tema que você não saiba muito a respeito, irei
escolher outro."
Outro assentimento. "Justo."
"E você me emprestar um outro livro," o garoto disse, seus olhos
escuros brilhando. "E uma moeda de cobre. E você terá que descrever
os seios dela para mim."
Bast jogou a cabeça pra trás e riu. "Feito".
Eles apertaram as mãos para fechar negócio, a mão fina do menino
era delicada como uma asa de um passarinho.
Bast inclinou-se contra a árvore relâmpago, bocejando e esfregando
a parte de trás de seu pescoço. "Então. Qual é o assunto?"
O olhar sombrio de Kostrel projetou-se, e ele sorriu animadamente.
"Eu quero saber sobre os Fae".
É significativo notar que Bast terminou seu grande ruído de um
bocejo como se não se importasse com a pergunta. É bastante difícil
bocejar e espreguiçar-se quando sua barriga sente como se você
tivesse engolido um pedaço de ferro amargo e sua boca subitamente
ficara seca.
Mas Bast era uma espécie de um dissimulado profissional, então
bocejou e espreguiçou-se, e foi ao ponto de poder coçar-se
preguiçosamente debaixo do braço.
"E aí?", perguntou o menino, impaciente. "Você sabe o suficiente
sobre eles?"
"Uma quantidade razoável", falou Bast, fazendo o melhor possível
para parecer modesto desta vez. "Mais do que a maioria das pessoas,
eu imagino."
Kostrel inclinou-se para frente, com seu rosto fino atento. "Eu pensei
que você soubesse. Você não é daqui. Você sabe coisas. Você já viu
o que realmente está mundo afora."
"Algumas coisas," Bast admitiu. Ele olhou para o sol. "Faça logo as
suas perguntas. Eu tenho que estar em algum lugar ao meio-dia."
O garoto assentiu seriamente, então olhou para a grama em frente
dele por um momento, pensando.
"Como eles se parecem?"
Bast piscou por um momento, tomado de surpresa. Então ele riu
impotente e ergueu as mãos. "Tehlu misericordioso. Você tem noção
de quão louca foi essa pergunta? Eles não se parecem com nada.
Eles são eles mesmo."
Kostrel pareceu indignado. "Você tá tentando me tapear!" ele disse,
levantando um dedo para Bast. "Eu disse sem enrolações!"
"Eu não estou. Honestamente não estou." Bast ergueu suas mãos
defensivamente. "É apenas uma questão impossível de se responder.
O que você diria se eu perguntasse a você como as pessoas se
parecem? Como responderia isto? Há tantos tipos de pessoas, e elas
são tão diferentes."
"Então é uma grande pergunta." Kostrel disse. "Dê-me uma grande
resposta."
"Não é apenas grande," falou Bast. "Preencheria um livro."
O garoto deu de ombros, profundamente rude.
Bast franziu o cenho. "Pode-se argumentar que a sua pergunta não é
focada nem específica."
Kostrel ergueu uma sobrancelha. "Então estamos argumentando
agora? Achei que nós estivéssemos trocando informações? Completa
e livremente. Se você perguntar onde Emberlee vai para tomar seu
banho, e eu disser, "em um córrego" você iria se sentir como se eu
estivesse medindo as palavras, não sentiria?"
Bast suspirou. "Justo. Mas se lhe dissesse todos os rumores e
trechos que já ouvi, ia levar dias. A maior parte seria inútil, e alguns
nem sequer seriam verídicos porque foram apenas de histórias que
ouvi."
Kostrel franziu o cenho, mas antes que pudesse protestar, Bast
ergueu uma mão. "Eis o que vou fazer. Apesar da natureza sem foco
de sua pergunta, vou lhe dar uma resposta que cobre de forma geral
as coisas..." Bast hesitou. "... uma resposta secreta sobre o assunto.
Certo?"
"Dois segredos." Kostrel falou, seus olhos escuros cintilando de
empolgação.
"Justo." Bast profundamente respirou. "Quando você diz fae, você
está falando sobre qualquer coisa que vive no Fae. Isso inclui um
monte de coisas que são... apenas criaturas. Tipo animais. Aqui você
tem cachorros e esquilos e ursos. No Fae, eles têm raum e
dennerlings e..."
"E trols?"
Bast assentiu. "E trols. Eles são reais."
"E dragões?"
Bast balançou a cabeça. "Sobre isto eu não ouvi. Não mais..."
Kostrel parecia desapontado. "E sobre o povo faérico? Como latoeiros
fadas e tal?" O garoto estreitou seus olhos. "Pense, esta não é uma
nova pergunta, apenas uma tentativa de concentrar o avanço da sua
resposta."
Bast riu, impotente. "Senhor e senhora. O avanço? A sua mãe tomou
um susto de um juíz quando estava grávida? De onde você tira esse
tipo de conversa?
"Eu fico acordado na igreja." Kostrel encolheu os ombros. "E algumas
vezes Padre Leodin me permite ler seus livros. Como eles se
parecem?"
"Como pessoas comuns," falou Bast.
"Como você e eu?", indagou o garoto.
Bast forçou um sorriso. "Assim como você ou eu. Você dificilmente
não notaria se eles passassem por você pela rua. Mas há outros.
Alguns deles são... Eles são diferentes. Mais poderosos."
"Como Varsa nunca-morto?"
"Um pouco," Bast admitiu. "Mas alguns são poderosos em outras
formas. Como o prefeito é poderoso. Ou como um agiota." A
expressão de Bast passou a ficar azeda. "Muitos deles... não são
bons de se estar por perto.
Eles gostam de enganar as pessoas. Brincar com elas. Machucá-las."
Muito da empolgação de Kostrel se esvaiu ao ouvir isto. "Eles
parecem demônios."
Bast hesitou, então assentiu relutantemente. "Alguns deles são muito
parecidos como demônios," ele admitiu. "Ou tão próximo que nem
chega a fazer diferença."
"Alguns deles são como anjos também?" perguntou o garoto.
"É legal pensar nisso," Bast retrucou. "Eu espero."
"De onde eles vieram?"
Bast ergueu sua cabeça. "Então esta é a sua segunda pergunta?" ele
perguntou. "Suponho que seja, uma vez que não tem nada a ver com
como eles se parecem ..."
Kostrel fez uma careta, parecendo um pouco embaraçado, mas Bast
não sabia dizer se ele estava envergonhado ou se estava satisfeito
com as suas perguntas, ou envergonhado por ter sido pego tentando
ganhar uma resposta extra. "Desculpe-me," ele disse, "É verdade que
um encantado nunca pode mentir?"
"Alguns não podem," Bast respondeu. "Alguns não gostam. Alguns
ficam felizes de mentir mas nunca voltam atrás em suas promessas
ou quebram sua palavra." Ele deu de ombros. "Outros mentem tão
bem, e em todas as oportunidades."
Kostrel começou a perguntar mais alguma coisa, mas Bast pigarreou.
"Você tem que admitir," ele disse. "É uma resposta muito boa. Eu até
te dei algumas perguntas grátis, para ajudar a manter o foco das
coisas, por assim dizer."
Kostrel deu um aceno mal humorado.
"Eis o seu primeiro segredo." Bast ergueu um único dedo. "A maioria
dos Fae não vem para este mundo. Eles não gostam. Este mundo é
um tanto áspero para eles, como se vestissem uma camisa de
estopa. Mas quando eles vem, gostam de alguns lugares mais do que
outros. Eles gostam de lugares ermos. Lugares secretos. Lugares
estranhos. Há muitos tipos de fae, como tribunais e casas. E todos
eles são regidos de acordo com seus próprios desejos..."
Bast continuou num tom leve de conspiração. "Mas algo que agrada
a todos os encantados são lugares com conexões brutas, coisas
verdadeiras que dão forma ao mundo. Lugares que são tocados com
fogo e pedra. Lugares que estão próximos à água e o ar. Quando os
quatro unem-se..."
Bast parou para ver se o garoto iria interromper. Mas o rosto de
Kostrel havia perdido a astúcia latente que possuía antes. Ele parecia
uma criança novamente, ligeiramente boquiaberto, seus olhos
arregalados de admiração.
"Segundo segredo," Bast disse. "O povo encantado se parece um
pouco conosco, mas não exatamente. A maioria tem algo que os
torna diferentes. Seus olhos. Suas orelhas. A cor de seus cabelos ou
pele. Algumas vezes eles são mais altos que o normal, ou mais
baixos, ou mais fortes, ou mais bonitos."
"Como Feluriana."
"Sim, sim," Bast falou irritadamente. "Como Feluriana. Mas qualquer
um do Fae que tenha a habilidade de viajar pra cá, terá astúcia
suficiente para esconder coisas" Ele se inclinou, assentindo para si
mesmo. "Este é um tipo de mágica que os encantados comungam
entre si."
Bast expeliu os comentário final como um pescador arremessando
uma isca.
Kostrel fechou sua boca e engoliu à seco. Ele não lutou contra a
linha. Ele sequer sabia que havia sido fisgado. "Que tipo de magia
eles podem fazer?"
Bast revirou os olhos dramaticamente. "Oh, vamos, há outro livro
inteirinho digno da questão."
"Bem, talvez você devesse escrever um livro, então," Kostrel disse
categoricamente. "Aí você pode me emprestar e matar dois pássaros
com uma única pedra."
O comentário pareceu pegar Bast de jeito. "Escrever um livro?"
"É o que as pessoas fazem quando elas sabem toda maldita coisa,
não é?" Kostrel disse sarcasticamente.
"Eles escrevem para então mostrar."
Bast olhou pensativo por um instante, então sacudiu a cabeça para
desanuviá-la. "Está bem. Eis o que eu sei. Eles não pensam nisso
como magia. Eles nunca usariam este termo. Eles chamariam de arte
ou ofício. Eles falam de parecer ou dar forma."
Ele olhou para o sol e franziu os lábios. "Mas se eles estavam sendo
francos, o que raramente são, lembre-se, diriam que quase tudo que
fazem é glammouria ou grammaria. Glammouria é a arte de fazer
algo parecer. Grammaria é a arte de fazer algo ser."
Bast apressou-se antes que o garoto pudesse interrompê-lo.
"Glammouria é fácil. Eles podem fazer uma coisa parecer o que não é.
Eles poderiam fazer uma camisa branca parecer ser azul. Ou uma
camisa rasgada parecer estar inteira. A maioria do povo tem pelo
menos uma pequena fração desta arte. Suficiente para que se
escondam dos olhos mortais. Se seus cabelos forem de um branco
prateado, a sua glammouria poderia fazer com que parecessem
escuros como a noite."
Novamente, o rosto de Kostrel estava disperso em admiração. Mas
não era uma admiração supérflua, escancarada como antes. Era uma
admiração ponderada. Uma admiração inteligente, curiosa e faminta.
Era o tipo de admiração que conduziria um garoto para uma
pergunta que havia começado com um por quê.
Bast podia ver as formas destas coisas se movendo nos olhos
escuros do menino. Seus malditos olhos sagazes. Muitos sagazes
pela metade. Logo esses pensamentos vagos começaram a se
cristalizarem em perguntas do tipo "Como elas fazem sua
glammouria?" ou até pior. "Como um jovem garoto pode quebrá-lo?"
E então, com uma pergunta assim suspensa no ar? Nada bom
poderia provir disto. Quebrar uma promessa honestamente feita e
mentir descaradamente ia contra sua vontade. Até seria pior fazer
isto neste lugar. Seria muito mais fácil dizer a verdade e, em seguida,
certificar-se de que algo acontecesse com o garoto...
Mas sinceramente, ele gostava do garoto. Ele não era tapado ou
fácil. Não era mesquinho ou baixo. Ele empurrou de volta. Ele era
engraçado, cruel, faminto e mais lívido do quaisquer três pessoas da
cidade juntas. Ele era brilhante como vidro quebrado e afiado o
bastante para cortar a si mesmo. E Bast também, aparentemente.
Bast esfregou o rosto. Isto nunca acontecera. Ele nunca havia estado
em conflito com seu próprio desejo antes de chegar aqui. Ele odiava
isto. Isto era unicamente simples. Querer e ter. Ver e tomar. Correr e
perseguir. Sedento e saciado. E se ele houvesse se frustrado em
busca de seu desejo... e daí? Este era simplesmente o modo das
coisas. O desejo em si continuaria seu, continuaria puro.
Não foi assim agora. Agora seus desejos ficaram complicados. Eles
estavam constantemente em conflito uns com os outros. Sentia-se
infinitamente voltado contra si mesmo. De nenhuma forma nada era
mais simples, ele foi arrancado de diversas maneiras...
"Bast?", Kostrel disse, sua cabeça inclinada para o lado, com
preocupação em seu rosto. "Você está bem?" ele perguntou. "Qual é o
problema?"
Bast sorriu um sorriso sincero. Ele era um garoto curioso. De fato.
Este era o caminho. Este era o estreito caminho entre desejos. "Eu só
estava pensando. Grammaria é muito mais difícil de explicar. Eu não
posso afirmar que entendo disto tão bem."
"Apenas faça seu melhor," Kostrel disse gentilmente. "Qualquer coisa
que me diga será mais do que eu sei."
Não, ele não podia matar este garoto. Isto seria um tanto quanto
difícil.
"Grammaria é mudar uma coisa." Bast disse, fazendo um gesto
indistinto. "Fazendo disto algo diferente do que é."
"Como transformar chumbo em ouro?", indagou Kostrel. "É assim que
eles fazem ouro feérico?"
Bast fez questão de sorrir perante a pergunta. "Boa tentativa, mas
isso é glammouria. É fácil, mas não o bastante. É por isso que as
pessoas que pegam ouro faérico acabam com os bolsos cheios de
pedras ou bolotas pela manhã.
"Eles podem transformar cascalho em ouro?" Perguntou Kostrel. "Se
eles realmente quiserem?" "Não é este tipo de mudança." Interpôs
Bast, embora ainda tenha rido e assentido para aquela questão. "Isto
é muito grande. Grammaria é sobre... mudança. É sobre transformar
algo em mais do que realmente é".
O rosto de Kostrel se retorceu com a confusão.
Bast respirou fundo e expirou de vez pelo nariz. "Deixe-me tentar
outra coisa. O que você tem em seus bolsos?"
Kostrel vasculhou-o e estendeu as mãos. Havia um botão de bronze,
um pedaço de papel, uma ponta de lápis, uma pequena faca
dobrável... e uma pedra com um buraco. É claro.
Bast passou sua mão vagarosamente sobre a coleção de trecos,
eventualmente parando acima da faca. Ela não era particularmente
fina ou elegante, apenas um pedaço de madeira plana do tamanho de
um dedo com uma ranhura onde uma lâmina pequena e dobrável fora
escondida.
Bast pegou-a delicadamente entre dois dedos e colocou-a no chão
entre eles.
"O que é isto?"
Kostrel enfiou o resto de seus cacarecos em seu bolso. "É a minha
faca."
"É isto mesmo?" Questionou Bast.
Os olhos do garoto estreitaram-se desconfiadamente. "O que mais
poderia ser?"
Bast sacou sua própria faca. Ela era um pouco mais larga, e ao invés
de madeira, ela foi entalhada em em um pedaço de chifre de veado,
polido e bonito. Bast a abriu, e a lâmina brilhou ao sol.
Ele deitou sua faca próxima a do garoto. "Você trocaria sua faca pela
minha?"
Kostrel olhou para a sua faca, enciumado. Não obstante, não houve
nem um rastro de hesitação antes que ele abanasse a sua cabeça.
"Por que não?"
"Porque é minha," disse o garoto, seu rosto se turvando.
"A minha é melhor," Bast falou com naturalidade.
Kostrel aproximou-se e pegou sua faca, fechando a mão
possessivamente. Seu rosto estava carregado como uma tempestade.
"Meu pai me deu isto." Ele disse. "Antes que ele recebesse o soldo do
rei e passasse a ser um soldado e para nos salvar dos rebeldes." Ele
olhou para Bast, como se o desafiasse a dizer uma única palavra que
contrariasse isso.
Bast não desviou o olhar dele, apenas assentiu seriamente. "Então é
mais que uma faca." Ele disse. "É especial para você."
Ainda segurando a faca, Kostrel assentiu, piscando rapidamente.
"Para você, é a melhor faca."
Outra concordância.
"É mais importante do que as outras facas. E não é apenas
aparentemente ." Bast falou. "É algo que a faca é ."
Houve um lampejo de compreensão nos olhos de Kostrel.
Bast assentiu. "Isto é grammaria. Agora imagine se alguém pegasse
uma faca e a fizesse mais do que uma faca realmente é. A
transformasse na melhor faca. Não apenas para eles, mas para
alguém." Bast pegou a sua faca e fechou-a. "Se eles realmente são
capazes, eles podem fazer isso com qualquer outra coisa além de
uma faca. Eles podem fazer um fogo mais do que realmente é. Mais
faminto. Mais quente. Alguém realmente poderoso pode até fazer
mais. Eles podem pegar uma sombra..." Ele parou gentilmente,
deixando uma lacuna no ar.
Kostrel espirou e liberou para preencher com uma pergunta. "Como
Feluriana!" ele disse. "Foi isso que ela usou para fazer a capa das
sombras do Kvothe?"
Bast assentiu seriamente, feliz pela pergunta, odiando que aquela
fosse a pergunta. "Parece plausível pra mim. O que uma sombra faz?
Ela oculta, ela protege. A capa das sombras do Kvothe faz o mesmo,
só que mais."
Kostrel assentia em compreensão, e Bast o pressionou rapidamente,
ansioso para deixar para trás este assunto em particular. "Pense na
própria Feluriana..."
O garoto sorriu, ele parecia não ter problema algum para fazer isso.
"Uma mulher pode ter um pouco de beleza," disse Bast
vagarosamente. "Ela pode ser uma fonte de desejo. Feluriana é isso.
Como uma navalha. A mais bela. A maior fonte de desejo. Para
todos..." Bast deixou a ultima frase terminar suavemente mais uma
vez.
Os olhos de Kostrel estavam longe, obviamente dando ao assunto
uma completa reflexão. Bast lhe deu tempo para isso, e depois de um
momento outra questão surgiu para o garoto. "Isso não poderia ser
meramente uma Glammouria?", ele perguntou.
"Ah," disse Bast, sorrindo. "Mas qual é a diferença entre ser bonita e
parecer bonita?"
"Bem..." Kostrel parou por um momento, depois se reestabeleceu.
"Uma seria real e a outra não." Ele parecia ter certeza, mas isso não
refletiu em sua expressão. "Uma seria falsa. Você poderia perceber a
diferença, não poderia?"
Bast deixou a questão ao vento. Era próximo, mas não exatamente
isso. "Qual é a diferença entre uma blusa que parece branca e uma
blusa que é branca?" contrapôs.
"Uma mulher não é a mesma coisa que uma blusa.", Kostrel disse
com um vasto desdém. "Você saberia ao tocá-la. Se ela parecer
macia e rosada como Emberlee, mas seu cabelo parecesse como uma
cauda de cavalo, você saberia que não é real."
"Glammouria não é apenas enganar os olhos" disse Bast. "É para
tudo. Ouro de fada parece pesado. E um porco glammourado
cheiraria como rosas quando você o beijasse." Kostrel visivelmente
refletiu sobre isso. A mudança de Emberlee para um porco
glammourado obviamente o fez se sentir mais do que um pouco
chocado. Bast esperou um momento para ele se recompor.
"Não seria mais difícil glammourar um porco?" ele perguntou, por
fim.
"Você é esperto." Encorarou Bast. " Você está certo. E glammourar
uma bela garota para ser ainda mais bonita não seria muito
trabalho. É como colocar cobertura no bolo."
Kosbrel esfregou suas bochechas pensativamente. "Pode-se usar
glammouria e grammaria ao mesmo tempo?"
Bast ficou mais genuinamente impressionado desta vez. "Foi o que
eu ouvi."
Kostreu assentiu para si próprio. "Deve ser isso que Feluriana faz."
Ele disse. "Como creme na cobertura do bolo."
"Eu acho que sim" disse Bast. "O que eu conheci...", ele parou
abruptamente, sua boca se fechou.
"Você conheceu um Fae?"
Bast sorriu como uma armadilha de urso. "Sim"
Nesse momento Kostrel fisgou tanto o gancho quanto a linha. Mas
era tarde demais. "Seu bastardo!"
"Eu sou", Bast admitiu, contente.
"Você me enganou para eu perguntar isso."
"Eu enganei", disse Bast. "Era uma questão relacionada ao assunto, e
eu respondi por completo sem nenhum equívoco."
Kostrel ficou de pé e saiu irritado, voltando apenas um tempo depois.
"Me dê meu centavo!", ele exigiu.
Bast enfiou a mão no bolso e tirou o centavo de cobre. "Onde
Emberlee toma seu banho?"
Kostrel o encarou furiosamente, depois disse: "Para depois da ponte
da Pedra Antiga, em direção das colinas a cerca de meia milha. Há
um pequeno buraco com um olmo ".
"E quando?"
"Depois do almoço na fazenda Boggan. Logo após ela termina de
lavar e pendurar a roupa." Bast jogou o centavo, sorrindo como um
doido.
"Espero que seu pinto caia!" O menino disse venenosamente antes de
descer do morro.
Bast não pode evitar em rir. Ele tentou fazê-lo silenciosamente para
poupar os sentimentos do menino, mas não obteve sucesso.
Kostrel chegou até a base do morro e gritou. "E você ainda me deve
um livro!"
Bast parou de rir como algo tivesse fugido de sua memória. Ele
entrou em pânico por um momento quando percebeu que o exemplar
de Celum Tinture não estava no lugar de costume.
Então ele se lembrou de ter deixado o livro no topo da árvore de cima
da ribanceira relaxou. O céu limpo não mostrava sinal de chuva. Ele
estaria seguro o suficiente. Além disso, era quase meio dia, talvez um
pouco mais tarde. Então ele voltou e se apressou para baixo do
morro, não querendo se atrasar.
Bast correu a maior parte do caminho para o pequeno vale
arborizado, e na hora que chegou, estava suando como um cavalo de
corrida. Sua blusa grudou nele de um modo tão desagradável que,
enquanto ele andava pelo banco de água inclinado, ele a retirou e a
usou para limpar o suor de seu rosto.
Uma longa e plana saliência de pedras prolongava-se dentre o
Pequeno Riacho de lá, formando uma calma piscina lateral onde o
fluxo retornava para si. Um estande de salgueiros que pendiam sobre
da água o tornavam um local privado e sombreado.
A margem estava cheia de arbustos grossos e a água era suave e
calma e clara. Com o peito nu, Bast saiu pela saliência áspera de
pedra. Com roupas, seu rosto e mãos o faziam parecer um pouco
magro demais, mas sem camisa seus ombros largos eram
surpreendentes, sendo mais esperado de se ver em um trabalhador do
campo do que em um tipo indolente que nada mais faz do que ficar
em uma estalagem vazia durante o dia todo. Quando ficou fora da
sombra dos salgueiros, Bast ajoelhou-se para afundar a camisa na
piscina. Então, ele pressionou-a sobre a cabeça, tremendo um pouco
por conta do frio da água. Ele a esfregou no peito e nos braços
rapidamente, sacudindo as gotas de água de seu rosto. Ele colocou a
camisa de lado, se apoiou na beirada da pedra da borda da piscina,
em seguida, respirou fundo e mergulhou sua cabeça. O movimento fez
os músculos de suas costas e de seus ombros flexionarem. Um
tempo depois, ele tirou a cabeça para fora, ofegando um pouco e
sacudindo a água do seu cabelo. Bast então se levantou, alisando
seu cabelo com as duas mãos. A agua escorreu pelo seu peito,
fazendo filetes em seu cabelo escuro, escorrendo toda pela superfície
plana de seu estômago. Ele se sacudiu um pouco, então saiu pelo
nicho escuro produzido por uma plataforma pontiaguda de uma
rocha pendendo. Ele apalpou por um tempo antes de puxar a
saliência do sabão cor-de-manteiga. Ele se ajoelhou novamente na
borda da água, molhando sua blusa várias vezes, em seguida,
esfregando-a com o sabão. Demorou um pouco, já que ele não tinha
nenhuma placa de lavar e ele, obviamente, não queria roçar a camisa
contra as pedras ásperas. Ele ensaboou e enxaguou a blusa várias
vezes, torcendo-a com as mãos, fazendo com que os músculos de
seus braços e ombros se tencionassem e se entrelaçassem. Ele fez
uma limpeza completa, embora no momento em que ele terminou, ele
estava completamente encharcado e sujo de espuma.
Bast colocou sua camisa em uma pedra de sol para secar. Ele
começou a se desfazer de suas calças, então parou e inclinou a
cabeça para um lado, tentando retirar a água de seu ouvido. Talvez
por causa da água em seu ouvido Bast não ouviu os gorjeios
animados vindo dos arbustos que cresciam próximos a margem. Um
som que poderia ser, possivelmente, de pardais batendo-se entre os
galhos. Um bando de pardais. Vários bandos, talvez. E se Bast não
tivesse visto os arbustos se movimentando também? Ou notado que
dentre as folhagem pendurada entre os ramos de salgueiro não havia
as cores que normalmente são encontradas em árvores?
Hora um rosa pálido, hora um vermelho corado. De vez em quando,
um amarelo irrefletido ou um centáurea-azul.
E embora seja verdade que os vestidos viessem nessas cores...bem...
as aves também. Tentilhões e gralhas. E, além disso, era de
conhecimento popular entre as moças da cidade que moreno que
trabalhava na pousada era terrivelmente míope.
Os pardais piaram nos arbustos a medida que Bast começou a
desamarrar o cordão de suas calças novamente. O nó aparentemente
estava dando-lhe trabalho. Ele atrapalhou-se com ele por um tempo,
então ficou frustrado e deu uma grande esticada felina, com seus
braços em arco sobre a cabeça, o corpo dobrando como um arco.
Finalmente ele conseguiu deixar o nó frouxo e ficou livre de suas
calças. Ele não usava nada por baixo.
Ele as jogou em um canto e do salgueiro veio um grito do tipo que
poderia ter vindo de um pássaro maior. Uma garça-real, talvez. Ou
um corvo. E se um ramo tremeu violentamente, ao mesmo tempo,
bem, talvez um pássaro tivesse se inclinado para muito longe de seu
ramo e quase caiu. E, além disso, foi no momento em que Bast
estava olhando para outro lado.
Bast mergulhou na água, em seguida, respingou água como um
menino e ofegante com o frio. Depois de alguns minutos partiu para
uma parte mais rasa da piscina, onde a água subiu até quase
alcançar sua cintura estreita. Debaixo da água, um observador atento
poderia notar as pernas do rapaz parecia um pouco... estranhas. Mas
estava sombreado lá e todos sabem que a agua dobra a luz de forma
estranha, fazendo as coisas parecerem diferentes do que elas são. E,
além disso, pássaros não são os observadores mais cautelosos,
especialmente porque sua atenção estava concentrada em outro
lugar.
Uma hora mais tarde, ligeiramente úmido e com cheiro doce de sabão
de madressilva, Bast escalou a ribanceira onde tinha certeza de ter
deixado o livro de seu mestre. Foi a terceira ribanceira que ele
escalou na última meia hora. Quando chegou no topo, Bast relaxou
com a visão de um espinheiro. Caminhando para mais perto, ele viu
que era a árvore certa, com a brecha onde ele se lembrava. Mas o
livro tinha desaparecido. Uma volta em torno da árvore mostrou que
ele não tinha caído no chão. Então o vento se agitou e Bast viu algo
branco. Ele sentiu um calafrio instantâneo, temendo ser uma pagina
solta do livro. Poucas coisas irritavam tanto seu mestre como um
livro mal cuidado. Mas não, se aproximando, Bast não viu o papel.
Era uma extensão lisa de casca de bétula. Ele a retirou e viu as letras
riscadas com uma inclinação tosca.
Eu prciso fala co vc. Eh emportante.
Rike
Tarde: Pássaros e abelhas
Sem saber onde poderia encontrar Rike, Bast fez seu caminho de
volta para a Árvore Relâmpago. Ele se estabeleceu no lugar de
costume quando uma menininha veio até ele.
Ela não parou no monólito e, ao invés disso, marchou direto morro
acima.
Ela era mais nova do que os outros, com seis ou sete anos. Ela
usava um vestido azul brilhante e tinha lacinhos roxos amarrados em
seu cabelo cuidadosamente enrolado. Ela nunca tinha ido a árvore
relâmpago antes, mas Bast já a havia visto. Mesmo se não tivesse,
poderia supor por suas roupas finas e seu cheiro de água de rosas
que era Viette, a filha mais nova do prefeito. Ela escalou o pequeno
morro vagarosamente, carregando algo peludo na dobra de seu
braço. Quando ela cheio no topo ela ficou parada, um pouco inquieto,
mas ainda esperando.
Bast olhou para ela silenciosamente por um momento. "Você conhece
as regras?" ele perguntou.
Ela se ficou de pé, com fitas roxas em seu cabelo. Ela obviamente
parecia amedrontada, Mas seu lábio inferior estava tenso, desafiador.
Ela assentiu. "Quais são elas?"
A garotinha lambeu os lábios e começou a recitar com uma voz
cantada. "Não ser mais alto que a pedra." Ela apontou para o
monólito caído na parte inferior do morro. "Quando vier para a árvore
preta, venha sozinha."
Ela colocou o dedo nos lábios, imitando o som de " chiu".
"Não dizer-"
"Espere" Bast interrompeu. "Você não disse as duas ultimas frases
enquanto tocava na árvore."
A menina empalideceu um pouco por conta disso, mas deu um passo
a frente e colocou a mão contra a madeira desbotada pelo sol da
árvore que já estava morta há muito tempo. A garota pigarreou
novamente, então parou, seus lábios se movimentando
silenciosamente percorrendo desde o inicio do poema até encontrar
onde tinha parado. "Não dizer a nenhum adulto o que foi dito aqui,
senão, que um relâmpago te acerte e te mate."
Quando ela disse a ultima palavra, Viette engasgou e puxou a mão
para trás, como se algo tivesse queimado ou mordido seus dedos.
Seus olhos ficaram maiores a medida que ela olhava para as pontas
dos seus dedos e viu que estavam intocados, com um rosa saudável.
Bast escondeu um sorriso por trás de sua mão.
"Muito bem então," Bast disse. "Você conhece as regras. Eu guardo
seus segredos e você guarda os meus. Eu posso responder suas
perguntas ou ajudo a solucionar algum problema." Ele se sentou
novamente, suas costas contra a árvore, deixando-lhe na altura dos
olhos da menina. "O que você quer?"
Ela se estendeu a pequena nuvem de pelos brancos que ela carregava
na dobra do seu braço. Ele miou.
"Esse é um gatinho mágico?" ela perguntou.
Bast pegou o gatinho em sua mão e olhou para ele. Era uma coisa
dorminhoca, quase inteiro branco. Um olho era azul e o outro verde.
"De fato, é sim" ele disse, um pouco surpreso. "Pelo menos um
pouco" Ele entrou o gato de volta a ela.
Ela assentiu séria. "Eu quero chama-la de Princesa Glacê"
Blast simplesmente ficou olhando para ela, perplexo. "Está bem."
A menina fez uma careta para ele. "Eu não sei se ela é menina ou
menino!"
"Oh" disse Bast. Ele estendeu a mão, pegou o gatinho, em seguida,
acariciou-o e entregou-o de volta. "É uma menina".
A filha do prefeito estreitou os olhos "Você está mentindo?"
Bast piscou para a menina, então riu "Por que você acreditaria em
mim na primeira vez e não na segunda?" ele perguntou.
"Eu sabia que ela era uma gatinha mágica." Disse Viette, revirando os
olhos, irritada. "Eu só queria ter certeza. Mas ela não está usando um
vestido. Ela não tem fitas ou laços. Como você pode saber que ela é
uma menina?"
Bast abriu sua boca. Então fechou novamente. Ela não era uma filha
de fazendeiro qualquer. Ela tinha uma governanta e um armário cheio
de roupas. Ela não passava o tempo entre ovelhas e porcos e cabras.
Ela nunca viu um cordeirinho nascer. Ela tinha irmãs mais velhas,
mas nenhum irmão...
Ele hesitou. Ele preferiria não mentir. Não aqui. Mas ele não tinha
prometido responder a pergunta, não fez nenhum tipo de acordo com
ela. Isso fez as coisas serem mais fáceis. Muito mais fácil do que ter
o prefeito raivoso visitando na Marco do Percurso exigindo saber
porque sua filha repentinamente conhecia a palavra "pênis".
"Eu fiz cócegas na barriga da gatinha" Bast disse com facilidade. "E
se ela pisca para mim, eu sei que é uma menina."
Isso satisfez Viette e ela balançou a cabeça solenemente. "Como eu
faço meu pai me deixar ficar com ela?"
"Você já pediu gentilmente a ele?"
Ela assentiu. "Papai odeia gatos."
"Implorou e chorou?" acenou com a cabeça.
"Gritou e deu um ataque histérico?"
Ela revirou os olhos e deu um suspiro irritado. "Eu já tentei tudo isso,
ou eu não estaria aqui."
Bast pensou por um momento. "Está bem, primeiro você deve
conseguir um pouco de comida que possa se manter boa por dois
dias. Biscoitos, salsicha, maçãs. Esconda isso no seu quarto onde
ninguém possa ver. Nem mesmo sua governanta. Nem a empregada.
Você tem um lugar assim?"
A garotinha assentiu.
"Então você vai perguntar ao seu papai mais uma vez. Seja gentil e
educada. Se ele ainda disser não, não fique brava. Só diga a ele que
você ama a gatinha. Diga que se você não ficar com ela, você tem
medo de ficar tão triste que você morrerá."
"Ele ainda dirá não" disse a garotinha.
Bast deu os ombros. "Provavelmente. Então ai vem a segunda parte.
Hoje a noite, você cutuca o seu jantar. Não coma. Nem mesmo a
sobremesa" A garotinha começou a dizer algo, mas Bast levantou a
mão.
"Se alguém lhe perguntar, somente diga que você não está com fome.
Não mencione a gatinha. Quando você estiver sozinha em seu quarto,
coma um pouco da comida que você escondeu."
A garotinha parecia pensativa. Bast continuou.
"Amanhã, não tome café da manhã. Não almoce. Você pode beber um
pouco de água, mas só golinhos. Fique só deitada na cama, quando
ele perguntar qual é o problema-"
Ela se animou "Eu digo que quero minha gatinha!"
Bast balançou a cabeça com uma expressão severa. "Não. Isso vai
estragar o plano. Apenas diga que você está cansada. Se eles lhe
deixarem sozinha, você pode comer, mas seja cuidadosmãea. Se eles
a descobrirem, você nunca terá a gatinha."
A garota escutava atentamente agora, com a testa franzida por
causa de sua concentração.
"Lá pela hora do jantar eles estarão preocupados. Eles lhe oferecerão
mais comida. Suas preferidas. Continue dizendo que você não tem
fome. Que você só está cansada. Apenas fique deitada. Não fale.
Faça isso o dia todo."
"Posso levantar para fazer xixi?"
Bast assentiu. "Mas lembre-se de parecer cansada. Não brinque. No
próximo dia, eles estarão assustados. Vão lhe levar ao médico. Vão
tentar lhe dar caldo para comer. Eles tentarão de tudo. Em algum
momento, seu pai estará do seu lado e ele lhe perguntará qual é o
problema."
Bast sorriu para ela. "É nessa hora que você começa a chorar. Não
berrando. Nem choramingando. Apenas lágrimas. Basta deitar lá e
chorar. Depois diga que você sente muita falta da sua gatinha. Você
sente tanta falta que não quer estar mais viva."
A garotinha pensou sobre isso por um longo minuto, acariciando sua
gatinha distraidamente com uma mão. Finalmente ela assentiu. "Está
bem" ela se virou para ir.
"Espere ai!" Bast disse rapidamente. "Eu te dei o que você queria.
Você me deve algo."
A menininha virou-se, sua expressão era de uma estranha mistura de
surpresa e de um constrangimento ansioso. "Eu não trouxe nenhum
dinheiro" ela disse, não olhando nos olhos dele.
"Não é dinheiro." Disse Bast. "Eu lhe dei duas resposta e uma
maneira de você ficar com sua gatinha. Você me deve três coisas.
Você paga com presentes e favores. Você paga com segredos..."
Ela pensou por um momento. "Papai esconde sua chave do cofre
dentro do relógio da cornija."
Bast assentiu em aprovação. "Esse é um"
A garotinha olhou para o céu, ainda acariciando seu gato. "Eu vi a
mamãe beijar a empregada uma vez."
Bast levantou sua sobrancelha diante disso. "São dois..."
A garotinha colocou o dedo na orelha e o mexeu. "Isso é tudo, eu
acho."
"Que tal um favor então?" Bast disse. "Eu preciso que você me
busque duas dúzias de margaridas com hastes longas. E uma fita
azul. E duas braçadas de Tesouro de Donzela "
O rosto de Viette enrugou-se em confusão. "O que é um Tesouro de
Donzela ?"
"Flores" disse Bast, olhando intrigado consigo mesmo. "Talvez você
as chame de balsamos? Elas crescem na natureza por todo canto."
Ele disse, fazendo um amplo gesto com as duas mãos.
"Você quer dizer gerânios?" Ela perguntou.
Bast balançou sua cabeça. "Não. Elas têm pétalas frouxas e são mais
ou menos desse tamanho." Fez um circulo com o polegar e o dedo
médio "Elas são amarelas e laranjas e vermelhas..."
A garota o fitou sem expressão.
"A viúva Creel as deixa na jardineira da janela" Bast continuou
"Quando você toca nas vagens, elas estalam..."
O rosto de Viette se iluminou "Oh! Você quer dizer as Não-Me-
Toques" ela disse, seu tom de voz mais do que um pouco
paternalista. "Eu posso te trazer um monte delas. Isso é fácil." Ela
virou para correr morro abaixo.
Bast a chamou antes de ela dar o sexto passo. "Espere!" Quando ela
se virou, ele perguntou a ela. "O que você vai dizer quando alguém
lhe perguntar para quem está pegando as flores?"
Ela revirou os olhos novamente. "Eu digo que não é da conta deles."
Ela disse. "Porque meu papai é o prefeito!"
Depois que Viette saiu. Um alto assobio fez Bast olhar para baixo do
morro pelo monólito. Não havia criança lá esperando. O assobio veio
novamente e Bast se levantou, se esticando de forma longa e árdua.
Teria surpreendido a maioria das jovens mulheres da cidade o quão
fácil ele visualizou uma figura parada nas sombras da árvore na
borda da clareira que estava a quase duzentos metros de distância.
Bast caminhou descendo a colina, através de um campo gramado, e
em direção a sombra das árvores. Havia um menino mais velho com
o rosto sujo e um nariz achatado. Ele talvez tivesse uns doze anos e
tanto sua blusa como calças eram muito pequenas para ele,
mostrando muita sujeira em seu pulso pelo punho e um tornozelo nu
embaixo. Estava descalço e havia um cheiro ligeiramente azedo nele.
"Rike" A voz de Bast não trazia nada de amigável, fazendo um tom
que ele usaria com as outras crianças da cidade. "Como está a
estrada para Tinuë?"
"É um maldito caminho longo." O menino disse com amargura, não
olhando nos olhos de Bast. "Nós vivemos na bunda de lugar nenhum"
"Eu vejo que você tem meu livro." Bast disse.
O rapaz o estendeu. "Eu num queria tentar roubá-lo" ele murmurou
rapidamente. "Eu só precisava falar com você."
Bast pegou o livro silenciosamente.
"Eu não violei as regras" disse o garoto. "Eu nem fui para a clareira.
Mas eu preciso da sua ajuda. Eu lhe pagarei por isso."
"Você mentiu para mim, Rike" Disse Bast, sua voz severa.
"E eu num paguei por isso?" O rapaz exigiu com raiva, olhando-o
pela primeira vez. "Num paguei por isso dez vezes mais? A minha
vida num é uma merda o suficiente sem ter mais merda empilhada no
topo dela?"
"E isso tudo é irrelevante porque você é muito velho agora", disse
Bast categoricamente.
Em seguida, o garoto lutou e respirou fundo, visivelmente tentando
controlar seu temperamento. "Tam é mais velho qui eu e ele ainda
pode ir a árvore! Eu só sou mais alto qui ele!"
"Essas são as regras" disse Bast.
"Essas são regras de merda!" O rapaz gritou, fazendo um punho com
as mãos. "E você é um bastardo de merda, que merece mais cintadas
do que recebe."
Houve um silêncio então, quebrado apenas pela respiração irregular
do garoto. Os olhos de Rike se voltaram para o chão, os punhos
cerrados ao lado do corpo, ele estava tremendo.
Bast estreitou os olhos ligeiramente.
A voz do menino era áspera. "Só um" disse Rike. "Só um favor só
essa vez. É um dos grandes. Mas eu pagarei. Pagarei o triplo."
Bast respirou fundo e soltou o ar como um suspiro. "Rike, eu-"
"Por favor, Bast?" Ele ainda estava tremendo, mas Bast percebeu que
a voz do garoto não estava mais com raiva. "Só...por favor?"
Estendeu a mão e apenas ficou ali à toa, como se não soubesse o
que fazer com ela. Por fim, ele pegou a manga da blusa de Bast e
puxou-a uma vez, debilmente, antes de deixar a mão cair de volta
para seu lado. "Eu não posso consertar isso sozinho".
Rike olhou para cima, seus olhos cheios de lágrimas. Seu rosto foi
torcido em um nó de raiva e medo. Um menino muito jovem para
evitar chorar, mas ainda velho o suficiente para ele se odiar por fazer
isso.
"Eu preciso que você se livre do meu pai" ele disse com uma voz
partida. "Eu não sei como. Eu poderia furá-lo enquanto ele dormia,
mas assim minha mãe descobriria. Ele bebe e bate nela. E ela chora
o tempo todo e então ele vai lá e bate mais nela."
Rike olhava para o chão novamente, as palavras derramavam dele em
erupção. "Eu poderia pegá-lo enquanto ele estivesse bêbado em
algum lugar, mas ele é muito grande. Não poderia movê-lo. Eles
encontrariam o corpo e o juíz me pegaria. Eu não poderia olhar para
minha mãe nos olhos então. Não se ela soubesse. Eu não posso
pensar o que isso faria com ela, se ela soubesse que eu sou o tipo de
pessoa que mataria seu próprio pá. "
Ele olhou para cima então, seu rosto furioso, seus olhos vermelhos de
tanto chorar. "Embora eu faria. Eu o mataria. Só me diga como
fazer."
Houve um momento de silêncio.
"Está bem" disse Bast.
Eles desceram para o córrego onde ele poderia tomar um gole de
água e Rike poderia lavar o rosto e se recompor um pouco. Quando o
rosto do rapaz estava limpo, Bast notou que nem toda imundice era
sujeira. Era fácil de confundir, pois o sol havia o bronzeado em um
rico marrom noz. Mesmo depois de ele ter se limpado bastante era
difícil de saber se eram os restos tênues de contusões.
Suposição ou não, os olhos de Bast eram penetrantes. Bochecha e
mandíbula. Uma escuridão em torno de seu pulso magrelo. E quando
ele se inclinou para tomar uma bebida do córrego, Bast vislumbrou
as costas do rapaz...
"Então" disse Bast enquanto sentava ao lado do córrego. "O que
exatamente você quer? Você quer que eu o mate ou quer que ele
apenas vá embora?"
"Se ele for apenas embora, eu nunca dormiria novamente por me
preocupar de ele voltar." Disse Rike, então ele ficou um pouco em
silêncio. "Ele foi embora por um período uma vez." Ele deu um leve
sorriso. "Essa foi uma boa época, só eu e minha mã. Era como se
fosse meu aniversário todos os dias quando eu acordava e ele não
estava lá. Eu nunca pensei que minha mãe pudesse cantar..."
O menino ficou em silêncio novamente. "Eu pensei que ele tivesse
caído bêbado em algum lugar e finalmente tivesse quebrado o
pescoço. Mas ele tinha apenas negociado um ano de peles em troca
de dinheiro para beber. Ele só estava em seu barraco de armadilhas,
todo entorpecido de bebida por metade de um mês, e não um pouco
mais de um quilômetro de distância."
O rapaz sacudiu a cabeça, mais firmemente dessa vez. "Não, se ele
for, ele não ficará longe."
"Eu posso descobrir como fazer" disse Bast. "Isso é o que eu faço.
Mas você precisa me dizer o que você realmente quer."
Rike sentou por um bom tempo, abrindo e fechando a mandíbula.
"Longe" ele disse finalmente. Essa palavra parecia pegar em sua
garganta. "Desde que ele permanece longe para sempre. Se você
puder realmente fazer isso."
"Eu posso fazer isso." Disse Bast.
Rike olhou para suas mãos por muito tempo. "Longe então. Eu o
mataria. Mas esse tipo de coisa num é certa. Eu não quero ser esse
tipo de homem. Um rapaz não deve matar seu próprio pai ".
"Eu posso fazer isso para você.", disse Bast com facilidade.
Rike se sentou por um tempo, então balançou sua cabeça. "É a
mesma coisa, num é? De qualquer forma, sou eu. E se for eu, seria
mais honesto se eu fizesse com minhas próprias mãos do que com
minha boca."
Bast assentiu. "Certo então. Longe para sempre"
"E logo" disse Rike.
Bast suspirou e olhou para o sol. Ele já tinha coisas para fazer hoje.
As engrenagens de seu desejo não pararam de girar só porque algum
agricultor bebeu demais. Emberlee tomaria seu banho logo. Ele
deveria pegar cenouras...
Ele não devia nada ao garoto também. Era o oposto. O garoto tinha
mentido para ele. Quebrado uma promessa. E enquanto Bast
acertava as contas tão firmemente que as outras crianças da cidade
nem sonhavam em cruzar seu caminho daquele jeito... ainda era
irritante de lembrar. A ideia de ajudá-lo agora, apesar disso, era
completamente o oposto do que ele desejava.
"Tem que ser logo", Rike disse. "Ele está ficando pior. Eu posso fugir,
mas minha mãe não. E o pequeno Bip também não... E..."
"Certo, certo..." Bast o cortou, sacudindo as mãos. "Logo."
Rike engoliu. "O que isso vai me custar?" ele perguntou, ansioso.
"Muito." Bast disse amargamente. "Não estamos falando de fitas e
botões aqui. Pense o quanto você quer isso. O quão importante isso
é." Ele olhou nos olhos do garoto e não desviou o olhar. "Três vezes
isso é o que você me deve. Mais um pouco pelo logo." Ele encarou o
rapaz.
"Pense bem sobre isso."
Rike estava um pouco pálido agora, mas ele assentiu sem desviar o
olhar. "Você pode ter o que você quiser de mim", ele disse. "Mas
nada de minha mãe. Ela num tem muito mais além que meu pai já
não tenha bebido."
"Nós resolveremos isso." Disse Bast. "Mas não será nada dela. Eu
prometo."
Rike respirou fundo. Em seguida, deu um aceno acentuado de cabeça.
"Está bem. Quando começamos?"
Bast apontou para o córrego. "Encontre-me uma pedra do rio com
um buraco e traga para mim."
Rike deu a Bast um olhar estranho. " Ocê quer uma pedra de fada?"
"Pedra de fada." Bast disse com um deboche fulminante tão grande
que Rike corou de vergonha.
"Você está muito velho para esse absurdo." Bast deu uma olhada
para o garoto. "Você quer que eu te ajude ou não?" ele perguntou.
"Eu quero.", disse Rike em voz baixa.
"Então eu quero uma pedra do rio." Bast apontou para o córrego.
"Você deve ser a pessoa a achá-la." Ele disse. "Não pode ser
ninguém mais. E você precisa encontrá-la seca na margem."
Rike assentiu.
"Está bem então." Bast bateu palmas duas vezes. "Pode ir."
Rike saiu e Bast retornou para a árvore relâmpago. Nenhuma criança
estava esperando para falar com ele, portanto vadiou no tempo livre.
Ele pulou pedras no riacho próximo e folheou Celum Tinture, olhando
para algumas das ilustrações. Calcificação. Titulação. Sublimação.
Bran, feliz sem castigo e com uma mão enfaixada, trouxe dois pães
doces enrolados em um lenço branco. Bast comeu o primeiro e
deixou o segundo de lado. Viette trouxe as braçadas de flores e uma
fita azul fina. Bast teceu as margaridas em uma coroa, enfiando a
fita através do caule.
Então, olhou para o sol e viu que estava quase na hora. Bast
removeu sua blusa e a encheu com o rico amarelo e vermelho das
Não-Me-Toques que Viette trouxe para ele. Ele adicionou o lenço e a
coroa, em seguida, pegou um pedaço de pau e fez uma trouxinha
para que ele pudesse levar tudo muito mais facilmente.
Ele seguiu afora passando a ponte Pedra Antiga, então para cima em
direção às colinas e ao redor de um precipício até que achou o lugar
descrito por Kostrel. Era escondido de maneira esperta, e o regato se
encurvava e espiralava em uma amável pequena piscina perfeita para
um banho privativo.
Bast sentou-se atrás de alguns arbustos, e passada meia-hora de
espera ele caiu no sono. O estalo agudo de um galho e um pedaço de
uma canção preguiçosa despertaram-no, e ele se empertigou para
baixo para ver a jovem mulher cuidadosamente se dirigindo da
íngreme vertente para a borda da água.
Movendo-se silenciosamente, Bast apressou-se rio acima, carregando
seu fardo. Dois minutos depois ele estava se ajoelhando na margem
coberta de grama com a pilha de flores ao seu lado.
Ele pegou uma flor amarela e expirou nela geltilmente. Conforme sua
respiração roçou nas pétalas, sua cor mudou gradualmente para um
azul delicado. Ele soltou-a e a corrente a carregou lentamente rio
abaixo.
Bast juntou um punhado de ramalhetes, vermelhos e laranjas, e
expirou neles novamente. Suas cores também mudaram e deslocaram
para um pálido e vibrante azul. Ele os espalhou na superfície do
regato. Fez isso duas vezes mais até que as flores acabaram-se.
Então, pegando o lenço e a coroa de margaridas, ele correu de volta
rio abaixo para o pequeno vazio aconchegante entre os olmos. Ele se
moveu rápido o bastante para que Emberlee estivesse a caminho da
margem.
Suavemente, silenciosamente, ele se arrastou até o aglomerado de
olmos. Mesmo com uma mão carregando o lenço e a coroa, ele
seguiu o lado ágil como um esquilo.
Bast deitou-se ao longo de um ramo, protegido pelas folhas,
respirando rápido mas nao forte. Emberlee estava removendo a meia-
calça e dispondo-as cuidadosamente em uma sebe. Seu cabelo
brilhava dourado e vermelho, caindo em preguiçosas curvas. Sua face
era doce e redonda, uma amável tom pálido e rosado.
Bast abriu um sorriso enquanto a via olhando ao redor, primeiro para
a esquerda, então para a direita. Então ela começou a soltar o laço
de seu corpete. Seu vestido era de um pálido centáurea-azul, com
bordas amarelas, e ela esticou-o na sebe, chanfrado fulgorosamente
de maneira que parecia a asa de um enorme pássaro. Talvez alguma
combinação fantástica entre um tentilhão e um gaio.
Vestida apenas com sua roupa de baixo branca, Emberlee olhou ao
redor denovo: esquerda, depois direita. Então se remexeu para tirá-la,
um movimento fascinante. Ela jogou a roupa de baixo de lado e lá
estava ela, nua como a lua. Sua cremosa pele estava incrível coberta
de sardas. Seus quadris largos e amáveis. As pontas dos seios
coradas como o mais pálido rosa.
Ela se precipitou rapidamente para dentro d'água. Soltando uma
série de pequenos, consternados gemidos de frio. Eles eram, em
consideração, nada parecidos com um corvo afinal. No entanto,
poderiam ser, talvez, com uma garça.
Emberlee lavou-se um pouco, salpicando água e tremendo. Ela se
ensaboou, imergiu sua cabeça no rio, e veio a tona ofegante.
Molhado, seu cabelo ficou da cor de cerejas maduras.
Foi então que os primeiros Não-Me-Toques chegaram, flutuando na
água. Ela dirigiu seu olhar para eles curiosamente enquanto
flutuavam ao redor e começou a ensaboar seu cabelo.
Mais flores seguiram o fluxo. Vieram corrente abaixo e fizeram
círculos ao redor dela, pegas no pequeno rodamoinho da piscina. A
garota olhou para elas maravilhada. Então ergueu um punhado
acima da água e as trouxe defronte sua face, inspirando para sentir
seu perfume.
Ela riu encantada e mergulhou abaixo da superfície, emergindo no
meio das flores, a água escorreu por sua pele pálida, passando por
seus seios nus. Flores se agarraram nela, como se relutantes em
deixa-la.
Foi então que Bast caiu da árvore.
Houve um breve, irritado arrastar de dedos contra a casca, uns
poucos ganidos, então ele bateu contra o chão como um saco de
banha. Ele deitou de costas na grama e deixou sair um grave,
miseravel rosnado.
Ouviu um som de chapinhar, e então Emberlee apareceu diante dele.
Ela segurava sua roupa de baixo branca à frente. Bast, deitado na
grama alta, olhou para cima.
Ele foi sortudo em aterrissar naquele trecho de relva, amortecido pela
grama alta e verde. Alguns metros para um lado, e ele teria se
esborrachado de encontro as rochas. Dois metros para o outro lado e
ele teria se afundado na lama.
Emberlee ajoelhou-se ao seu lado, sua pele pálida, seus cabelos
escuros. Um ramalhete agarrado ao seu pescoço-era da mesma cor
de seus olhos, um pálido e vibrante azul.
"Oh," Bast disse feliz ao olhar para ela. Seus olhos estavam
ligeiramente ofuscados. "Você é muito mais adorável do que eu
imaginei."
Ele levantou uma mão como se para roçar sua bochecha, mas viu-se
segurando a coroa e o lenço amarrado. "Ahh," ele disse, lembrando.
"Eu lhe trouxe algumas margaridas também. E um pão doce."
"Obrigada," ela disse, pegando a coroa de margaridas com as duas
mãos. Ela se livrou da roupa de baixo para fazê-lo, que caiu
suavemente sobre a grama.
Basst piscou, momentaneamente sem palavras.
Emberlee inclinou a cabeça para olhar a coroa; a faixa era
impressionantemente de um azul safira, mas não era nem perto de
ser tão amável como seus olhos. Ela a ergueu com as duas mãos e a
posicionou orgulhosa em sua cabeça. Seus braços ainda erguidos, ela
inspirou lentamente.
O olhar de Bast escorregou da coroa.
Ela sorriu para ele indulgentemente.
Bast puxou ar para falar, mas então parou e inspirou denovo pelo
nariz. Madressilva.
"Por acaso você roubou meu sabonete?" ele perguntou incrédulo.
Emberlee riu e o beijou.
Um bom tempo depois, Bast pegou o caminho longo de volta para a
árvore relâmpago, fazendo uma larga curva até as colinas ao norte da
cidade. A paisagem era mais rochosa por aqueles lados, sem solo
plano o bastante para o plantio, o terreno muito traiçoeiro para o
pasto.
Mesmo com as indicações do menino, Bast levou um tempo para
encontrar a destilaria de Martin. O velho louco merecia certo
reconhecimento afinal. Entre os espinheiros, barranco, e árvores
caídas, não havia chance que ele teria trombado com o esconderijo
acidentalmente, espremido dentro de uma caverna superficial, em um
insignificantemente pequeno vale.
A destilaria não era nenhuma profusão de geringonças enroscadas a
velhas jarras e fios emaranhados. Era uma obra de arte. Haviam
barris e bacias e enormes espirais formadas por tubos de cobre. Uma
enorme chaleira de cobre com o dobro do tamanho de um tanque, e
um fogão para aquece-la. Uma vala de madeira se estendia ao longo
de todo o teto, e somente depois de segui-la até o lado de fora Bast
percebeu que Martin coletava água da chuva para encher seus barris
de refrigeração.
Observando a destilaria, Bast sentiu uma repentina necessidade de
folhear o Celum Tinture e aprender como eram chamadas cada uma
das peças, e para que serviam. Somente então ele percebeu que havia
deixado o livro na árvore relâmpago.
Então ao invés disso ele explorou ao redor até que achou uma caixa
preenchida com uma maluca mistura de recipientes: duas dúzias de
garrafas de todos os tipos, jarros de barro, antigas jarras de lata ...
Uma dúzia delas estavam cheias. Nenhuma delas estavam rotuladas
de forma alguma.
Bast ergueu a garrafa alta que obviamente conteve vinho um dia. Ele
puxou a rolha, cheirou-a cautelosamente, então tomou um gole
cuidadoso. Seu rosto desabrochou numa aurora de deleite. Ele quase
que esperava aguarrás, mas isso era ... bem ... ele nao tinha total
certeza. Bebeu outro gole. Havia um toque de maçãs na bebida, e ...
cevada?
Bast entornou um terceiro gole, sorrindo. Qualquer coisa que fosse,
era adorável. Suave e forte e só um pouco doce. Martin pode até ser
atormentado, mas claramente sabia destilar.
Já havia passado mais do que uma hora antes que Bast fizesse o
caminho de volta para a árvore relâmpago. Rike não havia retornado,
mas Celum Tinture permanecia intocado. Era a primeira vez que se
encontrava feliz em ver o livro, pelo que se lembrava. Ele abriu o livro
no capítulo de destilação e leu por meia hora, assentindo para si
mesmo em vários pontos. Era chamada de bobina de condensação.
Parecia importante, pensou ele.
Finalmente ele fechou o livro e emitiu um suspiro. Havia algumas
nuvens se adensando, e nenhum bem seria feito ao deixar o livro
abandonado de novo. Sua sorte não duraria para sempre, e ele
estremeceu ao pensar no que aconteceria se o vento tombasse o livro
na grama e rasgasse algumas páginas. Se houvesse uma chuva
repentina....
Então Bast caminhou de volta para a Pousada Marco do Percurso e
se esgueirou silenciosamente pela porta de trás. Pisando com
cuidado, ele abriu um armário e enfiou o livro dentro. Ele estava
fazendo seu silencioso caminho de volta para a porta antes de ouvir
passos atrás de si.
"Ah, Bast," o hospedeiro disse. "Você trouxe as cenouras?"
Bast estagnou, pego embaraçosamente no meio de sua fuga. Ele
ficou ereto e alisou as roupas constrangido. "Eu... eu ainda nao
cheguei nessa parte, Reshi."
O hospedeiro suspirou profundamente. "Eu não peço uma..." Ele
parou e cheirou, então estreitou os olhos para o homem de cabelos
escuros."Você está bêbado, Bast?"
Bast pareceu ofendido. "Reshi!"
O hospedeiro virou os olhos. "Está bem então, você esteve bebendo?"
"Eu estive investigando," Bast disse, enfatizando a palavra. "Você
sabia que o Martin Maluco tem uma destilaria?"
"Eu não." o hospedeiro disse, seu tom deixando claro que não achava
a informação particularmente emocionante. "E Martin não é louco.
Ele só tem um punhado de fortes afetações compulsivas infelizes. E
um toque de maluquice militar de quando ele era soldado."
"Bem, sim..." Bast disse vagarosamente. "Eu sei, pois ele atiçou seu
cachorro em mim e quando eu escalei uma árvore para fugir, ele
tentou derrubar a árvore a machadadas. Mas também, fora essas
coisas, ele também é louco, Reshi. Muito, muito louco."
"Bast." O hospedeiro olhou-o com olhar de reprovação.
"Eu não estou dizendo que ele é mau, Reshi. Não estou nem dizendo
que não gosto dele. Mas acredite. Eu conheço loucura. Ele não tem a
cabeça no lugar, como uma pessoa normal."
O hospedeiro assentiu conformadamente, senão impaciente. "Eu
notei."
Bast abriu a boca, então pareceu ligeiramente confuso. "Sobre o que
estávamos falando?"
"Sobre seu estado avançado em tal investigação," disse o hospedeiro,
dirigindo o olhar para a janela. "Apesar do fato de ainda estarmos
antes da terceira badalada."
"Ah. Certo!" Bast disse animado. "Eu sei que Martin tem adicionado
boa parte dos gastos desse ano na conta dele até agora. E que você
anda com problemas para ajustar as contas porque ele não tem
dinheiro."
"Ele não usa dinheiro," o hospedeiro corrigiu gentilmente.
"Mesma coisa, Reshi," Bast suspirou. "E isso não muda o fato de que
não precisamos de outro saco de cevada. A despensa está
transbordando cevada! Entretanto, já que ele tem uma destilaria..."
O hospedeiro já estava balançando a cabeça. "Não, Bast," ele disse.
"Eu não vou envenenar meus clientes com vinho das colinas. Você
não tem ideia do que poem nessa coisa ..."
"Mas eu sei, sim, Reshi," Bast disse melancolicamente. "Acetatos de
etila e metanos. E estanho diluído. Não tem nada disso."
O hospedeiro piscou, obviamente surpreendido. "Você... você tem
mesmo lido o Celum Tinture ?"
"Eu estive, Reshi." Bast declarou orgulhoso. "Em nome do
aperfeiçoamento da minha educação e do meu desejo de não
envenenar as pessoas. Eu degustei um pouco, Reshi, e posso dizer
com alguma autoridade que Martin nao está fazendo vinho das
colinas. O produto é encantador. Sua qualidade equivale a metade de
um Rhis, e isso não é o tipo de coisa que eu digo à toa."
O hospedeiro afagou o lábio superior pensativo. "Onde você
conseguiu um pouco disso para experimentar?", ele perguntou.
"Em uma troca," Bast disse, facilmente contornando os limites da
verdade. "Estive pensando", Bast continuou, "isso não só daria a
Martin a chance de quitar sua conta. Mas também nos ajudaria a
arranjar a preencher o estoque. Essa é difícil, do jeito que as estradas
andam ruins..."
O hospedeiro levantou as duas mãos incapacitado. "Estou
convencido, Bast." Bast, feliz, abriu um sorriso.
"Honestamente, eu o faria apenas para celebrar que você se ateve às
suas aulas pelo menos dessa vez. Mas isso será ótimo para Martin,
também. Isso vai lhe dar uma desculpa para vir aqui com mais
frequência. Vai ser bom para ele."
O sorriso de Bast murchou um pouco. Se o hospedeiro notou, não
colocou seu comentário. "Mandarei um garoto para ir até Martin e
pedir para ele vir aqui com algumas garrafas."
"Pegue cinco ou seis," Bast disse. "Está começando a ficar frio lá
fora. O inverno está chegando."
O hospedeiro sorriu. "Tenho certeza que Martin ficará lisonjeado."
Bast empalideceu ao ouvir aquilo. "Por todos os juncos não, Reshi,"
ele disse, acenando com as mãos à sua frente e dando um passo
para trás. "Não diga-lhe que eu irei beber, ele me odeia."
O hospedeiro escondeu um sorriso atrás de sua mão.
"Não tem graça, Reshi," Bast disse nervoso. "Ele arremessa pedras em
mim."
"Mas já faz alguns meses que não joga," o hospedeiro apontou.
"Martin tem sido perfeitamente cordial em bela parte das últimas
vezes que passou por aqui."
"Isso porque não há nenhuma pedra dentro da pousada," Bast disse.
"Seja justo, Bast," o hospedeiro continuou. "Ele tem sido civil por
quase um ano. Até educado. Está lembrado que ele se desculpou com
você dois meses atrás? Já ouviu algum relato do Martin se
desculpando com qualquer outro nessa cidade?"
"Não, " Bast disse, mau-humorado.
O hospedeiro assentiu. "É um gesto grandioso vindo dele. Está
virando a página."
"Eu sei," Bast murmurou, movendo-se em direção à porta dos fundos.
"Mas se ele estiver aqui na hora que eu voltar, jantarei na cozinha."
Rike alcançou Bast mesmo antes dele conseguir chegar na clareira,
muito menos na árvore relâmpago.
"Eu consegui," o garoto disse, erguendo alto sua mão
triunfantemente. Toda a metade de baixo de seu corpo estava
pingando.
"O quê, já?" Bast perguntou.
O garoto assentiu e fez um floreio ao mostrar a pedra entre seus dois
dedos. Era uma pedra plana, lisa e redonda, um pouco maior do que
uma moeda de cobre. "E agora?"
Bast acariciou o queixo durante um momento, como se tentando
lembrar algo. "Agora precisamos de uma agulha. Mas tem que ser
emprestada de uma casa onde não haja homens habitando."
Rike pareceu pensativo por alguns segundos, então se iluminou.
"Posso pedir uma para a tia Sellie!"
Bast se esforçou para não praguejar. Tinha se esquecido da Sellie.
"Pode ser que sirva ..." ele disse, relutante, "Mas vai funcionar melhor
se a agulha vier de uma casa com muita mulheres morando nela."
"Rike olhou para cima por mais alguns segundos. "A viúva Creel
então. Ela tem uma filha."
"Ela tem um filho também" Bast apontou. "Tem que ser de uma casa
onde não haja homens ou meninos morando."
"Mas onde habitem moram muitas mulheres ..." Rike disse. Ele teve
que pensar por um longo período de tempo. "A velha Nan não gosta
nem um pouco de mim, " ele disse. "Mas acredito que ela me daria
um alfinete."
"Uma agulha," Bast salientou. "E você tem que emprestá-lo. Não
pode roubá-lo ou comprá-lo. Ela tem que emprestar-lhe"
Bast achava que o garoto poderia reclamar sobre certos detalhes,
como o fato de que a velha Nan vivia bem longe do outro lado da
cidade, tanto quanto você poderia ir sentido oeste sem sair da cidade
propriamente dita. Ele levaria meia-hora para chegar lá, e mesmo
assim, a velha Nan talvez não estivesse em casa.
Mas Rike não fez mais do que suspirar. Simplesmente assentiu
seriamente, virou-se, e decolou em uma corrida, quase voando
descalço.
Bast continuou até a árvore relâmpago, mas quando alcançou-a ele
viu um bocado de crianças brincando no marco do percurso,
claramente esperando por ele. Eram quatro crianças.
Coberto pelas sombras das árvores, à margem da clareira, Bast
espreitou-as hesitante, então olhou em direção ao Sol antes de se
embrenhar de volta na floresta. Ele havia outro peixe para fritar.
A fazenda dos Williams na verdade não era nenhuma fazenda. Ao
menos por décadas. Por estar a tanto tempo infértil, o solo não
parecia ter sido um dia destinado ao plantio, sarapintado com
espinheiros e mudas de árvores. O celeiro alto carecia de reparos e
metade do teto era um buraco aberto ao céu.
Percorrendo o longo caminho através dos campos, Bast virou em uma
curva e viu a casa de Rike. Sua aparência contava uma história
diferente à do celeiro. Era pequena mas ajeitada.As telhas
precisavam de um pequeno conserto, mas fora isso, tudo parecia bem
cuidado e cheio de propósito. Cortinas amarelas estavam esvoaçando
para fora da janela da cozinha, e havia uma floreira transbordando de
cravos amarelos e filodendros.
De um lado da casa havia uma baia com três cabras, e um jardim
bem cuidado do outro. Estava densamente cercado por gravetos
amarrados, no entanto Bast conseguia vislumbrar linhas estreitas de
verde dentro. Cenouras. Ele continuava precisando de cenouras.
Empinando um pouco seu pescoço, Bast viu várias caixas grandes
atrás da casa. Deu mais alguns passos para o lado e olhou-as antes
de descobrir que eram colméias de abelha.
No exato momento ouviu-se uma tempestade de latidos e dois
grandes cachorros pretos, com orelhas de abano, contornando a casa
e indo em direção a Bast, ladrando com todas suas forças. Quando
chegaram perto o bastante, Bast se apoiou em um joelho e, de
maneira brincalhona lutou com eles. Coçando suas orelhas e a parte
de trás de seus pescoços.
Depois de alguns minutos de brincadeira, Bast continuou em direção
à casa, os cachorros correndo e pulando a sua frente antes que eles
avistaram algum tipo de animal e correram para debaixo de um
arbusto. Ele bateu à porta da frente polidamente, no entanto depois
dos latidos sua presença dificilmente seria uma surpresa.
A porta abriu-se alguns centímetros, e por um momento tudo o que
Bast conseguia ver era uma longa fatia de escuridão. Então a porta
abriu-se um pouco mais, revelando a mãe de Rike. Ela era alta, e
seus cacheados cabelos castanhos saltando livres da trança que caia
em suas costas.
Ela abriu totalmente a porta, segurando um pequeno bebê semi-nu
na curva de seu braço. A face redonda pressionada em seu seio, que
estava ocupada sugando o leite materno, fazendo pequenos
grunhidos.
Olhando para baixo, Bast sorriu acolhedoramente.
A mulher olhou afetuosamente para a criança, e então favoreceu Bast
com um sorriso cansado. "Olá Bast, no que posso ajudá-lo?"
"Ah, bem," ele disse embaraçosamente, levantando seu olhar para os
olhos dela. " Eu estava pensando, madame. Digo, Senhora Williams..."
"Pode me chamar de Nettie, Bast," ela disse indulgente. Mais do que
algumas pessoas da cidade consideravam Bast um tanto simplório
na cabeça, um fato do qual Bast não se importava.
"Nettie," Bast disse, com seu sorriso mais cativante.
Houve uma pausa, e ela se inclinou no batente da porta. Uma menina
pequena espiou ao redor da saia azul desbotada, nada mais do que
um par de olhos sérios.
Bast sorriou para a menina, que desapareceu novamente atrás de sua
mãe.
Nettie olhou para Bast coma r de expetativa. Finalmente ela impeliu.
"Você estava pensando ..."
"Ah sim." Bast disse. "Eu estava pensando se o seu marido estaria
em casa."
"Temo que não está," ela disse. "Jessom está fora, checando suas
armadilhas."
"Ah," Bast disse, desapontado. " Sabe se ele vai voltar logo? Eu não
me importaria de esperar ..."
Ela balançou a cabeça, "Sinto muito. Ele vai fazer as linhas e então
passar a noite esfolando e secando em sua cabana." Ela assentiu
vagamente em direção as colinas.
"Ah," Bast disse novamente.
Aninhado confortavelmente nos braços da mãe, o bebê inspirou
profundamente, e então suspirou alegre, silenciando e adormecendo.
Nettie olhou para baixo, e então para Bast, apoiando um dedo nos
lábios.
Bast assentiu e deu um passo para trás do batente da porta,
assistindo enquanto Nettie andava para dentro, habilmente separando
o bebê adormecido de seu mamilo com a mão livre, e então ajeitava
cuidadosamente a criança em um berço de madeira que estava no
chão. A menina de olhos negros surgiu detrás da mãe e se inclinou
para o bebê.
"Me chame se ele começar a se agitar," Nettie disse suavemente. A
pequena menina assentiu seriamente, sentou em uma cadeira
próxima e começou a balançar o berço gentilmente com o pé.
Nettie andou para fora, fechando a porta atrás de si. Ela deu os
últimos poucos passos necessários para chegar até Bast, ajeitando
seu corpete inconscientemente. Pela iluminação da luz do sol Bast
notou suas maçãs do rosto altas e boca generosa. Mesmo assim, ela
parecia mais arrumada do que bela, seus olhos negros estavam
pesados de preucupação. A mulher alta cruzou os braços ao redor do
peito. "Qual é o problema então?" ela perguntou desgastada.
Bast pareceu confuso. "Não há problema, " ele disse. "Eu estava
pensando se seu marido tem alguma tarefa."
Nettie descruzou os braços, parecendo surpresa. "Oh."
"Não tem muita coisa para eu fazer na pousada," Bast disse de
maneira um pouco tímida. "Pensei que seu marido talvez precisasse
de uma mão extra."
Nettie olhou em volta, os olhos mirando o velho celeiro. Sua boca
repuxando nas laterais. "Ele prepara armadilhas e caça pela maior
parte do tempo hoje em dia nesses dias," ela disse. "Mantem ele
ocupado, mas não ao ponto de precisar de ajuda, eu imagino." Ela
olhou de volta para Bast. "Pelo menos nunca fez menção de
precisar."
"E você?" Bast perguntou, dando seu sorriso mais charmoso. "Tem
alguma coisa por aqui em que você possa precisar de uma mão?"
Nettie sorriu para Bast indulgentemente. Era só um pequeno sorriso,
mas retirou 10 anos e meio mundo de preucupação do rosto dela,
fazendo-a praticamente brilhar de amabilidade. "Não tem muito o
que fazer," ela disse desculpando-se. "Só três cabras para cuidar, e
meu menino se encarrega disso."
"Lenha?" Bast perguntou. "Não tenho problemas para fazer um
trabalho suado. E deve estar sendo difícil lidar com as coisas com
seu cavalheiro fora por dias afinal ..." Ele sorriou para ela
esperançoso.
"E nós não temos o dinheiro para pagar por uma ajuda, eu temo."
Nettie disse.
"Só preciso de algumas cenouras," Bast disse.
Nettie olhou para ele por alguns minutos, e então explodiu em
gargalhadas. "Cenouras," ela disse esfregando a face.
"Quantas cenouras?"
"Talvez... seis?" Bast perguntou, soando claramente não ter certeza
de sua resposta.
Ela riu novamente, balançando a cabeça um pouco. "Tudo bem. Você
pode partir algumas toras." Ela apontou para o bloco de corte que
ficava atrás da casa. "Virei até você quando tiver feito o bastante
para seis cenouras."
Bast partiu obstinado para o trabalho, e logo o quintal estava cheio
do barulho fresco e saudável de madeira partindo-se. O sol ainda
brilhava forte no céu, e depois de alguns minutos Bast estava coberto
por uma fina camada de suor.
Ele arrancou a camisa descuidadamente e pendurou-a em uma cerca
do jardim próxima.
Havia algo diferente na maneira como ele partia a madeira. Nada
dramático. Na verdade, ele partia a madeira do mesmo jeito que todo
mundo fazia: você posiciona a tora de pé, você golpeia com o
machado, você corta a madeira.
Não tem algo em que se possa improvisar.
Mas mesmo assim, havia uma diferença no jeito que ele o fazia.
Quando ele colocava a tora de pé, ele se movia atentamente,
Então ele esperaria um momento, perfeitamente parado. Então vinha
o golpe. Era um movimento fluído.
O posicionamento de seus pés, o dançar dos longos músculos de seu
braço ...
Não havia nada extravagante. Nada como um floreio. Mesmo assim,
quando ele levantava o machado e o trazia em um perfeito arco até a
madeira, havia elegância nisso. O ruído rouco agudo que a madeira
fazia daao partir-se, o jeito repentino como as metades quicavam no
chão. De algum jeito, ele fazia o processo parecer... bem ... arrojado.
Ele trabalhou durante árduos trinta minutos, até que Nettie saiu de
dentro da casa, carregando um copo de água e um punhado de
cenouras cheias com o cabo verde ainda preso. "Tenho certeza que
isso já vale pelo menos seis cenouras," ela disse, sorrindo para ele.
Bast pegou o copo de água, bebeu metade dele, então se curvou e
jorrou o resto em sua cabeça. Ele estremeceu um pouco, então se
endireitou, seu cabelo negro se enrolando e grudando em seu rosto. "
tem certeza de que não tem mais nada em que precise de uma mão?"
ele perguntou, lançando um sorriso fácil para ela. Seus olhos eram
negros e sorridentes e mais azuis do que o céu.
Nettie balançou a cabeça. Seu cabelo estava solto da trança agora, e
quando ela olhava para baixo, as curvas soltas cairam
separadamente ao redor de seu rosto. "Não consigo pensar em nada
que precise ser feito," ela disse.
"Eu tenho jeito com mel também," Bast disse, içando o machado para
apoiá-lo em seu ombro nu.
Ela pareceu um pouco confusa até que Bast apontou em direção as
colméias de madeira espalhadas através do campo coberto de mato.
"Ah," ela disse, como se lembrando de um sonho semi-esquecido. "Eu
costumava fazer velas e mel. Mas perdemos algumas colméias para o
inverno rigoroso de três anos atrás. E então outra para uma praga.
Então houve aquela primavera úmida e mais três se foram levadas
pela chuva colina abaixo antes que soubessemos". Ela encolheu os
ombros. "No começo desse verão vendemos uma para os Hestles
para poder pagar os impostos ..."
Ela balançou a cabeça de novo, como se estivesse em um devaneio.
Ela encolheu os ombros e se virou para olhar para Bast. "Você sabe
lidar com abelhas?"
"Consideravelmente," Bast disse suave. "Ela não são difíceis de lidar.
Elas só precisam de paciência e ternura."
Ele casualmente golpeou com um machado para que ficasse preso em
um toco próximo. "Elas são igual a todo o resto, de verdade. Só
precisam saber que estão seguras."
Netties estava olhando em direção ao campo, assentindo com as
palavras de Bast inconscientemente. "Só sobraram duas," ela disse.
"O bastante para algumas velas. Um pouco de mel. Não muito.
Dificilmente vale a pena o esforço, sério."
"Ah, vamos lá," Bast disse gentilmente. "Um pouco de doçura é tudo
o que temos as vezes. Sempre vale a pena. Mesmo se demande
algum esforço."
Nettie virou para olha-lo. Dessa vez em seus olhos. Em silêncio, mas
não desviando o olhar também. Seus olhos eram como uma porta
aberta.
Bast sorriu, gentil e paciente, sua voz aconchegante e doce como o
mel. Ele estendeu sua mão. "Venha comigo, " ele disse. " Tenho algo
para lhe mostrar."
O sol estava começando a afundar em diração a floresta Oeste
quando Bast retornou a árvore relâmpago.
Ele estava mancando um pouco e tinha sujeira em seu cabelo, mas
parecia estar de bom humor. Haviam duas crianças na parte inferior
do morro, sentadas no monólito e balançando os pés como se fosse
um enorme banco de pedra. Bast nem sequer teve tempo para sentar-
se antes que elas subissem até o morro juntas. Era Wilk, um menino
sério de dez anos com um cabelo loiro bagunçado. Ao seu lado
estava sua irmãzinha Pem, com metade de sua idade e três vezes
mais linguaruda.
O garoto assentiu a Bast a medida que ele chegava ao topo do
morro, então ele olhou para baixo.
"Você machucou sua mão" ele disse.
Bast olhou para sua mão e se surpreendeu ao ver algumas manchas
escuras de sangue escorrendo pelos lados. Ele tirou seu lenço e
cobriu o machucado.
"O que aconteceu? "A pequena Pem pergunta a ele.
"Eu fui atacado por um urso" ele mentiu despreocupadamente.
O rapaz balançou a cabeça, não dando indícios se ele tinha
acreditado ou não que aquilo era verdade.
"Eu preciso de um enigma para desafiar Tessa" disse o menino. " Um
dos bons".
"Você cheira como o vovô" Pem piou enquanto ela subia para ficar
ao lado de seu irmão.
Wilk a ignorou. Bast fez o mesmo.
"Está bem." disse Bast. "Eu preciso de um favor, eu posso trocar com
você. Um favor por um enigma."
"Você cheira como o vovô quando ele tomava seu remédio" Pem
esclareceu.
"Porém tem que ser um muito bom"Will salientou. "Um quebra-
cabeça"
"Mostre-me alguma coisa que nunca fora vista antes e que nunca
será vista novamente." Bast disse.
" Hmmm..." disse Wilk, parecendo pensativo.
" O vovô diz que ele se sente bem melhor com seu remédio" Pem
disse, bem alto e bem irritada por ser ignorada. "Mas a mamãe disse
que não é remédio. Ela diz que ele voltou com a bebedeira. E o vovô
diz que ele se sente muito melhor então é por causa do maldito
remédio". Ela olha para eles, revezando entre Bast e Wilk como se os
desafiasse a repreendê-la.
Nenhum dos dois o fez. Ela pareceu um pouco desanimada.
"Esse é um dos bons" Will admitiu, finalmente. "Qual é a resposta?"
Bast deu um lento sorriso. "O que você vai me oferecer em troca
disto?"
Wilk inclinou sua cabeça para um lado.
"Eu já disse. Um favor."
" Eu troquei seu enigma por um favor." Bast disse com facilidade.
"Mas agora você está pedindo a resposta..."
Wilk pareceu confuso por um momento, então seu rosto ficou
vermelho e irritado. Ele respirou fundo, como se estivesse prestes a
gritar. Então pareceu pensar melhor e saiu descendo a colina,
batendo seus pés. Sua irmão viu ir, então se virou para Bast.
"Sua camisa está rasgada" disse ela com desaprovação. "E você tem
manchas de grama em suas calças. Sua mãe vai te dar uma surra."
"Não, ela não vai" Bast disse presunçosamente. "Por que já sou
crescido e posso fazer o que quiser com minhas calças. Poderia atear
fogo nelas e eu não teria problema algum."
A garotinha o encarou com uma ardente inveja.
Wilk voltou ao morro.
"Tudo bem" disse mal-humorado.
"Meu favor primeiro" disse Bast.
Ele entregou ao menino uma pequena garrafa com uma rolha na parte
superior.
"Eu preciso que você preencha esta garrafa com água enquanto ela
ainda está no ar."
"O quê?" disse Wilk.
"Água que está caído naturalmente" disse Bast. "Você não pode
mergulha-la em um barril nem em um córrego. Você tem que pegá-la
enquanto ainda está no ar. "
"A água cai de uma bomba quando você a bombeia..." disse Wilk sem
qualquer esperança real em sua voz.
"Água que está caindo naturalmente." Bast disse novamente, dando
ênfase na última palavra. "Não serve se alguém somente sobe em
uma cadeira e derrama água de um balde."
"Para que você precisa disso?" Pem perguntou em sua voz estridente.
"O que você vai me oferecer em troca para eu responder essa
questão?" Bast disse.
A garotinha ficou pálida e bateu uma mão em sua boca.
"Talvez não chova por dias" Wilk disse.
Pem deu um suspiro tempestuoso.
"Não tem que ser de chuva" disse sua irmã, sua voz cheia de
condescendência. "Você poderia simplesmente ir até a cachoeira
perto do Pequeno Penhasco e encher a garrafa lá."
Wilk piscou. Bast sorriu para ela.
"Você é uma garota esperta."
Ela revirou os olhos. "Todo mundo diz isso..."
Bast tirou alguma coisa de seu bolso e segurou. Era uma palha de
milho verde enrolada em um pique de favo de mel pegajoso. Os olhos
da menina brilharam quando ela viu.
"Eu também preciso de vinte e uma nozes de carvalho perfeitas" ele
disse. "Sem buracos, com seus pequenos chapéus intactos. Se você
pegá-las para mim perto da cachoeira, eu lhe darei isso."
Ela assentiu ansiosamente com a cabeça. Em seguida, ela e seu
irmão correram morro abaixo.
Bast voltou para a piscina perto do salgueiro estendido e tomou
outro banho. Não era seu horário de banho habitual, por isso não
havia pássaros a sua espera, e como resultado, o banho foi muito
mais prático do que o anterior. Ele rapidamente se enxaguou,
livrando-se do suor e do mel, ele havia manchado um pouco de suas
roupas, tendo que esfregá-las para se livrar das manchas de grama e
do cheiro de uísque. A água fria fez arder um pouco os cortes nas
juntas de seus dedos, mas não eram graves e se curariam bastante
bem sozinhos.
Nu e pingando, ele saiu da piscina e encontrou uma rocha escura,
aquecida pelo longo dia de sol. Colocou suas roupas sobre ela e
deixou secar enquanto balançava o cabelo até ficar seco e retirava a
água de seus braços e peito com as mãos.
Em seguida, ele fez o seu caminho de volta para a árvore-relâmpago,
pegou um longo pedaço de grama para mastigar, e quase
imediatamente adormeceu no sol dourado da tarde.
Noite: Lições
Horas mais tarde, as sombras da noite esticavam-se cobrindo Bast e
ele acordou estremecendo. Ele sentou-se, esfregando o rosto e
observando com os olhos embaçados ao seu redor. O sol estava
começando a varrer os topos das árvores do ocidente. Wilk e Pem
não haviam retornado, mas isso não foi uma surpresa. Ele comeu o
pedaço de favo de mel que havia prometido a Pem, lambendo os
dedos calmamente. Em seguida, mastigou ociosamente a cera e viu
um par de falcões voarem em círculos lentamente no céu.
Eventualmente, ele ouviu um assobio vindo das árvores. Ele se
levantou e se esticou, seu corpo dobrando-se como um arco. Então
ele correu para baixo da colina... Exceto que, à luz fraca, não parecia
muito com uma corrida veloz. Se ele fosse um menino de dez anos,
pareceria que estava pulando. Mas ele não era um menino. Se ele
fosse uma cabra, teria parecido que ele estava cabriolando. Mas ele
não era uma cabra. Um homem descendo o morro tão rápido
pareceria que estava correndo. Mas havia algo estranho no
movimento de Bast à luz baixa. Algo difícil de descrever.
Ele parecia como se estivesse quase... o quê? Gracejando? Dançando?
Pouco importa. Basta dizer que ele rapidamente fez o seu caminho
até a borda da clareira onde Rike surgiu no escuro entre as árvores.
"Eu consegui" disse o menino, triunfante, ele ergueu a mão, mas a
agulha era invisível no escuro.
"Você pegou emprestado?" perguntou Bast. "Não trocou nem a
negociou?"
Rike confirmou com a cabeça.
"Está bem" disse Bast. "Siga-me".
Eles andaram pelo monólito, Rike seguiu silenciosamente quando
Bast escalou um dos lados da pedra meio caída.
A luz do sol ainda era forte lá, e ambos tinham bastante espaço para
ficar na parte de trás do amplo monólito inclinado. Rike olhou ao
redor ansiosamente, como se estivesse preocupado que alguém
pudesse vê-lo.
"Vamos ver a pedra", disse Bast.
Rike cavou em seu bolso e segurou-a para Bast.
Bast recusou sua mão de repente, como se o menino tivesse tentado
entregar-lhe um carvão incandescente. "Não seja estúpido", ele
retrucou. "Não é para mim. O encanto só vai funcionar para uma
pessoa. Você quer que seja eu?"
O menino recuou sua mão e olhou para a pedra. "O que você quer
dizer com uma pessoa?"
"É como um amuleto" disse Bast. "Eles só funcionam para uma
pessoa de cada vez".
Vendo a confusão escrita no rosto do menino, Bast suspirou. "Você
sabe como as garotas fazem amuletos que atraem encantos na
esperança de capturar o olhar de um rapaz?"
Rike assentiu, corando um pouco.
"Esse é o oposto," Bast disse. "É um amuleto de afastamento. Você
vai picar seu dedo, pingar uma gota de seu sangue na pedra e ela
estará selada. Fará as coisas se afastarem."
Rike olhou para a pedra. "Que tipo de coisas?" ele disse.
"Qualquer coisa que machuque você." Bast disse com facilidade.
"Você pode apenas manter ele em seu bolso, ou pode pegar um
pedaço de cabo..."
"Isso fará meu pai ir embora?" Rike interrompeu.
Bast franziu a testa. "Era isso que eu ia dizer. Você é o sangue dele.
Então isso fará ele se afastar mais fortemente do que qualquer outra
coisa. Você provavelmente vai querer guardá-lo no seu pescoço ou..."
"E quanto a um urso?" Rike perguntou, olhando pensativamente para
a pedra. "Ela faria um urso me deixar em paz?"
Bast fez um movimento para frente e para trás com sua mão. "Coisas
selvagens são diferentes" ele disse. "Eles são possuídos por puro
desejo. Eles não querem o machucá-lo. Normalmente eles querem
comer ou se proteger. Um urso..."
"Posso dá-lo para minha mãe?" Rike interrompeu novamente, olhando
para Bast. Seus olhos negros estavam sérios.
"...quer proteger seu territ....O quê? Bast pausou.
"Minha mãe que deveria ter isso." Rike disse. "E se eu estiver longe
com o amuleto e meu pai voltar??
"Ele estará bem mais longe que isso," Bast disse, com um tom de
certeza na sua voz. "Não será como se ele estivesse escondido na
esquina da ferraria..."
O rosto de Rike estava bem definido agora, o nariz amassado
fazendo-o parecer ainda mais teimoso. Ele balançou a cabeça. "Ela
deveria tê-lo. Ela é importante. Ela tem que cuidar da Tess e do
pequeno Bip."
"Funcionará bem..."
"Tem que ser para ELA!" Rike gritou, com sua mão fazendo um punho
em volta da pedra. "Você disse que poderia servir para uma pessoa,
então você fará com que seja para ela!"
Bast fez uma careta para o menino sombrio. "Eu não gosto do seu
tom", disse ele severamente. "Você me pediu para fazer o seu pai ir
embora. E é isso que eu estou fazendo..."
"Mas e se isso não for o suficiente?" O rosto de Rike estava vermelho.
"Será." Bast disse distraidamente esfregando o polegar sobre os nós
dos dedos de sua mão. "Ele irá para longe. Você tem a minha
palavra."
"NÃO!" Rike disse, seu rosto ficando vermelho e nervoso. "E se
mandar ele para longe não seja o suficiente?? E se eu crescer e ficar
como meu pai? Eu fico tão..." Sua voz sufocou, e seus olhos
começaram a escorrer lágrimas. "Eu não sou bom. Eu sei disso. Eu
sei melhor do que ninguém. Como você disse. Eu tenho o sangue dele
em mim. Ela precisa estar segura de mim. Se eu crescer afetado e
mau, ela precisará do amuleto para...Ela precisará de algo para me
manter longe..."
Rike cerrou os dentes, incapaz de continuar. Bast estendeu a mão e o
segurou ombro do rapaz. Ele estava duro e rígido como uma tábua
de madeira, mas Bast o agregou e colocou os braços ao redor de
seus ombros. Gentilmente, porque ele tinha reparado nas costas do
garoto. Eles ficaram ali por um longo momento, Rike duro e apertado
como uma corda de arco, tremendo como um firme veleiro contra o
vento.
"Rike" Bast disse suavemente. "Você é um bom garoto. Você sabe
disso?"
O menino então se curvou, apoiando-se em Bast e parecia que ele
iria despedaçar com os soluços. O rosto foi pressionado no estômago
de Bast e ele disse algo, mas foi abafado e desconexo. Bast fez um
som cantando suave, do tipo que você usaria para acalmar um
cavalo ou acalmar uma colméia de abelhas inquietas.
A tempestade passou, e Rike se afastou rapidamente para longe e
esfregou o rosto grosseiramente com a manga.
O céu começou a se tingir de vermelho com o pôr-do-sol.
"Certo," disse Bast. "Está na hora. Faremos para sua mãe. Você deve
dar o amuleto a ela. A pedra do rio funciona melhor quando é dada
como um presente."
Rike assentiu, não olhando para cima. "Mas e se ela não usá-lo"
perguntou baixinho.
Bast piscou confuso. "Ela usará porque você o dará para ela" ele
disse.
"Mas e se ela não usar?" ele perguntou.
Bast abriu sua boca, então hesitou e fechou novamente. Ele olhou
para cima e viu as primeiras estrelas do crepúsculo surgirem. Ele
olhou para o menino. Suspirou. Ele não era bom nisso.
Era tão mais fácil.Glammouria era sua segunda natureza. Apenas
fazia as pessoas verem o que elas queriam ver. Enganar gente era
simples como cantar. Enganar populares e dizer-lhes mentiras, era
como respirar. Mas isso? Convencer alguém da verdade que estava
muito perturbado para verdade?? Por onde começar?
Eram desconcertantes. Estas criaturas. Eles estavam cheias e
desgastadas em seus desejos. Uma cobra nunca iria envenenar-se,
mas essa gente faz disso uma arte. Eles se prendem em seus medos
e choram por estarem cego. Era irritante. Foi o suficiente para
quebrar um coração.
Então Bast optou pelo caminho mais fácil. "É parte da mágica" ele
mentiu. "Quando você der a ela, você deve dizer que fez para ela por
que a ama."
O menino pareceu desconfortável, como se ele estivesse tentando
engolir a pedra.
"É essencial para a mágica" disse Bast firmemente. "E então, para
fazer a mágica ficar ainda mais forte, você deve dizer a ela todos os
dias. Uma vez pela manhã e uma vez à noite."
O menino balançou a cabeça, com um olhar determinado em seu
rosto. "Certo. Eu posso fazer isso."
"Certo, então." Bast disse. "Sente-se aqui. Fure seu dedo."
Rike o fez exatamente isso. Ele apontou o dedo curto e grosso e
deixou uma gota de sangue cair sobre a pedra.
"Bom." Bast disse, sentando em frente ao garoto. "Agora me dê esta
agulha"
Rike entregou a agulha. "Mas você disse que só precisava de-"
"Não me diga o que eu disse." Bast resmungou. "Segure a pedra lisa
de modo que os buracos fiquem voltados para cima."
Rike o fez.
"Segure firme" disse Bast e furou o próprio dedo. Uma gota de sangue
surgiu lentamente. "Não se mexa."
Rike preparou a pedra com a outra mão.
Bast virou seu dedo e a gota de sangue ficou no ar por um momento
antes de cair em linha reta entre o buraco para atingir o monólito
abaixo.
Não houve som. Sem agitação no ar. Nenhum trovão distante. Se
aconteceu algo, pareceu haver meio segundo de silêncio pesado como
tijolo no ar. Mas, provavelmente, foi nada mais do que uma breve
pausa no vento.
"É isso?" Rike perguntou depois de um momento, claramente
esperando por algo mais.
"Sim" disse Bast, lambendo o sangue de seu dedo com uma língua
bem, bem vermelha. Em seguida, trabalhou em sua boca um pouco e
cuspiu a cera que ele tinha mastigado. Ele rolou entre os dedos e
entregou-a ao rapaz. "Esfregue isso na pedra, em seguida, leve-a ao
topo do monte mais alto que você puder encontrar. Fique lá até o
último raio de sol, e, em seguida, você entrega a ela a noite."
Os olhos de Rike correram ao redor do horizonte, à procura de uma
boa colina. Em seguida, ele pulou da pedra e disparou a fora.
Bast estava a meio caminho da pousada Marco do Percurso quando
ele percebeu que ele não tinha ideia onde estavam as cenouras.
Quando Bast chegou à porta de trás, podia sentir o cheio de pão e
cerveja e do guisado cozido. Olhando em volta da cozinha ele viu
migalhas na tábua de pães e a tampa estava para fora da chaleira. O
jantar já havia sido servido.
Pisando suavemente, ele olhou através da porta para a sala comum.
O povo de costume estava sentado curvado no bar, lá estavam o
Velho Cob e Graham, raspando suas tigelas. O aprendiz do ferreiro
estava passando o pão ao longo do interior de sua tigela, então
enchendo sua boca com um pedaço de cada vez. Jake espalhou
manteiga na última fatia de pão, e Shep bateu sua caneca vazia
educadamente contra o bar, o vazio parecia uma solicitação por si
só.
Bast se apressou pela porta com uma tigela de guisado fresco para o
aprendiz do ferreiro enquanto o estalajadeiro servia mais cerveja para
Shep. Coletando a tigela vazia, Bast desapareceu entrando na
cozinha, em seguida, ele voltou com outra fatia de pão meio cortada
e fumegante.
"Adivinhem o que o vento pegou hoje?" O velho Cob disse com um
sorriso largo de um homem que sabia ter as notícias mais novas da
mesa.
"O que é?" O menino perguntou com a boca cheia de guisado.
Cob estendeu a mão e pegou a casca do pão, um direito que ele tinha
por ser a pessoa mais velha de lá, apesar do fato de ele na realidade
não ser o mais velho, e pelo fato de que ninguém mais se importava
muito com a casca. Bast suspeitava que ele a pegou porque estava
orgulhoso por ainda possuir muitos de seus dentes.
Cob sorriu "Adivinhe" ele disse ao menino, então lentamente espalhou
manteiga em seu pão e deu uma grade mordida.
"Eu acho que é algo sobre Jessom Williams", disse Jake alegremente.
O velho Cob o encarou, com a boca cheia de pão e manteiga.
"O que eu ouvi" Jake falou vagarosamente, sorrindo enquanto o velho
Cob tentou mastigar furiosamente a boca limpa. "foi que Jessom
ficou sem suas armadilhas e foi capturado por um puma. Então,
enquanto ele estava fugindo, perdeu o controle e foi direto para o
Pequeno Precipício... Se arrebentou feio".
O velho Cob finalmente conseguiu engolir. "Você é tapado como um
poste, Jacob Walker. Não foi isso o que aconteceu. Ele caiu no
Pequeno Penhasco, mas não havia um puma. Um puma não atacaria
um homem adulto."
"Atacaria se ele estivesse cheirando a sangue" Jake insistiu. "O que
Jessom estava, levando em conta o fato de que ele estava coletando
toda sua caça"
Houve murmúrios em concordância com esse comentário, o que
obviamente irritou o velho Cob. "Não foi um puma" insistiu. "Ele
estava bêbado até os pés. Foi o que eu ouvi. Bêbado tropeçando e
perdido. É a única razão disso. Porque o Pequeno Penhasco num é
nem de longe próximo de onde ficam suas armadilhas. Ao menos que
o puma tenha seguido ele por pelo menos uma milha..."
O velho Cob voltou a sentar em sua cadeira, presunçoso como um
juiz. Todos sabia que Jessom era um pouco bebedor.
E embora o Pequeno Penhasco não fosse realmente a uma milha das
terras dos Williams, ainda sim era muito longe para ser perseguido
por um puma. Jake encarou venenosamente o velho Cob, mas antes
que ele pudesse dizer algo, Graham se intrometeu " Eu também ouvi
que ele bebeu mesmo. Duas crianças o encontraram enquanto
brincavam perto da cachoeira. Eles pensaram que ele estava bêbado
e correram para buscar o condestável. Mas ele estava apenas
golpeado na cabeça e bêbado como um lorde. Haviam vários pedaços
de vidros quebrados, também. Ele se cortou um pouco".
O Velho Cob jogou suas mãos para cima no ar " Bom, isso não é
maravilhoso" ele disse, olhando carrancudo para Graham e Jake.
"Alguma outra parte da minha história que vocês gostariam de contar
antes de eu terminar?"
Graham pareceu confuso. "Eu pensei que você..."
"Eu não terminei" Cob disse como se estivesse falando com um
simplório. "Eu estava soltando aos poucos. Eu juro. Vocês não sabem
nada sobre contar histórias que caberiam em livros."
Um silêncio tenso se estabeleceu entre os amigos.
"Eu tenho algumas novidades também" O aprendiz do ferreiro disse
quase timidamente. Ele sentou próximo ao bar, como se
envergonhado de ser uma cabeça mais alto do que todos e duas
vezes mais largo nos ombros. "Se ninguém mais ouviu disso, quero
dizer."
Shep falou "Vá em frente, garoto. Você não tem que perguntar. Esses
dois tem se mordido por anos. Eles não falam por mal."
"Bem, eu estava fazendo sapatos" o aprendiz disse, "Quando o Martin
Maluco veio." O menino balançou sua cabeça em empolgação e deu
um longo gole de cerveja. "Eu só o vi algumas vezes na cidade, e eu
esqueci o quão grande ele era.. Mas ele parecia maior para mim. E
hoje ele aparentava estar ainda maior porque ele estava furioso.
Estava cuspindo parafusos. Eu juro. Ele aparentava como alguem que
tinha amarrado dois touros bravos juntos e os fez vestir uma só
camisa!" O garoto riu com uma risada fácil de alguém que tinha
bebido um pouco mais de bebida do que de costume.
Houve uma pausa. "Qual a novidade então?" Shep disse gentilmente,
dando-lhe uma cotovelada.
"Oh!" o aprendiz do ferreiro disse. "Ele perguntou ao Mestre Ferris se
ele tinha cobre o suficiente para consertar uma grande chaleira". O
aprendiz abriu seus longos braços bem abertos, com uma mão quase
batendo na cara de Shep. "Aparentemente alguém encontrou a
destilaria de Martin". O aprendiz do ferreiro inclinou-se para frente
balançando um pouco, e disse em voz baixa. "Roubaram um monte
de suas bebidas e destruíram um pouco do lugar."
O menino se recostou na cadeira e cruzou os braços sobre o peito
com orgulho, confiante de uma história bem contada.
Mas não havia nenhum burburinho que normalmente acompanha uma
boa fofoca. Ele deu outro gole na bebida, e lentamente começava a
parecer confuso.
"Por Tehlu" Graham disse, seu rosto pálido. "Martin irá mata-lo."
"O que?" O aprendiz disse. "Quem?"
"Jessom, seu estúpido" Jake agarrou. Ele tentou esbofetear o rapaz
na parte de trás de sua cabeça e teve que se contentar com o ombro,
ao invés. "O camarada que ficou bêbado como um gambá no meio do
dia e caiu penhasco a baixo carregando um monte de garrafas?"
"Eu pensei que tivesse sido o puma" disse o velho Cob com rancor.
"Ele vai desejar que tivessem sido dez pumãs quando o Martin o
pegar." Jake disse sombriamente.
"O que?" O aprendiz do ferreiro riu "O Martin Maluco? Ele está podre,
claro, mas ele não é mau. Há uns tempos, ele me encurralou e falou
besteiras sobre cevada por duas horas". Ele riu novamente.
"Sobre como era saudável. Como trigo iria arruinar um homem. Como
o dinheiro era sujo. Como ele te acorrenta na terra ou alguma coisa
sem sentido do tipo."
O aprendiz baixou sua voz e curvou os ombros um pouco,
arregalando os olhos e fazendo uma imitação razoável de Martin
Maluco. "Você sabe?" disse ele, fazendo uma voz áspera e lançando
olhares a seu redor. "É. Você sabe. Você ouviu o que eu estou
dizendo?"
O aprendiz riu novamente, balançando para frente em seu banco.
Obviamente ele tinha tomado mais cerveja do que era suficiente para
ele. "As pessoas pensam que devem ter medo de caras grandes, mas
elas não devem. Eu nunca bati em um homem a minha vida toda."
Todos apenas o encararam. Seus olhos eram seriamente mortais.
"Martin matou um dos cachorros de Ensal por rosnar para ele." Shep
disse. "Bem no meio do mercado. Jogou uma pai como se fosse uma
lança. Em seguida, deu-lhe um chute."
"Quase matou o ultimo padre," Graham disse. "O antes de Abbe
Leodin. Ninguém sabe porquê. O camarada foi até a casa de Martin.
Aquela tarde Martiu trouxe-o para a cidade em um carrinho de mão e
deixou-o em frente à igreja." Ele olhou para o aprendiz do ferreiro.
"Isso foi antes de seu tempo. Faz sentido você não saber."
"Bateu em um latoeiro uma vez" Jake disse.
"Bateu em um latoeiro?" o estalajadeiro explodiu incrédulo.
"Reshi," Bast disse gentilmente. "Martin é completamente louco."
Jake assentiu. "Mesmo o cobrador de impostos não vai á casa de
Martin."
Cob parecia como se ele fosse pedir para Jake sair novamente, então
decidiu pegar leve. "Bem, sim",ele disse. "Verdade. Mas isso é porque
Martin serviu por muito tempo no exército do rei. Oito anos".
"E voltou doido como um cão espumando." Shep disse.
O velho Cob já tinha levantado de seu banco e estava a meio
caminho da porta. "Chega de conversa. Nós temos que disser a
Jessom. Se ele pudesse sair da cidade até Martin se acalmar um
pouco..."
"Então... quando ele estará morto?" Jake disse rispidamente.
"Lembram-se quando ele jogou um cavalo pela janela da velha
pousada por que o barman não lhe daria outra bebida?"
"Um latoeiro?" o dono da pousada repetiu, não parecendo menos
chocado do que antes.
O silêncio caiu ao som de passos no corredor. Todos olharam para a
porta e ficaram imóveis como uma pedra, com exceção de Bast, que
lentamente cortou para a porta da cozinha.
Todos deram um enorme suspiro de alívio quando a porta se abriu
para revelar a silhueta alta e magra de Carter. Ele fechou a porta
atrás de si, sem perceber a tensão na sala. "Adivinha quem vai pagar
uma rodada de uísque para todos hoje a noite?" ele gritou
alegremente, depois parou onde estava, confuso com a sala cheia de
expressões sombrias.
O velho Cob começou a andar para a porta novamente, encorajando
seu amigo a segui-lo. "Venha Carter, eu te explico no caminho. Nós
temos que encontrar Jessom muito rápido."
"Você terá uma longa caminhada para encontra-lo." Carter disse. "Eu
dirigi e o levei por todo o caminho a Baden esta tarde."
Todos na sala pareceram relaxar. "É por isso que você está tão
atrasado." Graham disse, sua voz engrossada com o alivio. Ele
retornou para seu banco e bateu forte no bar com as juntas dos
dedos. Bast lhe deu outra cerveja.
Carter fez uma careta. "Não tão tarde assim", reclamou. "Eu gostaria
de vê-lo fazer todo o caminho de Baden e de volta agora, que é mais
ou menos 40 milhas ..."
O Velho Cob pôs a mão no ombro do homem. "Nem . Não é assim."
Ele disse, dirigindo seu amigo para o bar. "Nós só estávamos um
pouco assustados. Você provavelmente salvou a vida do tolo do
Jessom por tirá-lo daqui." Ele apertou os olhos para ele. "Apesar de
que eu te disse que você não deveria estar na estrada sozinho esse
dia..."
O estalajadeiro buscou uma tigela para Carter enquanto Bast saiu
para cuidar de seu cavalo. Enquanto ele comia, seus amigos
disseram-lhe as fofocas do dia pouco a pouco.
"Bem explicado." disse Carter. "Jessom apareceu fedendo como um
beberrão e aparentava como se tivesse sido comido por doze
demônios diferentes. Me pagou para leva-lo ao Salão Municipal e ele
recebeu o soldo do rei ali mesmo." Carter deu um gole em sua
cerveja. "Então me pagou para leva-lo direto a Baden. Não queria
nem parar em sua casa para pegar roupas ou qualquer outra coisa."
"Não há muita necessidade nisso." Disse Shep. "Eles vão vesti-lo e
alimenta-lo no exercito do rei."
Graham deixou escapar um grande bocejo. "Isso foi próximo ao
acidente. Você pode imaginar o que aconteceria se o juíz viesse atrás
de Martin? "
Todos ficaram em silencio por um momento imaginando a confusão
que viria se um oficial da Lei da Coroa fosse atacado ali na cidade. O
aprendiz do ferreiro olhou para ele, "E quanto à família de Jessom?"
ele perguntou bem preocupado. "O Martin irá atrás deles?"
Os homens do bar balançaram suas cabeças juntamente. "Martin é
doido," disse o Velho Cob. "Mas ele não é desse tipo. Não vai atrás
de mulheres ou de criancinhas."
"Eu ouvi que ele bateu em um latoeiro porque ele estava avançando
na pequena Jenna," Graham disse.
"Há verdade nisso," O velho Cob disse suavemente. "Eu vi."
Todos na sala viraram-se para olhá-lo, surpresos. Eles conheciam
Cob a vida toda e ouviram todas suas histórias. Até a mais
entediante delas já foi contada três ou quatro vezes ao longo dos
anos. O pensamento que ele poderia ter guardado alguma coisa era...
Bem... Quase inimaginável.
"Ele estava todo cheio de mãos com a pequena Jenna," disse Cob
não tirando os olhos de sua cerveja. "E ela ainda mais nova naquela
época, lembrem-se." Ele pausou por um momento, então suspirou.
"Mas eu ainda era velho e... bem...Eu sabia que aquele latoeiro me
daria uma surra se eu tentasse pará-lo. Eu podia ver o plano dele em
seu rosto.." O velho suspirou. "Eu não tenho orgulho disso."
Cob olhou com um pequeno sorriso perverso. "Então Martin virou a
esquina," ele disse. "Isso foi atrás da casa do velho Cooper, lembram-
se? E Martin olhou para o companheiro e Jenna, que não estava
chorando nem nada, mas ela obviamente não estava feliz. E o
latroeiro estava a segurando pelo pulso... "
Cob balançou sua cabeça. "Então ele bateu nele. Era como um
martelo batendo um presunto. Bateu direito para a rua. Dez metros,
mais ou menos. Então Martin olhou para Jenna, que estava chorando
um pouquinho então. Mais supresa do que qualquer outra coisa. E
Martin emperrou sua bota nele. Só uma vez. Não tão forte quanto ele
podia, contudo. Acho que ele estava só acertando as contas em sua
cabeça. Como se ele fosse agiota acertando os lados de sua balança.
"Aquele cara não era propriamente um latoeiro." Jake disse. "Eu me
lembro dele."
"E eu ouvi coisas sobre o padre," Graham acrescendo.
Alguns outros concordaram sem dizer uma palavra.
"E se Jessom voltar?" O aprendiz do ferreiro perguntou. "Eu ouvi que
alguns homens ficam bêbados e recebem o soldo, então voltam
covardemente e pulam dos trilhos quando ficam sóbrios."
Todos pareciam estar considerando isso. Não era um pensamento
difícil para qualquer um deles. A banda da guarda do rei tinha vindo
pela cidade no mês passado e colocaram um aviso, anunciando uma
recompensa por desertores.
"Por Tehlu," Shep disse severamente com sua caneca quase vazia.
"Isso não seria um grande provocação à realeza para uma confusão?"
"Jessom não vai voltar," Bast disse com desdém. Sua voz tinha certo
tom de certeza que todos voltaram os olhares para ele curiosamente.
Bast arrancou um pedaço de pão e coloque-o em sua boca antes de
perceber que ele era o centro das atenções. Ele engoliu
desajeitadamente e fez um gesto amplo com as duas mãos. "O que?"
ele perguntou, rindo. "Vocês voltariam sabendo que o Martin estaria
a sua espera?"
Houve um coro de grunhidos com negação e cabeças balançando.
"Você tem que ser um tipo especial de estúpido para detonar a
destilaria de Martin," disse o Velho Cob. " Talvez oitos anos sejam o
suficiente para Martin se acalmar um pouco." Shep disse.
"Provavelmente não. "Jake disse.
Mais tarde, depois que os clientes se foram, Bast e o dono da
pousada sentaram-se na cozinha, fazendo seu próprio jantar do que
sobrou do guisado e meio pedaço de pão.
"Então o que você aprendeu hoje, Bast?" o dono da pousada
perguntou.
Bast deu um grande sorriso. "Hoje, Reshi, eu descobri onde Emberlee
toma seu banho!!"
O estalajadeiro inclinou a cabeça, pensativo. "Emberlee? A filha do
Alards?"
"Emberlee Ashton!" Bast jogou seus braços para cima e fez um som
exasperado. "Ela é apenas a terceira garota mais bonita em 20
milhas, Reshi!!"
"Ah" disse o dono da pousada, com um sorriso honesto oscilando em
seu rosto pela primeira vez naquele dia.
"Você me apontou ela".
Bast sorriu "Eu te levo lá amanhã" ele disse ansiosamente. "Eu não
sei se ela toma banho lá todos os dias, mas vale a aposta. Ela é
doce como creme e tem um quadris largos." Seu sorriso cresceu
maliciosamente. "Ela é uma leiteira, Reshi." Ele repetiu com bastante
enfase. "Uma leiteira!"
O dono da pousada balançou a cabeça, mesmo que seu próprio
sorriso tivesse se espalhado impotente em seu rosto. Finalmente, ele
deu uma risada e levantou sua mão. "Você pode me mostra-la
alguma hora quando ela estiver vestida," disse ele incisivamente.
"Isso seria agradavel." Bast deu um suspiro de desaprovação. "Seria
muito bom se você saisse um pouco, Reshi."
O estalajadeiro deu os ombros. "É possível", disse ele enquanto ele
cutucava ociosamente seu guisado.
Eles comeram em silencio por um tempo. Bast tentou pensar em
alguma coisa para dizer.
"Eu peguei as cenouras, Reshi," Bast disse enquanto ele terminava o
guisado e despejava o resto fora da chaleira.
"Antes tarde do que nunca, eu suponho." Disse o dono da pousada
com uma voz apática e cinza. "Usaremos elas amanhã."
Bast se mexeu na cadeira, constrangido "Receio que as perdi depois."
Estalajadeiro disse numa voz apática e cinza. "Não se preocupe com
elas, Bast." disse ele timidamente. Isso arrancou outro sorriso
cansado do estalajadeiro. Seus olhos se estreitaram, então, focando
na mão de Bast que segurava uma colher. "O que aconteceu com sua
mão?"
Bast olhou para os machucados em sua mão, que não estavam
sangrando mais estavam esfoladas bem gravemente.
"Eu cai da árvore." Disse Bast. Não mentindo, mas também não
respondendo a pergunta. Era melhor não mentir sem rodeios. Mesmo
cansado e sem brilho, o seu mestre não era um homem fácil de
enganar.
"Você deveria ser mais cuidadoso, Bast" disse o dono da pousada,
cutucando com indiferença sua comida. "E com tão pouco que se tem
para fazer por ai, seria bom você gastar seu tempo com seus
estudos."
"Eu aprendi muitas coisas hoje, Reshi." Bast protestou.
O dono da pousada se sentou, olhando mais atentamente "Sério?" ele
disse. "Então me impressione."
Bast pensou por um momento. "Nettie Williams encontrou uma
colméia de abelhas selvagens hoje", disse ele. "E ela conseguiu pegar
a rainha ..."