Capítulo 3: Perda

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"Rita?", perguntou de repente o André, com esperança no seu tom de voz e no olhar.

"André? Bruno? Onde... Onde é que eu estou?", disse ela, debilmente.

A respiração dela começou a acelerar.

"Calma, calma! Eu volto já, vou buscar uma enfermeira", disse-lhes, saíndo a correr.

Voltei alguns momentos depois com uma enfermeira a correr atrás de mim.

"Oh não! Ela está a deixar de respirar", exclamou a enfermeira assim que entrou, aflita.

O pânico instalou-se nas feições do André.

"Os senhores, por favor, vão até à sala de espera. Eu tenho de levá-la para outro quarto", disse, enquanto preparava a maca da Rita para ser transportada.

"Não! Eu vou com ela!", gritou o André, em desespero, enquanto eu fui agarrar-lhe os braços enquanto a enfermeira saía com toda a pressa possível e imaginária.

Quando as portas do quarto se fecharam, eu larguei-o, baixando a cabeça numa mistura de tristeza, vergonha e deceção, por não a poder ajudar. Por não o poder ajudar.

Ele caiu de joelhos, desesperado, elevando as mãos à altura da cabeça e a gritar o nome dela, enquanto chorava alto, cada soluço parecendo que o coração lhe sairia do peito nesse instante.

De alguma forma, consegui que ele fosse para a sala de espera, onde estivéramos antes.

Acabou por se calar, deitado nas cadeiras azuis, com a cabeça nas minhas pernas, fixando a porta por onde esperava ansiosamente que a enfermeira irrompesse com boas notícias. Mas ela nunca mais chegava...

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6h54 da manhã, hora marcada no relógio da sala de espera, até que finalmente apareceu a enfermeira.

Cheio de esperança, o André ergueu-se... para voltar a cair no desespero.

A enfermeira simplesmente abanou a cabeça lentamente, com uma expressão carregada e lágrimas nos olhos, cujas não deixou escapar.

O André, com os joelhos aos pés da enfermeira, chorava, esmurrava o chão e gritava por ela, num misto de fúria, tristeza, desespero e angústia. Mas ela não ia aparecer. Enquanto ele demonstrava a sua reação à perda da pessoa que ele mais amava, perguntei à enfermeira detalhes sobre a morte e sobre a cerimónia que eventualmente teria de decorrer.

Custou-me. Custou-me imenso. Mas eu tinha de ser forte. Forte pelo André. Foi só por sentir essa responsabilidade ao vê-lo colapsar aos pés da enfermeira que consegui ganhar forças para falar sobre este assunto e, posteriormente, dar a péssima notícia a todos, inclusive os pais da Rita.

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8h47.

O André finalmente adormeceu, no chão da sala de espera, derrubado pelo cansaço. Talvez até tivesse desmaiado por desidratação, depois de tanta lágrima derramada.

Carreguei-o para o carro, e levei-o para casa da mãe dele. Já tinha falado com ela. Ele ia ficar lá por uns tempos...

Quando chegámos, a mãe dele, a Rosa, ajudou-me a pô-lo na cama dele, que infelizmente era no primeiro andar. Ele não acordou, estava completamente derreado.

A Rosa acabou por me oferecer o quarto de hóspedes para dormir, e talvez até ficar lá pelo menos uma semana, para ajudar o André a recuperar. Ao primeiro convite, recusei, mas ela lá me chamou à razão, e eu só aceitei com a condição de fazer pelo menos uma refeição por dia, e fazer metade das tarefas domésticas.

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Acordei com o cheiro que vinha da cozinha. Levantei-me e fui para a casa de banho. Lavei a cara, e olhei-me no espelho. Tinha acabado de ter um pesadelo horrível.

Ah... quem me dera que fosse um pesadelo! Seria o pesadelo mais feliz da minha vida, só por saber que não era real... mas era. Era real.

A minha melhor amiga havia partido. O meu melhor amigo, devastado. E qual seria a reação dele ao acordar? O que aconteceria? Como iria ele lidar com a situação? Como é que EU iria lidar com a situação, e com a reação dele? Como ficaria a mãe dele, que tanto se preocupava, já para não falar de também ter ficado com a grande parte do seu coração que a Rita ocupava, vazia?

Bem, só me restava esperar, e ser forte para superar as adversidades que eventualmente surgiriam. O mundo estava a desabar, e eu tinha de ser forte para voltar a pô-lo no sítio. Era esse o meu papel.

Desci para tomar o pequeno-almoço, apesar de já ter passado da hora do almoço, provavelmente.

A Rosa estava a cozinhar algo delicioso, mas a sua expressão não era a que levava quando cozinhava um dos seus pratos fabulosos... Não tinha energia, a habitual ruga entre as sobrancelhas de concentração e, quando servia, um grande sorriso no rosto. A sua expressão agora era vazia, insípida, como se cozinhar fosse um fardo, como se estar ali não fizesse sentido, distraída e melancólica.

Caíram-me as cartas todas. Isto foi das coisas que mais me partiu o coração em todo o processo da nossa perda: a pessoa que nunca faltou com um sorriso, com um bom cozinhado ou com um conselho, estava diante dos meus olhos, a ruir. E eu não podia impedi-lo.

Perguntei se queria ajuda, mas ela só ouviu à segunda vez, abanado debilmente a cabeça em resposta, sem me encarar. Graças a Deus que ela não me encarou, pois uma estúpida lágrima escapou-me do olho.

Mesmo sem ser requerido, levantei-me e fui por a mesa.

Enquanto tirava os copos do armário, olhei para o relógio... 14h09.

O André ainda não tinha acordado. Ele não era de dormir muito, só o essencial para passar o dia bem disposto, o que eram mais ou menos sete horas de sono.

Talvez ele estivesse acordado, simplesmente sem vontade de descer. Este pensamento preocupou-me.

Acabei de pôr a mesa e disse à mãe do André que o ia chamar, ou melhor, ver como é que ele estava. Se ele estivesse a dormir, não o acordaria por nada deste mundo. Principalmente depois dos acontecimentos da última madrugada.

Descalcei-me para não fazer ranger as escadas de madeira e subi com pés de lã, devagar e com cuidado.

Sinceramente, acho que não ia devagar para não o acordar, mas sim porque tinha medo do que ia encontrar naquele quarto...

Neste meu vagar acabei por chegar ao quarto.

Bati levemente à porta, mas não obtive resposta. Esperei mais uns segundos, e rodei a maçaneta, abrindo muito devagar a porta, como se se tratasse de uma jaula com feras lá dentro.

Espreitei e estava tudo escuro, mas com a pouca luminosidade que entrou, não dava para ver a cama.

Abri mais um pouco, e pus um pé lá dentro, para a minha visão ter acesso à cama.



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