Já o tinha visto entrar e aproximar-se do balcão, do outro lado da padaria. Fiquei olhando desde o minuto em que passou pela porta, parecendo não saber direito por que havia entrado, mas não se preocupando muito com isso. Toda a preocupação estava no celular; parecia bem ocupado e passou pelo menos quinze minutos falando com alguém — provavelmente uma mulher —, oscilando entre alterado e paciente, aborrecido e delicado. Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado e ficava tamborilando os dedos no tampo de granito. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele começo de manhã de trabalho.
Era moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, um porte um tanto atlético e forte, aparente por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto e cílios escuros emolduravam dois olhos bastante azuis. Os cabelos eram castanho-escuros, quase pretos, e estavam um pouco compridos e desalinhados, como alguém que acabara de acordar e não tivera muito tempo antes de sair para o trabalho. Mesmo assim, era surpreendentemente bonito; um dos homens mais bonitos que eu já tinha visto na vida. Daquele tipo que devia até ser proibido, por fazer o resto do mundo se sentir inadequado. Eu inclusa. Mas não o deixei de observar — a testa franzida, os gestos fluidos e exasperados, a boca contraída, a expressão séria — por todo o tempo em que ele estivera absorto na ligação. Havia algo nos traços do rosto, ou no azul claro dos olhos que não me deixavam desviar o olhar. A voz era grave e levemente rouca, profunda. E quando, ao final do telefonema, ele esboçou um leve sorriso e disse adeus à pessoa a que dedicava tanta atenção, o sol lá fora até me pareceu um pouco pálido, de repente.
Não sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, talvez dias. Algo tinha acontecido e tinha, o que quer que fosse, me deixado paralisada por todo esse tempo. Acho, inclusive, que minha boca estava levemente aberta. Certamente seca. Pegou-me numa surpresa tão grande, que nem cogitei lutar contra aquele deslumbramento. Então, ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava alguns papéis de uma pasta, e eu me vi engolindo em seco, o rosto queimando, atingida em cheio por aquele olhar subitamente frio como dois cubos de gelo. E me obriguei a voltar o olhar para o copo. Terminei de enxugá-lo, juntamente com mais três, e fui arrumando no armário.
— Com licença. Você poderia me servir um café?
Quase pulei, com o som da voz dele. Eu tinha virado para o outro lado, depois de quase pegar um resfriado com aquele olhar, e tinha decidido ignorá-lo. Não olharia mais para ele. Depois percebi o quanto estava sendo estúpida; era óbvio que ele entrara no café para ser atendido. Fiquei constrangida que não tinha pensado em ir lá ainda. Bem, estava constrangida com a coisa toda, principalmente de ter sido pega em flagrante observando-o. Mas, em minha defesa, não podia ter ido atendê-lo, se ele estava esse tempo todo ao telefone. Eu não o podia ter interrompido. Quanto ao flagrante, bem, eu era só uma simples mortal. Qualquer pessoa que visse aquele homem arrasador concordaria comigo.
— Certamente. Só vai demorar um minuto. — Minha voz saiu mais rouca do que eu pretendia.
Ele não respondeu, nem eu esperava resposta. Respirei fundo, deixei as distrações de lado e voltei ao trabalho. Tinha que tirar essas coisas da cabeça, ou não conseguiria fazer nada direito. Felizmente, era boa em me distrair de pensamentos inoportunos, principalmente na padaria, quando começava a cozinhar. Talvez tenha sido assim que consegui sobreviver tanto tempo. Pensamentos podem realmente acabar com uma pessoa.
O café tinha acabado, então peguei o pacote com o pó, para preparar mais. Comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam gostar dos biscoitos. Enquanto esperava, lembrei-me de que precisava comprar farinha para fazer os pastéis e também tinha que providenciar morangos. Talvez tivesse que passar na feira, depois do expediente, porque...
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Um Encontro
RomansaDEGUSTAÇÃO Link do livro na Amazon.com: https://www.amazon.com.br/dp/B01MPXAWI2 -- Encontros aleatórios acontecem a todo momento. Até que, num dia qualquer, um dia particularmente comum, algo acontece. Momentos de impacto. E, então, tudo muda. Ela n...