POV. Harry
Abri meus olhos ainda com dificuldade, minha cabeça latejava com a dor, meus pulsos marcados pela algema que agora já havia sumido e minha boca coberta com um pano amarrado na nunca, desamarrei sentindo o alívio instantâneo. No chão, uma poça de sangue que se espalhava pelo cômodo, a pouca iluminação afetava meu campo de visão, mas apesar disso, o corpo ainda estava ali, o corpo do meu pai.
Levantei e dei alguns passos até ele, meus joelhos vacilaram e caí ao seu lado, juntamente com as lágrimas, trouxe o seu corpo até o meu peito e o abracei forte, tão forte como se tentasse trazer sua vida de volta, mas era tarde e eu havia sido incapaz de salvá-lo. Meu pai sempre me dizia, que eu era um "anjo humano", não apenas pelos meus cabelos, mas por sempre estar no lugar certo, na hora certa, pronto pra salvá-lo, eu prometi que cuidaria dele, eu falhei.
- Emocionante, criança. - A voz imunda do assassino soou no fundo da sala. - Termine a despedida e não ouse em gritar, meus homens não hesitariam em entrar por aquela porta. - Meus olhos ardiam e minhas veias pulsavam ódio, ainda assim, não conseguia conter meu choro. - Você tem uma hora pra deixar Hastings e nunca mais voltar. - Falou se aproximando e pairando seu olhar sobre mim. - Lembre-se de não se lembrar de nada... Se quiser continuar vivo. - Virou-se - Foi um prazer fazer negócios com seu pai, criança. - e disse por fim, deixando o vão da sala com o eco dos seus passos.
- Pai... – Solucei. – Eu sinto muito. – As palavras saiam com dificuldade, não conseguia conciliar meu estado com os meus atos, me faltava ar, eu soluçava e as lágrimas escorriam até o meu queixo, caindo na camisa ensanguentada do meu pai em seguida. Havia uma espécie de vazio no meu peito, um dor real, como se alguém estivesse apertando o meu coração com toda sua força, as veias das minhas têmporas pulsavam e sentia minha garganta rasgar a cada murmúrio que eu dava.
Minha mente estava escura, túrbida, me restava uma hora para sair dali e abandonar tudo que tive esses anos todos, eu tinha que fugir como um covarde.
Abracei meu pai e esqueci de tudo por algum tempo, revi seus traços minuciosamente e recordei nossos melhores momentos, tentei dizer algumas palavras, já que sempre fui bom em demonstrar meus sentimentos, mas naquele momento, era a tarefa mais difícil a se fazer, as lembranças só intensificavam mais a dor. Era a minha última vez junto a ele, ou pelo menos, junto ao seu corpo... Dali em diante, nem eu mesmo sabia o que iria acontecer.
Ainda fraco e com o corpo dolorido por toda a tensão, levantei desnorteado e fui até o meu quarto, joguei algumas coisas dentro de uma mala e entrei de baixo do chuveiro por pouco tempo, apenas para tirar o sangue de meu corpo, coloquei roupas limpas e corri para o quarto do meu pai, pegando todas as fotografias existentes.
Olhei para o relógio e meu tempo já se esgotava, eu me sentia um fraco por estar fugindo, deveria deixar que me matassem, isso acabaria com a dor que terei que conviver, mas algo me dizia que eu precisava ir, acho que meu pai iria querer o mesmo, e de qualquer forma, eu ainda voltaria para assistir toda a máfia de Hielff atrás das grades, inclusive ele.
Procurei pelas chaves do carro e enfiei no bolso assim que achei, estava tudo pronto para ir. Infelizmente, eu não podia mexer no corpo, o que me submetia a uma culpa ainda maior, deixar meu pai nessa situação deplorável, sem ao menos poder enterrá-lo e rezar por sua alma, as lágrimas não cessavam e me despedi com um longo beijo em sua testa, deixando uma foto nossa embaixo de sua mão, provavelmente Hielff entenderia que quero que a foto seja enterrada junto com ele. Depois de algumas tentativas falhas, criei coragem para deixar a casa, peguei minhas coisas e olhei uma última vez enquanto soluçava.
- Eu te amo, pai e eu prometo voltar. – Sussurrei e saí. Corri para o carro e liguei com pressa antes que fosse tarde, antes que alguém me parasse, antes que eu desistisse, então finalmente eu estava indo em direção a saída oeste de Hastings.
Agora o tempo parecia ter voado, era como se tudo tivesse acontecido em um minuto... A estrada estava tranquila, mas eu não me sentia muito bem, quando percebi que já havia me afastado da cidade, encostei o carro no acostamento e voltei a chorar, eu precisava, não havia chorado o suficiente, eu nem sequer tive direito a isso, meu pai é assassinado e a melhor coisa que eu tenho a fazer é fugir?! Ao invés de ir atrás de justiça? Isso não era certo, ele precisava descansar em paz. Respirei fundo, sentia a raiva queimar por dentro, enxuguei as lágrimas e liguei o carro; fiz a curva, eu estava voltando pra Hastings.
Meu nome é Harry Edward Styles, eu tenho 17 anos e acabei de me formar, sou, ou pelo menos era, da cidade de Hastings, Nebraska. Vivi com meu pai; Desmond, desde meus 13 anos quando ele se separou da minha mãe; Anne, e o motivo, mais uma vez, foram as bebidas e os jogos, sim, jogos de cassino. Meu pai era um viciado.
Eu não podia lhe deixar só, afinal aprendi a ser responsável como um adulto depois dele deixar de exercer esse papel, então me mudei junto para aquela pequena cidade, onde ele havia nascido. Minha mãe e eu perdemos o contato, quando fui embora, ela se sentiu traída, e eu entendo, mas meu pai precisava de mim mais do que ela, além disso, não estava sozinha, tinha a minha irmã mais velha; Gemma, enquanto meu pai estava sozinho, perdido e perseguindo confusões.
Todo esse tempo, eu tive um papel diferente dos outros adolescentes da minha idade, sempre dentro de casa, cuidando do meu pai, do lar, trabalhando para pagar dívidas de jogos e estudando em uma terrível escola, onde eu tinha poucos amigos e era xingado e apelidado por os outros rapazes, no entanto, fui amadurecendo cada vez mais e deixando de dar importância. Quando completei 15 anos, percebi que os apelidos, querendo ou não, havia fundamentos... Eu não sentia atração por garotas. Pra ser sincero eu não me importo, afinal, meu pai me aceitou e sempre desconfiou, eu só precisava do seu assentimento para seguir em frente.
Ainda em Hastings, meu pai continuava jogando e bebendo, sempre viajava escondido para Nevada ou Texas para apostar nos cassinos, e foi em um desses cassinos que ele acabou se metendo com a máfia de Hielff Clinton, um homem rico e conhecido pelas redondezas por ganhar dinheiro jogando, o problema é que meu pai o desafiou, o desafiou e perdeu. O valor que ele havia apostado foi maior do que tudo que já tivemos, ganhamos um prazo para pagar, o que nunca aconteceu, nunca tínhamos o suficiente. Mas entenda, Hielff não se importava com o dinheiro, ele é milionário, o propósito sempre foi e sempre será matar as pessoas por diversão. Ele aposta, endivida e em seguida mata, usando o argumento de "acerto de contas".
Essa tragédia não aconteceu só com o meu pai, e por mais que eu lhe alertasse, nada adiantou... Eu sei que deveria ter lutado mais contra isso, sei que a culpa foi minha e nunca me perdoarei por isso. Não sei o que vai acontecer em relação à morte do meu pai, mas é provável que Hielff tente encobrir pagando a polícia local para abafar o ocorrido, então suponho que não serei um foragido da polícia, mesmo que essa não fosse a maior das minhas preocupações.
Enquanto dirigia tentava pensar em alguma estratégia para não ser pego por Hielff ou seus capangas, mas as últimas lembranças eram as únicas que ocupavam o meu pensamento. Estava passando por um tipo de penhasco na estrada, faltava pouco pra chegar em Hastings. O sol estava se pondo e em plena primavera, toda aquela paisagem era deslumbrante, quase surreal, montanhas verdes e um abismo enorme, parecia uma pintura, as pessoas odiavam aquele trecho por ser perigoso, mas eu ainda conseguia ver o seu lado bom, até aqueles últimos segundos.
Ao voltar meus olhos para a estrada, o perigo se constatou, eu havia entrado no sentido contrário da pista, escutei um carro buzinar freneticamente e então, quando me dei conta, eu estava prestes a colidir, em um reflexo rápido girei o volante para desviar, mas ainda assim, passamos em raspão um com o outro. Maldição.
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Utopia
Fanfiction"Um. Dois. Três. Quatro... Quatro vezes. Aquele barulho estrondoso se repetia quatro vezes, todas as noites, antes de dormir, as memórias me perseguiam como um leopardo atrás de sua presa. Foram poucas palavras e um meio sorriso, nós nos despedimos...