VIAGEM

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O crepúsculo se encerrava levemente, estava acabando ali o espetáculo, o tom alaranjado no horizonte, agora dava espaço para a escuridão, algumas nuvens avermelhadas ainda insistiam em permanecer ali, misturando com outras nuvens agora cinzentas, e por fim, seriam tomadas completamente, engolidas pela escuridão.

Mãos firmes ao volante, olhos atentos a rodovia que se estendia a desaparecer de vista do longo do horizonte, ela mantinha o pé firme ao acelerador, enquanto cantarolava Love Of My Live juntamente com a voz de Fred Mercury que preenchia os autofalantes, afastando-a de seus pensamentos.

"Love of my life, you've hurt me

You've broken my heart and now you leave me

Love of my life, can't you see?

Bring it back, bring it back, don't take it away from me

Because you don't know what it means to me..."

"Amor da minha vida, você me magoou.

Você partiu o meu coração e me abandonou

Amor da minha vida será que você não vê?

Traga-o de volta, traga-o de volta, não o tire de mim.

Porque você não sabe o quanto ele é importante para mim"

O anoitecer ia caindo, após um dia cheio de consultas, ali estava Cecília, rumando para Curitiba. A estrada lhe trazia uma imensa paz interior, embora ainda houvesse um intenso trafego de caminhões naquela região.

À medida que dirigia, o trafego se acalmava, a noite agora já havia chegado por completo, era possível ouvir o vento batendo contra o veiculo que ainda corria pela rodovia. Seus olhos começavam a pesar, mas a jovem Cecília insistia em chegar ao seu destino antes do amanhecer, e isso lhe custaria a madrugada adentro no volante.

O cansaço começava a tomar conta do corpo da moça, quando seus olhos foram atraídos por um outdoor, o qual informava que há três mil metros havia um posto de combustíveis que funcionava durante vinte e quatro horas e continha uma ampla loja de conveniência em anexo. Tal informação fez com que surgisse um pequeno sorriso de canto nos lábios carnudos da moça.

Em menos de dois minutos, seus olhos encontraram os letreiros em neon, rapidamente ela guiou o carro para o local, estacionando-o em uma manobra rápida, perto da loja de conveniência. Ao desembarcar do seu lindo SUV prateado, a jovem psicóloga fora alvo dos olhares de dois frentistas que vestiam uniformes verdes em tom escuro.

Cecília, sem duvidas era linda, um corpo de mulher com a graça de uma menina, suas curvas definidas chamavam a atenção por onde passava. Seus longos cabelos negros em um corte perfeitamente alinhado balançavam a medida que a leve brisa do vento atingia os macios fios, por onde passava a moça deixava o rastro do seu perfume levemente adocicado.

-Oh lá em casa- disse o frentista magro e aparentemente alto, com uma barba rala e bem feita, seus olhos eram verdes cintilantes, que contrastavam com seu uniforme, embora tais palavras tivessem saído quase em um sussurro foram ouvidas por Cecília que por sua vez, fingiu não tê-las ouvido e seguiu para a loja de conveniência.

Ao adentrar o espaço, a jovem agradeceu mentalmente pelo ar condicionado que proporcionava uma condição melhor que a ambiente, já que lá fora o ventava frio. Olhou de relance para a ampla loja e avistou ao lado do balcão, uma maquina de café expresso, rapidamente dirigiu-se a maquina, após servir-se, escolheu uma pequena barra de chocolate meio amargo e dirigiu-se ao balcão, onde uma atendente loira folheava uma revista sobre famosos, ela vestia um uniforme branco com listras laterais verdes e um crachá de identificação, onde continha seu nome em negrito, chamava-se Laís, e uma foto três por quatro, na qual retratava uma moça de cabelos loiros na altura dos ombros, com um leve sorriso tímido, o que demonstrava que a moça ali presente atrás do balcão estava apenas cumprindo seu horário de expediente, pois nem ao menos se dera ao trabalho de responder ao comprimento de Cecília. Após pagar pelos produtos adquiridos, Cecília retornou ao seu carro, sendo novamente alvo dos olhares dos dois frentistas que continuavam sentados em banco rustico feito de madeira bruta.

Ao retornar para o carro, Cecília depositou seu copo de café expresso sobre o local apropriado, colocou seu cinto de segurança, girou a chave de ignição, assim dando partida e rapidamente seguiu para a estrada.

Cecília pretendia chegar antes do amanhecer em seu destino, pois sabia o quão ansiosa sua prima Kelly estava para a sua chegada, afinal era sua formatura no curso de arquitetura. As primas sempre foram muito próximas, apesar de Cecília ser três anos mais jovens que Kelly, sempre se teve uma boa relação de amizade, desde quando crianças. Compartilharam uma a outra seus melhores momentos e os mais secretos segredos da adolescência, mas foram separadas quando os pais de Kelly mudaram-se para a capital por conta do trabalho. Desde então elas só se viam durante o período de recesso escolar.

A estrada estava calma, iluminada somente pela lua prateada no céu e os faróis do carro de Cecília. O café havia acabado, e seus olhos voltavam a pesar, já se passava da meia noite, seu corpo implorava por descanso, embora a jovem pretendesse não se dar o luxo de adentrar a cidade em busca de um hotel para passar a noite. Manteve o pé firme ao acelerador, no painel atrás do volante os ponteiros do velocímetro marcavam cento e vinte quilômetros por hora, havia mais de trinta minutos que Cecília não encontrara nenhum veiculo na estrada, que apesar de estra em perfeitas condições devido ao intenso trafego de cargas pesadas que passassem ali diariamente, era uma rodovia com muitos registros de assaltos noturnos. Cecília não sabia se, se sentia agradecida pela rodovia calma ou medo pelo mesmo motivo.

Agora Cecília passava pelos campos de Palmas, localizado no terceiro planalto do Paraná, a região mais ventosa e fria do estado, ali estavam situadas as usinas eólicas, as quais quando criança, ela tentava contar os inúmeros "ventiladores gigantes", como costumava chama-los.

O local era cheio de curvas e com certeza o pior trecho devido à estrada deteriorada, o que exigia cuidado e atenção redobrada. Agora, ela estava em um trecho retilíneo, seu carro ia perdendo velocidade, embora Cecília continuasse a pisar cada vez mais firme no acelerador, quando o carro parou por completo, em meio à rodovia perigosa, e sem acostamentos. Ela tentou girar novamente a chave na ignição, não obtendo êxito. O desespero começava a tomar conta de Cecília, que vasculhava em sua bolsa, a procura de uma lanterna, a qual sempre carregava consigo. Ao encontra-la, ligou-a e seguiu para fora do carro, talvez fossem apenas os cabos da bateria que tivesse se desconectados, pois sempre era a primeira coisa que seu velho pai fazia quando o carro parava de funcionar, mas ao verifica-los constatou que ambos continuavam fixos, Cecília não sabia o que fazer, pois seus conhecimentos sobre manutenção de automóveis se resumia somente em uma simples troca de pneus. Como um fecho de luz, lhe ocorreu a mente em telefonar para seu pai ou algum socorro, mas ao pegar seu telefone celular da bolso, percebeu que o mesmo estava sem bateria.

Sem outra opção, Cecília, foi até o porta-malas, e dali retirou uma parafernália de instrumentos de sinalização, os quais tivera conhecimento somente na autoescola. Caminhou por cerca de quinhentos metros onde depositou um triangulo reflexível e retornou para o seu veiculo. Não haveria outra opção sem ser esperar para que o dia amanhecesse e passasse alguém por ali e lhe oferecesse ajuda.

Embora o medo lhe tomasse conta, Cecília permaneceu dentro do veiculo, seus olhos já se fechavam, quando um fecho de luz em alta velocidade vindo na mesma direção atingiu o carro fazendo Cecília despertar.

Um Desconhecido No HorizonteOnde histórias criam vida. Descubra agora