[F] Begônia.

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outubro de 1994.

o amor de jeongguk sempre esteve ali, presente e imutável, guardado bem no fundo do estômago como um segredo que precisava ser digerido.

tudo começara muito sutilmente, como brisas mornas no verão de busan, quando o garoto havia passado por oito primaveras.

por ser tão pequeno, não poderia ficar só em casa. o irmão mais velho tinha de estudar e a irmã mais nova ainda não havia nascido, era uma semente dentro do ventre da mãe.

por isso, passava os dias da semana entre sua casa e a casa da avó, que era um pequeno apartamento de dois andares e tijolos manchados pelo tempo, onde no segundo andar a família se reunia para o almoço aos domingos, e no primeiro, era onde a avó vendia os buquês que montava e as flores que plantava.

enquanto a avó, uma mulher de cabelos grisalhos, mãos delicadas manchadas pelo sol e óculos redondos enormes que estavam sempre escorregando até a ponta do nariz, montava seus buquês e atendia seus clientes, jeongguk permanecia sentado no canto da floricultura lendo contos de fadas e observando vez ou outra o trabalho da avó. a destreza com que a avó mexia nas flores, podando-as e juntando-as em um belo buquê lhe trazia uma sensação ótima, que reconheceu mais tarde como prazer. a explosão de cores daquelas flores não saía de sua cabeça mesmo depois de deixar o apartamento da avó e voltar para casa; deitava em seu colchão imaginando estar sobre uma grama macia e salpicada de flores silvestres de todos os tipos.

às visitas ao apartamento da avó se tornaram ainda mais frequentes quando atingiu os quatorze anos, podendo ir e vir, de bicicleta ou metro.

por vir de uma família influente, jeongguk tinha de saber algo que impressionasse os pais. toda essa cobrança caía sobre seus ombros como o peso do mundo. o irmão mais velho havia ganhado uma bolsa numa famosa faculdade em seul, engenharia química. a irmã mais nova, tão pequena, sabia tocar piano como ninguém.

e bem, jeongguk sabia sobre flores, mas isso não parecia fazer diferença para os pais. não traria nem um benefício relacionado ao dinheiro e ainda teriam o filho tachado de gay numa época tão conservadora em seu país.

os pais só pararam de pegar em seu pé quando aos dezenove anos, jeongguk ingressou numa universidade. sobretudo, os pais acreditavam que ele cursava engenharia mecânica, e não botânica, o verdadeiro curso no qual se encontrava. a avó, ainda viva mas cheia de enfermidades, era a única que dava-lhe apoio e ainda por cima encobria-o.

jeongguk era viciado em flores; na varanda de seu quarto haviam flores, no terreno de casa os jardineiros haviam sido dispensados porque era o garoto quem cuidava das flores e até mesmo ao se expressar o garoto usava flores. essa era a parte mais estranha, até mesmo para a avó que estava acostumada com o comportamento exótico do garoto. levaram jeongguk ao psicólogo, e depois, ao psiquiatra. certamente, ele deveria ter algum distúrbio.

jeongguk possuía um olhar introspectivo, e por isso era tão distraído e mal se expressava. não sabia como falar, pôr para fora, as palavras estavam sempre morrendo em sua boca ou sendo mal digeridas. por isso, quando sentia algo intensamente e não sabia como dizê-lo, dava flores.

ninguém nunca descobrira o significado por trás das flores que ele dera, até que park jimin chegasse.

jeongguk costumava matar aula quando sentia-se melancólico. estar perto das flores num momento ruim não era algo que curtia; era como se sua tristeza fosse tão grande que ela fosse transpassar sua pele e fazer com que as flores despedaçassem, uma a uma.

por este motivo, faltou a aula de bioestatística e permanecera no campo verde em meio ao campus, um extenso gramado com árvores que projetavam muita sombra, deixando o local fresco. mesmo que pressionasse os fones contra suas orelhas, os sons dos passos e das risadas dos estudantes que passavam por ali continuavam altas. concluiu que deveria trocar música indie por hardrock se quisesse abafar os ruídos dos outros. música coreana nem pensar. gostava de tudo, mas tinha tanta repulsa ao seu país engomado e cheio dos preconceitos que não conseguia. quando a mãe via show de variedades, ele saía de perto.

quando a barulheira dissipou-se e o sol subiu mais ao topo do céu, sinal de que as aulas matutinas haviam iniciado, sentiu uma aproximação calma, suave como a brisa de outono que acariciava sua pele vez ou outra e fazia os galhos das árvores se moverem como dedos de madeira que esfregam-se.

não abriu de imediato, mesmo que soubesse que havia alguém ali. quem sabe, dessa maneira, a pessoa perceberia que ele estava ocupadíssimo tentando repôr noites de sono que perdia em frente ao computador, em jogos de rpg e episódios de animes de magia – sentia-se meio envergonhado em assumir que aos dezenove anos ainda possuía um interesse obsessivo por personagens mágicos e por yaoi. era tudo tão utópico para ele. fora de cogitação ele ganhar superpoderes e ir para uma academia de heróis ou ter um romance com um mangaká.

não acontecera nada por bons segundos, mas a pessoa também não se afastara. quando jeongguk sentira dedos macios como algodão-doce tocando seu antebraço, ele se obrigara a abrir os olhos, acuado.

jeongguk podia garantir com todas as forças que era um garoto cético que não acreditava em baboseiras como destino ou amor à primeira vista, mas jurava que ninguém nunca atacara sua taquicardia como àquele garoto logo ali estava fazendo.

era tão lindo, desde os lábios grossos, a pele que parecia macia e num tom perfeito de canela, até os cabelos alaranjados, cor de folhas no outono e olhos apertados. a primavera com um tom outonal florescia bem a sua frente.

jeongguk sabia que ele deveria ser novo ali pelas roupas; macacão jeans e coturnos pretos. ninguém que estava ali mais de dois meses usava esse tipo de roupa. se alguns pudessem, vinham de pijamas.

– Você sabe onde fica o prédio de letras? – a voz dele parecia o ressoar de um sino num templo budista. os olhos sumiam nas bochechas gordas enquanto ele falava, sorrindo. jeongguk o achou um idiota por gastar tão facilmente um sorriso tão lindo.

jeongguk queria ser um artista para que toda àquela beleza fosse documentada em uma tela ou numa música que jamais morreria, seria eternizada por sua beleza, como os beatles.

sentou-se, então, meio atordoado, e apontou para o prédio a direita. O outro garoto, em pé, ainda sorria. se você observasse outras pessoas, manter-se em pé para elas parecia um trabalho exaustivo, mas para o cara de cabelos tingidos a sua frente parecia uma tarefa tão fácil, como se seus pés sequer estivessem tocando o chão.

– valeu. jimin, e você? – ele observou o rosto de jimin – era um nome que combinava tanto, ou era impressão dele? – e virou o rosto. um canteiro de flores encontrava-se na direção em que seu olhar seguia. jimin olhou na mesma direção quando jeongguk apoiou-se nos cotovelos e se levantou, arrancando uma das flores do canteiro delicadamente, enquanto sussurrava um pedido de desculpas a plantinha, e entregou-a na mão de jimin.

– tenho aula agora. – foi o que jeongguk disse, olhando-o nos olhos e em seguida andando para longe de onde estava há segundos atrás.

– estranho. – jimin disse alto, para si mesmo, enquanto ria. – gostei.

ele andou com a flor na mão o restante do dia, em todas as aulas a flor estava lá. mesmo quando chegara em casa, ficou a observando durante minutos. era tão bela, vermelha nas bordas e branca no centro, como se fosse chamuscada pela beleza.

então, passou o restante do dia pesquisando sobre a aparência da flor até encontrar seu nome. e surpreendeu-se ao encontrar seu significado.

Begônias significam a timidez, e  a inocência presentes em alguém.

o celular de jimin caiu em seu rosto.

Flowers 🌺 KookMinOnde histórias criam vida. Descubra agora