O nascimento de Afrodite

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Por Seganfredo e A. S. Franchini

A véspera do nascimento de Afrodite fora um dia violento. O firmamento, tingindo-se subitamente de um vermelho vítreo, enchera de espanto toda a Criação. Crono, munido de sua foice, enfrentara o próprio pai Urano, num embate cruel pelo poder do Universo Com um golpe certeiro, o jovem deus arrancara fora a genitália do pai, tornando-se o novo soberano do mundo. Um urro colossal varrera os Céus, como o estrondo tremendo de um infinito trovão, quando Urano fora atingido.

O fecundo Órgão do deus deposto, caindo do alto, mergulhara nas águas profundas, próximo a ilha de Chipre. Assim, Urano (Céu), depois de haver fecundado incessantemente Geia (Terra) — dando origem à estirpe dos deuses olímpicos —, fecundava agora, ainda que de maneira excêntrica e inesperada, o próprio Mar. Durante toda a noite o mar revolveu-se violentamente.

Das margens da ilha de Chipre, algumas ninfas, reunidas, apontavam, temerosas, para um trecho agitado do mar: O mar está prestes a parir algo! — disse uma delas. — Será algum monstro pavoroso? — disse outra, temerosa Mas nem bem o sol lançara sobre a patina azulada do mar Os seus primeiros raios, viu-se a espuma, que parecia subir das profundezas, cessar de borbulhar. Um grande silêncio pairou sobre tudo. — Sintam este perfume delicioso! Disse uma das ninfas. As outras, erguendo-se nas pontas dos pés, aspiraram a brisa fresca e olorosa que vinha do alto-mar. Nunca as flores daquela ilha haviam produzido um aroma tão penetrante e, ao mesmo tempo, tão discreto; tão doce e, ao mesmo tempo, tão provocantemente acre, tão natural e, ao mesmo tempo, tão sofisticado.

E, logo abaixo, um véu triangular — loiro e aveludado véu — tecido com os mais delicados e dourados fios, agitava-se delicadamente, esbatido pela brisa da manhã. Nenhum humano podia saber ainda o que ele ocultava — seu segredo mais cobiçado, que somente a poucos seria revelado. Algumas aves marinhas surgiram, arrastando uma grande concha, a qual depositaram ao lado da deusa — sim, era uma deusa —, para que ela, como em um trono, se assentasse. Um marulhar de peixes saltitantes a cercava, enquanto golfinhos puxavam seu elegante carro aquático até as areias da praia cipriota. Nem bem a deusa colocara os pé na ilha, e toda ela verdejou e coloriu-se como nunca antes havia sido.

No mesmo dia, a extraordinária notícia do nascimento de criatura tão bela chegou ao Olimpo, e os deuses ordenaram que as Horas e as Graças a fossem recepcionar. Ainda mais enfeitada pelas mãos destas caprichosas divindades, apresentou-se a nova deusa diante de seus pares no grandioso salão do Olimpo, sendo imediatamente acolhida e festejada pelos deuses. Mas quando todos ainda se perguntavam quem seria, afinal, aquela criatura encantadora, um descuido — seria, mesmo? — pôs fim a todas as indagações. Pois o véu que a envolvia, descendo-Ihe ate os pés, revelara o que nenhum dos embelezamentos artificiais pudera antes realçar: a sua infinita beleza original. — É Afrodite, sim, a mais bela das deusas! — disse o coro unânime das vozes.

Afrodite - Um livro de orações por Marina Cervini LentiniWhere stories live. Discover now