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Jack Silva inclinou-se em direção à janela do avião da Turkish Airlines que se aproximava
do Aeroporto Internacional de Benina, em Benghazi. Ele olhou para a sombra da aeronave
correndo sob o deserto cor de caramelo. Jack acreditava profundamente em Yin e Yang, o
conceito chinês de que existe uma conexão entre forças aparentemente opostas, como luz
e escuridão, vida e morte. Portanto, não era surpresa que duas ideias conflitantes tenham
surgido em sua cabeça. Primeiro o entusiasmo: Quais serão as aventuras que este lugar me
proporcionará? Em seguida veio o contrapeso, a preocupação: Será que verei minha família
de novo?
Era agosto de 2012, e Jack estava prestes a se juntar à equipe da organização secreta dos
Estados Unidos em Benghazi chamada Global Response Staff (GRS). Criada depois dos
Ataques de Onze de Setembro, a GRS era composta por funcionários de segurança
permanentes da CIA e complementada por operadores militares especiais como Jack, que
foi contratado com base em um acordo lucrativo. Os funcionários da GRS serviam de
guarda-costas para espiões, diplomatas e outros trabalhadores americanos em campo.
Quanto mais perigoso o cargo, mais provável que os operadores da GRS estivessem por
perto, nas sombras, protegendo enviados americanos que concentravam informações.
Poucos trabalhos, se é que havia algum para comparar, eram mais perigosos do que o
serviço em Benghazi, na Líbia.
Como ex-SEAL da Marinha, Jack se encaixava perfeitamente na GRS. Estava com 34
anos, possuía autocontrole e uma beleza sombria, tinha 1,88m e carregava 95 quilos em
sua musculosa estrutura. Com seu vestuário habitual composto de uma camiseta de
malha preta e bermuda cáqui, Jack parecia um robusto trabalhador de construção. No
avião, entretanto, de camisa social enfiada para dentro da calça também social e de sapato
marrom, ele poderia ser confundido com um empresário americano em busca deoportunidades de importação/exportação, dez meses depois da morte do ditador deposto
Muamar Kadafi. Pelo menos era isso o que desejava Jack quando o avião pousou.
A chegada do ex-SEAL marcava a sua primeira visita à Líbia e o início de sua sexta
viagem como operador da GRS; suas missões anteriores o tinham levado ao Oriente
Médio e a outros lugares. Para fins oficiais em Benghazi, Jack diria simplesmente que
trabalharia na equipe de segurança do governo dos Estados Unidos. Homens que
protegem espiões não revelam esse fato.
Antes de sair do avião, Jack tirou a aliança de casamento dourada e a colocou em uma
caixinha por segurança. Tinha adquirido o hábito anos antes, depois de decidir que não
queria que seus inimigos soubessem que tinha família: esposa e dois filhos pequenos
aguardando que voltasse para casa no Noroeste Pacífico. Jack pisou no asfalto e sentiu o
sequíssimo calor da tarde do verão líbio. Seus óculos estilo aviador eram uma proteção
modesta para a branca e severa claridade do sol do Norte da África. Ao entrar no
deteriorado terminal, Jack passou por uma porta e chegou a um lugar em que havia uma
esteira de bagagem, e mais de cem pessoas aglomeradas em um espaço que já estaria
lotado com a metade delas. Seus companheiros de busca por bagagem, a maioria deles
homens, gritavam em árabe e gesticulavam loucamente enquanto brigavam por suas malas.
O ar estava repleto de moscas e tinha um fedor nauseante de suor ressecado. Jack dava
respiradas curtas pela boca numa inútil tentativa de se livrar de ambos.
Estava alerta desde o momento em que descera do avião, uma reação automática
sempre que Jack chegava a território hostil. Hiperatento e com o semblante sério, todos os
seus movimentos eram pensados, calculados para transmitir por meio da linguagem
corporal que não estava a fim de confusão, mas que também não recuaria caso
acontecesse algo. Jack sentiu os olhares dos estranhos sobre si e sabia que pelo menos
alguns deles estavam armados. Sabia também que todos que o observavam tinham
chegado à mesma conclusão instantânea: americano. Suspeitava que pelo menos alguns
deles desejavam vê-lo morto.
Enquanto esperava pelas malas, Jack avistou um homem corpulento e barbudo de pé
com as costas na parede depois da multidão. Os olhos do homem examinavam
cuidadosamente a aglomeração enquanto seu corpo permanecia imóvel como um lagarto
em um galho de árvore. Estava com uma calça cargo cáqui e uma camisa social azul-
marinho para fora da calça, Jack sabia: para ocultar a arma na cintura. Os olhares se
encontraram por um instante. Jack voltou o olhar para a esteira de bagagens, e o homem
barbudo continuou sem expressão, colado na parede.Quando o ex-SEAL pegou as malas, o homem desencostou da parede, se virou para a
porta de saída e seguiu para a alfândega. Jack o seguiu mantendo uma distância curta entre
eles. No momento em que Jack colocou o pé do lado de fora do terminal, ele e o barbudo
se aproximaram e acertaram o passo. Continuaram sem se falar enquanto o sujeito levava
Jackpara uma caminhonete Toyota coberta de poeira.
Jack jogou as malas atrás e entrou no lado do passageiro. O barbudo ajeitou-se atrás
do volante. Com um único e experiente movimento, ele se abaixou e pegou uma pistola.
-Está carregada -disse ele, estendendo o braço e entregando-a pela coronha.
Jack relaxou quando pegou a arma. Ele estendeu a mão direita e deu um forte aperto de
mão em seu companheiro ex-SEAL e colega de GRS Tyrone Woods, cujo codinome era
"Rone".
- Como é que estão as coisas, irmão? - cumprimentou Rone, com um sorriso
radiante emergindo em meio à barba agrisalhada.
Quando Rone ligou a caminhonete, eles contaram as novidades sobre suas vidas e
famílias, depois deixaram de lado aqueles pensamentos, tal como alianças de casamento
guardadas em caixas. Rone foi em direção à saída do aeroporto que levava a um bairro
nobre chamado Fwayhat Ocidental. O destino deles era o imóvel alugado da CIA
conhecido como Anexo, o centro de operações secreto da agência em Benghazi. A menos
de dois quilômetros do Anexo ficava o local que representava a presença dos Estados
Unidos na cidade: uma propriedade murada conhecida como Complexo da Missão
Especial dos Estados Unidos e que servia como base para os diplomatas do Departamento
de Estado.
Quando a conversa se voltou para o trabalho, Rone informou a Jack sobre as
particularidades do lugar traiçoeiro onde trabalhariam para manter outros americanos em
segurança. Oque se ressaltava na mensagem de Rone era que eles ficariam bem ocupados,
que teriam que permanecer alertas, mas que não havia nada em Benghazi com que eles
não conseguiriam lidar. De alguma maneira estranha, Rone disse, tinha quase gostado do
lugar.
Porém, algo no jeito com que seu velho amigo descreveu Benghazi -uma cidade sem
lei em que não havia ninguém no controle, onde as fronteiras entre os aliados dos
americanos e seus inimigos mudavam e borravam, onde só podiam confiar um no outro
-deu a Jack a nítida impressão de que Rone considerava que aquela seria a mais perigosa
missão deles até então.Jack tinha aterrissado em um país que a maioria dos americanos conhecia apenas por
meio de manchetes perturbadoras. Uma nação no Norte da África praticamente do
mesmo tamanho do Alasca, a Líbia é um vasto deserto com uma pequena faixa de solo
fértil na costa norte. A oeste ficam Tunísia e Argélia, a leste, Egito, e ao sul, Níger, Chade e
Sudão. O país é dividido em três regiões: Tripolitânia, que fica no oeste e cuja capital é
Trípoli; Cirenaica, no leste, cuja capital é Benghazi; e Fezânia, no árido sul. A maioria dos
seis milhões de líbios vive em Trípoli e Benghazi ou nos arredores dessas cidades, à beira
do Mar Mediterrâneo. Cerca de 97 por cento da população é de muçulmanos sunitas.
Uma breve história da Líbia conta com um inventário de invasões por forças externas.
Se um império tem navios e exércitos no Mediterrâneo, a lista de "o que conquistar"
inclui os dois portos mais importantes da Líbia, Trípoli, no oeste, e Benghazi, no leste,
separados pelo Golfo de Sidra. Ao longo do milênio, os invasores incluíram fenícios,
persas, romanos, bizantinos e otomanos. Às vezes, impérios concorrentes dividiam a
criança. Os gregos reivindicaram a área ao redor de Benghazi em 630 a.C, enquanto os
romanos se instalaram perto de Trípoli. Historiadores dizem que os gregos chegaram até
mesmo a dar o nome Líbia, usando-o como termo para descrever a parte que ia do norte
da África a oeste do Egito.
Em 74 a.C. os romanos tinham conquistado o leste da Líbia, unindo temporariamente
o leste e o oeste. Então chegaram os Vândalos, uma tribo germânica que expulsou os
romanos e ganhou o nome por saquearem o leste. Os otomanos invadiram Trípoli em
1551 e governaram a Líbia por mais de três séculos, com limitado sucesso no controle das
sempre tensas tribos do leste ao redor de Benghazi.
Enquanto sucessivos conquistadores dominavam e sangravam a Líbia, duas tribos
árabes saíram do Egito e chegaram às suas areias. Com início no século onze, a tribo Bani
Hilal se instalou perto de Trípoli e a tribo Bani Salim, no leste. A Bani Salim
voluntariamente se misturou e se casou com os berberes nativos ao redor de Benghazi.
Depois de gerações, o resultado foi uma região homogênea, étnica e religiosamente, o que
um historiador chamou de "arabização total" da Líbia oriental.
Durante os anos 1800, os turco-otomanos desistiram da esperança de controlar
Benghazi. Os turcos permitiram que o leste da Líbia existisse como um estado semi-
independente do grupo Muçulmano Senussi, que pregava uma forma pura de Islamismo
sob a qual os seguidores conduziam todos os aspectos de suas vidas de acordo com osensinamentos do profeta Maomé. Enquanto Trípoli e o oeste da Líbia amadureceram e se
transformaram em uma região relativamente moderna, o leste da Líbia manteve os antigos
costumes governados por laços tribais e leis religiosas. Devido a essa divisão, é impossível
entender o presente da Líbia sem contrastar Benghazi com sua irmã maior, mais rica,
mais bonita e secular, Trípoli.
Em 1912, o exausto império otomano assinou um pacto secreto que deu à Itália o
controle tanto do oeste quanto do leste da Líbia. Trípoli adaptou-se ao domínio da Itália,
mas a Líbia do leste lutou contra a colonização, especialmente de um país cristão. Em
1920, os italianos já não suportavam mais. Esgotada pela Primeira Guerra Mundial, Roma
concedeu a Idris al-Senussi, chefe da rígida ordem religiosa Senussi, a autonomia do leste
da Líbia.
Quando Benito Mussolini ascendeu ao poder na Itália dois anos mais tarde, o ditador
fascista queria que Benghazi fizesse parte do seu império. Anos de ferozes combates se
seguiram. Em setembro de 1931, as forças italianas finalmente capturaram e enforcaram o
líder dos guerrilheiros da oposição, Omar al-Mukhtar, um sheik senussi que se tornou
um mártir da independência líbia. Mesmo sem Mukhtar, Mussolini decidiu destruir
qualquer oposição entrincheirada ao redor de Benghazi. Ele construiu uma cerca de mais
de trezentos quilômetros ao longo da fronteira com o Egito e, de acordo com algumas
estimativas, deportou um terço da população civil do leste da Líbia para campos de
concentração. Ele executou mais doze mil.
Com Benghazi sob controle italiano, ondas de trabalhadores chegaram vindas do
outro lado do mediterrâneo. Os nativos árabes foram forçados a executar trabalho braçal,
privados de educação escolar e excluídos da política. A Segunda Guerra Mundial piorou
ainda mais a situação, já que Benghazi foi bombardeada centenas de vezes enquanto as
potências do Eixo e dos Aliados negociavam o controle dos escombros. Pilotos britânicos
fizeram a adaptação de uma canção popular para que ela representasse a carnificina, com
uma letra que continha o verso "Saímos para bombardear Benghazi". Como um animal
por muito tempo sofrendo maus-tratos, Benghazi foi se tornando má e desconfiada.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a Líbia foi dividida entre os britânicos, os
franceses e os americanos. O petróleo ainda estava para ser descoberto, então ninguém
queria responsabilidades coloniais por uma caixa de areia árabe pobre e bombardeada.
Em 1951, os Aliados ajudaram a fundar o Reino Unido da Líbia, uma monarquia
constitucional independente governada pelo líder muçulmano Idris al-Senussi. Otítulo era
melhor do que o trabalho: o rei Idris tinha a soberania sobre o país mais pobre domundo e o menos alfabetizado.
Isso mudou radicalmente em 1959 com a descoberta de imensas reservas de petróleo, o

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⏰ Última atualização: Feb 23, 2016 ⏰

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