Montpellier

Algum mal abriga-se na floresta...

...

Tudo começou quando eu completei quinze anos. Seria ilógico não lembrar a data. 21 de junho de 1484.

Fora tudo minuciosamente planejado...

Em comemoração ao dia do meu nascimento, meu pai havia ordenhado a vaca - que havia ganho do Sr. François - dias antes do aniversário, para fabricar um enorme queijo e presentear-me momentos depois do pôr do sol.

Meus irmãos, Lucas e Matheus, esperavam ansiosamente o banquete que meu pai havia preparado. Lucas estava eufórico, característica pessoal no qual se apresentara desde que nasceu. Eu não possuía nenhum conhecimento do que estava sendo feito. Talvez fora por isso que ele me pediu para ajudar Marine Brevet em suas tarefas domésticas, além disso, teríamos que tingir os tecidos toscados de suas ovelhas com uma nova tintura, retirada da lavoura de beterrabas. Ajudei a nossa vizinha como eu podia, mesmo com uma dor inacabável no "pé de minha barriga". Quanto mais eu trabalhava, mais doente eu me sentia. Eu também demoraria muitas horas na residência de nossa amiga, portanto ele teria tempo suficiente para preparar a janta.

Meu pai chama-se Benjamine e seu sobrenome – assim como o meu – é Bodin. O senhor meu pai é nativo de Montpellier. Minha mãe, Eloise De Freyn, era de Pérols e faleceu cinco semanas depois do nascimento de Matheus, quando eu ainda festejava onze primaveras e Lucas, oito. Bem, eu prefiro dizer que ela morreu a dizer que ela fora morta.

Foram tempos difíceis para a nossa família - principalmente para papa -, que antes possuía uma família quinteto e agora, um quarteto. Mas com a presença e a glória de Deus, meu pai ergueu-se de sua imersão na escuridão e projetou somente luz em seu caminho.

A família de meu pai sempre viveu nessas terras, sobrevivendo da colheita e das demais graças que o Senhor Deus nos presenteava. Milho, arroz, cenouras e verduras eram os alimentos mais comuns que plantávamos durante o ano.

A colheita era dividida em três partes: a menor parcela da apanha era destinada à venda, no qual conseguíamos dinheiro para comprar diferentes bugigangas no centro da cidade, a outra cota era utilizada para a nossa subsistência e a maior era destinada para a igreja, em forma de dízimo. Precisávamos garantir a nossa morada nos céus, ao lado do nosso verdadeiro pastor.

Nós moramos na parte sul da floresta das redondezas de Montpellier.

Assim como todo o resto, nossa casa era rodeada por altos pinheiros e outras árvores coníferas, que mudavam de aparência de acordo com a estação do ano. Hmm... Prefiro lembrar-me de quando era outono, época em que todos nós rolávamos em uma colina repleta de folhas amareladas caídas, que ficava em um local um tanto distante de nossa humilde residência... Nossa querida E humilde residência.

Embora não fosse igual às lindas moradias da cidade, nós tínhamos orgulho de ter aquele conjunto de pedras unidas ao barro, com forro de palhas e galhos de árvores, como domicílio.

... Como eu havia lembrado antes, meu pai vivia aqui desde que foi concebido por pecado. Fato que estava presente nas vidas de seus pais – meu avós, logicamente - e bisavós anteriormente, mas que hoje é de posse exclusiva de meu progenitor: Benjamine Bodin.

Na primavera, brotavam flores de todas as plantas presentes ao redor do nosso lar, que assim como no verão, criavam poços de água fundos o suficiente para que pudéssemos nadar, ao lado da colina. Bem... Nem sempre podíamos fazer isso, já que de vez em quando o Padre Filinto levava as crianças acompanhadas de seus pais para batizar os pequeninos, frutos do pecado inicial, para que – em nome de Deus - fossem purificados. Não era comum esta sua atitude. Não que eu preferisse o batizado na igreja, que era bem demorado, mas o banho da lagoa temporária parecia ser bagunçado, até uns incomodáveis esquilos de pele negra juntavam-se à comemoração de um dos sacramentos da Bíblia, livro que o sacerdote Filinto pregava em outra linguagem para nós. Era tão engraçado que me lembro de levar batidas nos braços para que eu parasse de rir.