Quase todas as noites antes de dormir eu paro um pouco na janela do quarto para namorar a Lua, quando ela aparece pra me ver. Sempre observo as luzes nos oitavos andares dos prédios da vizinhança. Às vezes são apenas os cigarros acesos e contornos de rostos cansados. Às vezes, cotovelos lançados nas sacadas; outras, olhares perdidos fitando o horizonte buscando respostas. Quando não estou eu mesmo com meu charuto ou meus cotovelos, sou do grupo dos que se debruçam pelas respostas. Lembro sempre também alguma música de Belchior, nosso poeta maior, maldito, que canta o pessimismo e a verdade das nossas experiências urbanas. Seja aquela música em que, "no apartamento, oitavo andar" o sujeito abre a vidraça e grita - quando o carro passa - "teu infinito sou eu". Seja outra. Que infinito? Que eu? Cidade, solidão, violência, néon, outdoors, estereótipos e canhões de luz do tipo skywalker? Vai-se saber. Dou de bruços com as inúmeras possibilidades de interpretação dos versos - "ou não", diria Walter Franco, outro maldito. "A solidão das pessoas nessas capitais". Parte de outra música de Belchior. Seria a solitude a maior marca de nossa experiência em grupo? O triunfo da civilização? Tanto progresso técnico para encurtar as distâncias e trazer as pessoas mais para perto só nos ajudaram a ficar mais distantes e indiferentes. Os cigarros e as sacadas - tecnologias da solidão - reinam incólumes. Os cotovelos, aparatos orgânicos de esperar, continuam ativados, na espreita por uma videochamada, uma mensagem de texto, nota nos classificados, ou até sinal de fumaça. Mas os olhares continuam perdidos no horizonte sem se encontrar. Buscando respostas, fechados em si, com medo de perguntar.
YOU ARE READING
Cotovelos na janela
Short StorySempre observo as luzes nos oitavos andares dos prédios da vizinhança. Às vezes são apenas os cigarros acesos e contornos de rostos cansados. Às vezes, cotovelos lançados nas sacadas; outras, olhares perdidos fitando o horizonte buscando respostas.