Capítulo 10

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Se limpar a cozinha do refeitório domingo de manhã já era ruim, limpar o vestiário masculino sábado a noite é pior ainda. Me mandaram para casa agora. Como vim de carona com Sérgio, não tenho como voltar de carro. Abro a mochila e vejo que eu tinha um dinheiro extra lá. Chamei um taxi, dei meu endereço e ele me levou até minha casa.

Quando entro, Celina está sentada na cadeira ao lado do fogão, comendo uma coisa desconhecida.

- Boa tarde, Celina! - Cumprimento-a.

- Boa tarde, filha. - Ela me olha, em seguida olha para o relógio na parede. - Por que já voltou?

Reviro os olhos para a pergunta dela.


- Fui para a diretoria por derrubar minha comida em uma menina e depois respondi feio para minha professora de geografia.

- Anna! - Ela exclama. - Sua mãe já está sabendo?

- Não. - Respondo tentando ser o mais natural possível. Adoro isso. Sempre consigo soar natural quando quero. Apesar de estar com sentimentos estranhos por dentro. - Com essa confusão nem comi nada. Você pode preparar meu almoço?

- Claro. Mas quando sua mãe chegar, a primeira coisa que você vai fazer vai ser contar para ela suas negligências.

- Celina, deixa de drama. Não é a primeira vez que isso acontece. Minha mãe não se importa.

- Mas eu me importo. - Ela levanta e fica do lado oposto a mim no balcão de mármore, me fitando. - Você precisa aprender a ter limites. Sempre faz tudo que quer e a hora que quer. Tem que mudar seu comportamento.

- Você surtou? Qual seu problema?- Celina nunca falou comigo assim. Ela é minha segunda mãe. Sempre participou da minha vida mais que a primeira. Esse era o único motivo de eu não mandá-la embora agora. Eu a amava demais.

- Não surtei e nem tenho problemas. Não mais. Na verdade, meu problema agora é só você. Uma menina veio aqui hoje e falou o que havia acontecido. Me disse que você não gosta dela porque tem ciúmes do namorado dela. Disse que foi por isso que você virou sua comida nela. - Quando ela fala isso, a raiva incontrolável volta a tomar conta de mim. - Ela falou que não quer brigar com você porque a admira muito. Fiquei meio surpresa de ouvir alguém lhe elogiar.

- É mentira. Ela não gosta de mim. Ela me provocou. Por isso fiz aquilo.

- Ora, Anna. Não seja hipócrita. Você com certeza não gosta dela por causa de um menino. Ela disse que ele é o mais popular da escola. Por isso você gostava tanto dele. - Ela suspira e observa a minha expressão. Eu estou boquiaberta com tudo isso. Como ela pôde vir na minha casa? Ela vai pagar por isso. Respiro fundo e com toda calma falo:

- Se eu quiser um menino, eu faço ele rastejar por mim e depois penso no caso dele. Não sou de sentir ciúmes de ninguém. Além do mais, eu namoro o garoto mais popular da minha escola. Prova de que ela está mentindo. Eu não vou mais pedir para você confiar em mim. Eu estou com muita raiva agora, mas não vou descontar em você. Vou pro meu quarto. Quando o almoço estiver pronto, você me chama. - Saio contando até dez, cem, mil.

É claro que ela vai se arrepender por tudo isso.

Droga! Amanhã não poderei ir à escola. Queria tanto dizer umas verdades para Nátalie. Confesso que hoje passei dos limites. Ainda bem que ninguém viu eu perdendo minha postura na diretoria. Aquilo foi o cúmulo. Nunca agi daquela forma. Nunca.

Depois do almoço deitei e dormi a tarde toda. Queria chorar, mas não conseguia. A minha raiva era muito maior do que minha tristeza no momento. Escrevo em meu diário, fico olhando para meu teto e o tédio me consumindo.

- Bernarda, você é chata para passar meu tempo. Preciso sair daqui. Você não tem papos interessantes. - Falo para minha barbie. Bernarda é minha barbie mais antiga. Sou alucinada por barbies. Barbies são consideradas por mim como as revolucionárias dos brinquedos femininos. A maioria das garotas quando crianças ganham panelinha, vassourinha e bonecas bebês. Para mim isso é a sociedade patriarcal que ainda tem resquícios na contemporânea. Meninos ganham carrinhos, bonecos super heróis, essas coisas assim. Os brinquedos de meninas apenas são uma forma, mesmo que indireta, de prepará-las para serem donas de casa.

Pego meu celular para ligar para Jessy. No terceiro toque ela atende.

- Você é inacreditável...

- Jessy, fala sério. Não quero mais falar sobre isso. Preciso te contar o que aconteceu. Vamos naquela boate do centro que sempre íamos antes de conhecêrmos Godava? - Pergunto.

- Achei que a gente nunca mais ia lá. Você nunca mais se divertiu fora da sua casa. Espero que Godava seja uma boate que eu não lembre o nome...

- Te pego em duas horas. - Interrompo-a e desligo o celular.

As vezes eu esqueço que Jessy não lembra de nada a respeito do reino. Eu lembro. De tudo. E o vestido com o qual cheguei em minha casa, depois de deixar tudo nas mãos de Anabella e Henrique é um dos objetos que me lembra de lá. Mas, o que mais dói é olhar para a aliança que nunca tiro do dedo anelar esquerdo. Quando Jorge e eu estávamos felizes. Voltar para cá só fez estragar as coisas. Tudo estava perfeito. Quando penso em chorar, começo a tentar lembrar de coisas boas e isso ameniza um pouco. Visto um vestido preto, curto, colado e brilhoso de aussinha. Passo delineador preto e batom vermelho intenso com efeito matte. Calço uma botinha preta com cadarço da mesma cor. Ela é minha preferida. Tem saltos altos e grossos, o que a deixa mais confortável.

Pego uma bolsinha e coloco meu dinheiro, celular e batom dentro. Desço as escadas cautelosamente para que Celina não me escute. Grudo um bilhete na porta dizendo onde fui e que estou bem, para que ela saiba onde estou e não se preucupe.

Pego meu carro e sigo para a casa de Jessy. Chegando lá, ela já está pronta na porta, provavelmente a mãe dela não sabe que ela irá sair. Ela está linda, usando um vestido cor de vinho e batom da mesma cor.

- Vamos logo que hoje ela está com a macaca. - Ela fala entrando no carro. Acho que está se referindo à mãe.

- Somos lindas meninas e o que vamos fazer hoje? - Falo com intusiasmo.

- Adooroo! Vamos pegar todos os meninos possíveeis! Uhuu!- Ela grita e eu acompanho ela. Esse é nosso lema de boate, mas confesso que hoje não estou tão ansiosa como das outras vezes.

- Nátalie foi até minha casa hoje e falou pra Celina o que houve na escola. Porém, ela acrescentou coisas que me deixaram muito irritada. Celina está brava comigo agora.

- Não creio que ela foi fazer fofoca na sua casa. - Jessy faz uma cara de surpresa.- Você pretende beber hoje?

- Até não aguentar mais.

- Droga! Pelo visto vou ter que ficar só no suco e refrigerante. Já vi que vou ter que dirigir na volta.

- Jessy, não começa. Todo mundo sabe que você não coloca uma gota de álcool na boca.

- Mas eu queria saber a sensação de ficar porre. - Ela fala meio triste.

- Um dia você saberá e espero que esse dia nunca chegue.

- Owm. Você está preocupada com minha saúde. Que fofo. - Ela usa uma voz meio estranha para falar a última parte. Não olho para ela e fico focada na estrada. Finalmente estamos perto de nosso local de destino. Essa noite promete.

Amores FurtadosOnde histórias criam vida. Descubra agora