Capítulo 2

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A primeira vez em que fui àquela padaria, estava meio puto da vida; no meio de uma discussão feia com minha irmã caçula, ao telefone. Lembro de estar tentando convencê-la a voltar para a casa dos nossos pais, já que ela finalmente tinha acabado o relacionamento com o imbecil com quem morava há quase um ano. Imbecil esse que era responsável por causar vários desentendimentos na minha família, com minha mãe em particular, inclusive o que a fizera sair de casa. Mas ela era orgulhosa demais e eu não sabia mais como fazê-la pensar melhor. Tentava já há uma semana. A conversa foi bastante desgastante e eu me vi de extremo mau humor, ao desligar o aparelho, apesar de ter rido de uma piadinha que ela fez no final da ligação. Eu sempre ria das piadas dela, não importava o meu grau de irritação. Devia ser algum tipo de fraqueza e eu devia trabalhar nisso. Perdia totalmente a moral.

Nem me lembro por que havia entrado naquele lugar. Perdi a hora de acordar por ter ido dormir tarde, tentando terminar de ler uns papéis para a reunião das dez horas. E ainda arrumei aquela discussão com a minha irmã, logo cedo. Acho que só queria um local calmo e diferente daqueles a que sempre ia, para pensar um pouco. Queria uma relativa tranqüilidade que os locais habituais não trazem, por estarem sempre cheios de gente conhecida. Acabei entrando por impulso naquela pequena e abafada padaria numa ruazinha no centro da cidade, poucas quadras antes do empresarial em que eu trabalhava. Não tinha muita gente — o movimento era bem escasso e as pessoas que comiam ou compravam seus pães ali pareciam não ter horário para nada —, nem o ar artificial e estéril de ar condicionado. A atmosfera era parada, quente e cheirava a pão e alguma coisa doce. Caramelo, talvez. Mas parecia tudo bem limpo e organizado, como se as pessoas que ali trabalhavam amassem o que faziam e zelassem por aquele local. Era o lugar perfeito para passar um tempo sem ser incomodado. Tudo o que eu queria.

Estava pensando sobre a discussão, quando levantei o olhar e me deparei com um par de olhos curiosos e grandes. Ela logo desviou o olhar, um pouco embaraçada, e eu não pude deixar que um estranho interesse me invadisse. Chamei-a:

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Ela pareceu assustar-se com minha voz; devia estar tão distraída quanto eu. Como estava olhando para mim, suspeitei de fazer parte ou de ser o objeto de estudo. Gostaria de saber o que estava pensando, mas tinha uma leve desconfiança de que ela não encararia favoravelmente uma pergunta direta.

— Certamente. Só vai demorar um minuto.

Observei-a com mais atenção. Como eu não a vira, logo que entrei? Deveria estar mesmo bastante distraído, ou talvez precisasse ir com urgência ao oculista, porque não devia estar enxergando bem. Era bem pálida, com feições delicadas, cabelos castanhos claros presos em um coque e olhos cor de café. Não podia ver seu corpo naquele uniforme de padaria vários números maiores que o dela, juntamente com o avental meio cheio de tecido, mas parecia ter as curvas nos lugares certos. Além de linda, mesmo sem nenhuma maquiagem, ela possuía um sereno ar de desafetação ou mesmo desambição, como se negasse toda a malícia do mundo. Como se afirmasse que, dentro da sua própria cabeça, com seus próprios pensamentos, nenhum problema pudesse ser grande o suficiente para afetá-la. Uma expressão etérea. Era estranhamente fascinante e eu não consegui desviar os olhos. Encontrei-me contagiado por aquela espécie de aura de súbita tranquilidade.

Por algum motivo, me veio à cabeça a minha irmã. Não por se assemelhar a ela, mas pela expressão pensativa com que parecia falar consigo mesma, enquanto fazia o café. Lembro de minha irmã, quando criança, brincando pela casa com suas bonecas, contando histórias para si mesma e sonhando acordada. Eu era capaz de ler nos seus olhos cada sonho que lhe passava pela cabeça. Bem, isso era antes. Agora, minha irmã crescera e tornara-se complicada demais. Senti meu humor piorar outra vez.

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