Pricila puxou um sorriso no canto da boca. Sua mãe continuava falando no ritmo do vai e vem da agulha adornada com a linha vermelha, nem sequer percebia a distração da filha. Um estrondo vindo da direção da porta interrompeu o sermão da mãe e os pensamentos de Pricila assustando-as. Ela se levantou do sofá enquanto sua mãe dobrava o bordado. Cruzou a sala, olhou através da cortina da janela e viu que o céu já havia escurecido, mas seu tio ainda não havia chegado. Sua mãe se levantou e perguntou quem haveria de ser tão tarde do dia, e sem aviso prévio. Pricila afastou-se da janela em direção a porta, sua mãe esperava ela atender. Um medo invadiu-lhe ao tocar a maçaneta fria, algo parecia gritar dentro de si que aquilo não terminaria bem. Uma sensação ruim foi crescendo e invadindo seu ser, ela exalava tensão...
Queria retardar o momento crítico, mas outro murro inesperado assustou-a novamente a tirando do transe e obrigando a adiantar-se. Se enchendo de uma coragem que não tinha, lutou contra seu corpo pesado e enrijecido, se esforçava para liberar seus músculos. Tentando, inutilmente, construir uma feição amedrontadora, girou a maçaneta e a puxou, meio indecisa quanto a velocidade que deveria usar. Sentiu o vento em seu rosto e finalmente o mistério veio a ser desvendado, contudo ela pode contemplar uma cena que a deixou paralisada de espanto. Seus olhos se arregalaram e sua boca abriu-se sem consentimento. O chão não estava sob seus pés, e seu espírito fugiu naquele instante.Diante de seus olhos cor de mel claros uma figura que era quase sua cópia perfeita. No entanto possui a traços bem distintos. O cabelo extremamente liso loiro estava desgrenhado, o vestido de seda azul todo rasgado, sujo de terra e de poeira da rua, a manga do ombro direito arrancada expondo até metade do colo, e linhas escarlates, arranhões, na verdade, se destacavam por toda a pele branca. Seus olhos se esforçavam para permanecerem abertos, os leves movimentos do tórax indicavam que ela se engasgava com o ar na tentativa de respirar, ela apoiava sobre a mão que segurava o mastro, tentou erguer o rosto e dar um passo, mas suas forças eram escassas, e caiu antes de conseguir se mover. Pricila, ainda pasmada e paralisada na porta, por instinto estendeu os braços para pegar sua irmã Patrícia que acabara de desmaiar.
Pricila e sua mãe passaram a noite cuidado de sua irmã que ardia em febre, tremia e suava de uma forma que ninguém entendia e nem sabia o porquê. Pela manhã ela melhorou. E Pricila adentrando o quarto resolveu abrir as cortinas para clarear o ambiente. O sol logo invadiu indo de encontro a Patrícia, que se contorceu de dor e começou a tremer outra vez. Pricila, desesperada chamou sua mãe, que apressadamente se apresentou, e vendo que Patrícia estava febril novamente fechou as cortinas e foi buscar uma bacia de água fria.
Passado o caos da manhã, a tarde seguiu tranquila. Pricila se manteve sentada junto a porta do quarto de sua irmã esperando que ela acordasse. Com o cair da noite a agonia iniciara-se outra vez. A cada instante a situação complicava, Patrícia se encontrava pior, estava empalidecendo e sua mãe desesperada pensava no irremediável. Pricila no meio de tudo aquilo, estava enlouquecendo com aquele clima na casa. Seu espirito quebrado não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo. Os olhos de sua mãe estavam inchados e vermelhos com olheiras roxas, o sofrimento dela era nítido e desastabilizava-a. Seus olhos não estavam diferentes, as poucas vezes que ela perdeu a esperança lágrimas rolaram sem permissão. Estava nervosa, lutando contra o desespero, as vezes sentia vontade de puxar os cabelos, temia que algo ruim acontecesse, embora a irmã a odiasse fortemente ela não nutria o mesmo sentimento. Ela se retirou do quarto, mal sentia os pés tocando o chão, estava exausta, se arrastou para a biblioteca que sempre lhe serviu de refúgio, contornou a mesa de madeira maciça adornada nas laterais e sentou-se na poltrona verde. Seus olhos contemplaram o pequeno caderno de capa dura sobre a mesa na base da pilha de livros tal qual ele deixara na sua última estada ali. Puxou o caderno, pegou uma das canetas no porta-canetas e começou a escrever...
★★★17 de Agosto de 1952
Estou muito agoniada! Patrícia se encontra num estado pior do que se pode descrever. Noite passada ela chegou toda machucada, mal se aguentava de pé. O vestido dela estava num estado depredável, o cabelo todo desgrenhado. Ela que sempre se preocupou em estar perfeita.
Mesmo ela sendo tão arrogante não pode ter se envolvido em briga. Nossa, ela desmaiou nos meus braços. Passou a noite sofrendo um tipo de convulção e hoje ela piorou mais. Está ficando pálida, parecendo morta e a febre cada vez mais alta... Sinceramente estou preocupada, e o desespero da minha mãe está me enlouquecendo. Ela sabe que não é fácil arranjar médicos por aqui.
Se eu pudesse falar com Daila, desabafar com ela. Certamente ela me ajudaria a passar por tudo isso. Mas não a vejo desde ontem, estou presa aqui, sem poder ir a academia, nem sair de casa.
A situação é mesmo lamentável e não há nada que eu possa fazer. Não consigo imaginar de que mal Patrícia está sofrendo. Estou tão desnorteada que tudo que pude fazer foi vir pra biblioteca escrever nesse meu diário.
Tenho que ir, minha mãe precisa de mim!
★★★
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Lágrimas de Sangue
Vampire"Cada vez que Pricila ouvia os estrondos esforçava-se para correr mais rápido, como se estivesse fugindo de algo. E de fato fugia, era a fome, sim a fome a perseguia e ela tentava lutar contra. Ela sabia que jamais venceria, mesmo assim tentava. Só...