Capítulo Único

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     " — Bom dia, queridos telespectadores! — disse a mulher com seu sorriso dissimulado. Sua falsa simpatia era sua garantia para estar no comando do programa por tantos anos. Ela não desconfiava que seria demitida no dia seguinte, os seus 'queridos' telespectadores podiam sentir através do televisor sua antipatia, e ninguém imaginaria que aquela seria sua última aparição antes de sua trágica morte. Morreu da forma que mais ansiava: ainda linda. — Em nosso adorável programa de hoje, contaremos com a presença do renomado escritor de livros do nosso país: Edgar Horácio Bolívar!!"


     Na tela de milhões surgia a imagem de um homem alto e esbelto, parcialmente calvo e com seus poucos cabelos grisalhos, vestido como um avô: paletó marrom, colete verde, óculos de aro redondo, calça social marrom claro e sapatos marrons. Dos poucos passos que teve de dar do início do palco até a poltrona onde ficaria sentado por um tempo, o senhor andou calmamente. Cumprimentou a jovem com um polido beijo em sua mão e sentou-se confortável, com as pernas cruzadas, a esquerda sobre a direita. Como a postura diz muito sobre uma pessoa, mas não tudo, cada qual tirou sua conclusão, os telespectadores o julgaram alguém reservado; a entrevistadora, nervoso. Ele estava na defensiva.
Seus pensamentos voltavam-se para duas preocupações que o consumiam, uma de largo prazo — qual fim dar a personagem principal de seu novo romance policial —, e uma a curto prazo — não dar informações demais sobre o novo livro, ele detestava os leitores ansiosos que prezavam mais o fim de uma história do que a sua evolução.


     " — Diga-nos, Edgar. — ela pensava que, como entrevistadora, podia perguntar o que quisesse se o entrevistado lhe permitisse chamá-lo pelo primeiro nome, estava errada. — Com que idade começou a escrever?
— Vejamos... Pode-se dizer que foi nos finais de minha adolescência, quando ainda cursava a faculdade.
— Cursou Letras, não é verdade? Gostava de ler e escrever, imagino...
— Ler não era problema algum, escrever era impossível para mim! — ele riu.
— Acredita que a escrita seja um dom, Edgar?
— Não. Mas meu professor acreditava fielmente, e por causa dele, quase desisti do curso..."


     Ed. Simplismente. Não gostava que ninguém o chamasse por outra coisa que não fosse o apelido, julgava-o muito maduro para alguém tão jovem.
As roupas que usava era o que o dinheiro conseguia comprar: calça social, sapatos pretos, camisa social branca, casaco simples. Pensava que quando fosse velho e rico, compraria roupas o suficiente para manter-se verdadeiramente quente durante os meses de inverno. Frio nunca mais. Tempo que demoraria ainda a chegar.


     Fazia pouco tempo que tinha sido o primeiro em sua pequena família a entrar na faculdade, Letras — não impressionava muito o pai que preferia Direito, não enobrecia a mãe, que sonhava com o filho em Medicina. Assim, quando o filho encontrou-se um tanto desiludido pelo curso por sua falta de jeito para transpor seus pensamentos no papel, ele recorreu aos dois irmãos mais velhos.


     Lenita e Cândido tinham um discurso parecido. Sempre tiveram. Pudera, eram gêmeos!
O conselho deles de que Ed deveria manter seu sonho de formar-se em Letras era bonito de se falar, mas para Ed era inútil de se ouvir. Não queria saber o que fazer, mas sim como fazer. Seu maior pesadelo aproximava-se, o professor Caleb exigia sempre de seus alunos um bem trabalhado conto, poucos alcançavam o que ele esperava, muitos eram retidos e abandonavam o curso. Ed precisava passar a qualquer custo. Não havia injustiça maior em ter de abandonar o curso por não saber escrever bem contos, nem queria viver disso!

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⏰ Última atualização: Mar 03, 2016 ⏰

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