De todos os fins, os últimos sempre lhe pareceram os mais dolorosos, os mais palpáveis. Ainda era capaz de sentir suas palavras, as dela, todas as coisas ditas e não ditas, fossem elas pelos lábios ou por meros gestos.Fabiana, sua Fabi, lhe era um enigma de olhos dourados. A caça ao tesouro com vinte e oito pistas que penava a desvendar a fim de avançar - uma para cada ano em que viveu na terra. Foi sua algoz e salvadora ao mesmo tempo: a prendeu nos jogos sujos e nos encantos fáceis; a libertou em cada toque, cada beijo e olhar. Tinha o dom de confundi-la, de deixar obscurecidas as intenções.
Ela a amava na mesma intensidade que odiava.
Não sabiam lidar uma com a outra por muito tempo. Haviam períodos em que Fabi a enlouquecia, a largava desnorteada e voltava - a cura e a doença. Todo mundo dizia que era um relacionamento fadado ao fracasso, e estavam certos. Não se suportavam e a todo momento caminhavam para isso: o fim.
Era isso. Acabava. Doía. Recomeçava. Ciclos intermináveis. Uma conexão inquebrável; disso as pessoas também sabiam.
Dessa vez, Fabiana quem partira e abandonara Helena. Sua amiga, Suzana, dissera ter visto o enigma se atracando em uma festa com a prima do Jolu, Mabi. E não era a primeira vez. Elas já estavam saindo desde algumas semanas depois do término, não que Helena tivesse procurado se informar. Eram apenas informações que surgiam "ei, soube que vocês terminaram" "poxa, eu acho que ela tá ficando com uma garota" "elas até que fazem um casal bonito. Ah... ela é sua ex?" "Fabizinha tá bem pegando uma morena peituda" "eu vi ela na casa da Miumiu, agora ela vive lá com Mabi" "eu acho que Mabi foi morar com ela no apê". Ninguém, absolutamente ninguém, a poupava de saber como estava a vida de sua ex.
Será que ela também sabia da sua? Talvez tivessem contado os fatos patéticos "ela tava chorando escondida no banheiro da Suzana" "soube que ela adotou mais dois gatos" "Leninha ficou bêbada e a gente teve que tirar o celular dela pra ela não te ligar". Sinceramente, esperava que não.
Desde o último término, faziam quase nove meses inteiros. Nesse tempo, Fabi construiu um novo relacionamento, se permitiu amar alguém fora do que elas tinham: quebrou o ciclo e a ligação.
Bom para ela, Helena gostava de pensar quando estava um dia legal. Nos outros, apenas chorava por saber que não teria mais café na manhã na cama aos domingos, que não a veria mais cantando Black Eyed Peas bem alto no chuveiro, nem que teria as sessões prolongadas de dor e sofrimento quando Fabi resolvia esquentar a cera e usava sua namorada de cobaia, depilando suas pernas. Agora todas essas coisas eram de Mabi, que sequer sabia que Fabiana era alérgica a pólen e a frutos do mar, ou que sempre que caia uma tempestade, corria para chuva e dançava até as roupas se ensoparem.
Agora, não havia mais nada para ela. Apenas algumas lembranças perdidas do que jamais seria, a dor de ser deixada para trás e uma bússola, que como todas, sempre apontava para o norte.
Helena era o sul e estava longe demais.
* * *
De todos os fins... Não, não vamos recomeçar essa história.
Era uma vez um amor. Era uma vez a paixão. Era uma vez duas garotas que se encontraram em uma primavera repleta de possibilidades.
Vinte e um anos e o mundo pela frente e pelas costas também, por quê não? O fim da faculdade e aquela certeza quase que infantil de que era agora que sua vida mudaria. Fabiana sempre foi positiva nas coisas que acreditava e que queria; Suzana era uma delas. Passou dois meses inteiros tentando fazer com que a colega de turma de seu amigo, Renan, saísse com ela. Frequentou os lugares que a loira frequentava, conheceu as pessoas com quem se divertia, sabia de cor a hora em que ela passaria pelo corredor da faculdade para encher a garrafa de água. Só não contava com um fator surpresa.