Era um daqueles dias em que tudo parecia dar errado e a única coisa que eu queria fazer era chegar em casa e dormir. E agradeço todos os dias por ter feito isso, pois essa foi a primeira vez que ela apareceu em meus sonhos. Seu rosto ainda estava embaçado, mas a sensação que ela me causou marcou minha vida a partir daquela noite. Não teve um dia em que eu não procurasse aquela mulher em todas as mulheres da cidade, cheguei até a pensar que estava começando a ficar paranoico. Até que um dia, assim do nada, ela apareceu em meu bar.
Era sexta à noite e o bar estava quase lotado. Janet estava atendendo os bêbados no bar enquanto eu estava sentado encarando minha cerveja, tentando não encarar a mulher à minha frente.
- Você vai ter que me encarar mais ou cedo ou mais tarde. – Melanie Carmaichon, minha namorada há exatamente oito anos, quase nove, disse. Eu estava fugindo de Melanie desde que os sonhos começaram, não era que eu não quisesse vê-la ou coisa do tipo, era apenas que eu não sabia explicar o que eu estava sentindo. No caso, o que eu não sentia já algum tempo.
Mel era uma garota incrível, eu sabia disso, mas qual era a razão de continuar um relacionamento quando eu já não sentia o mesmo? Não era que não fosse mais amor, mas era outro tipo de amor, aquele de amigo.
- Eu não sou burra, eu sei o que está acontecendo. Eu só preciso que você me diga. – foi a primeira vez que eu a olhei nos olhos. – Você não me ama mais, certo?
- Não é que eu não te amo mais, é só que não é mais aquele amor de antes, entende? Faz um tempo que não é.
- Então você preferiu me ignorar em vez de dizer o que estava acontecendo?
- Eu precisava de um tempo pra pensar, colocar as ideias no lugar e fazer isso do melhor jeito para que nenhum de nós saíssemos machucados.
- Acho que é um pouco tarde para isso. – ela cruzou os braços.
- Eu sinto muito, Mel, sinto mesmo. Gostaria que as coisas fossem diferentes, mas não se manda no coração.
- Então é isso, você se apaixonou por outra? Simples assim! Vai jogar fora oito anos de relacionamento por uma vadia que você praticamente não conhece?
- Mel, por favor!
- Por favor coisa nenhuma! Oito anos, Tyler! Oito anos! E você está jogando tudo fora.
- Você queria que eu ficasse com você mesmo não a amando?
- Sim! Lembra quando você me fez juras de amor e disse que nós íamos nos casar? Aquilo foi tudo conversinha pra me seduzir?
- Mel, eu realmente te amei, mas às vezes, na vida as coisas acontecem. Você acha que não dói em mim saber que eu estou te machucando? Claro que dói! Mas eu prefiro terminar com isso logo a te magoar mais ainda.
- Isso? Agora nosso relacionamento virou isso?
- Mel, não foi isso que eu quis dizer. Eu só...
Foi uma questão de segundo como tudo aconteceu. Eu desviei a atenção de Mel para a entrada do bar e foi aí que ela apareceu. Sabe aquela parte clichê de todos os filmes quando o mundo para pra alguém? Foi exatamente isso que aconteceu. Usava uma jaqueta de couro por cima do vestido que mais parecia um blusão e meias sete oitavos. Foi em direção a Janet e ele apontou para um senhor deitando no balcão. Eu conhecia aquele senhor, era o velho Gary que sempre estava no bar de domingo a domingo, eram raras as vezes em que ele não saia daqui bêbado, muitas das vezes Jannet era quem o levava para casa em forma de favor a uma amiga. Espere um segundo, Jannet e a garota dos meus sonhos eram amigas?
-Tyler! – ela estalou os dedos na minha frente fazendo com que eu olhasse pra ela – Está me ouvido?
- Oi. – olhei para ela – Estou, claro que estou.
- A nossa conversa...
- Eu já falei tudo que eu tinha que falar, Mel, se você não gosta da minha decisão, paciência.
- Mas, Harry...
- Desculpa, Melanie, mas acabou! – me levantei ignorando os gritos da minha agora ex-namorada.
A garota passou o braço do senhor em seus ombros, o arrastando para fora do bar.
- Ei, quer ajuda? – falei, me aproximando dela.
- Não precisa. – ela disse, sem olhar para trás. Um cara entrou no bar e segurou a porta esperando que ela passasse. Ah, ela não iria me escapar dessa vez.
Sai do bar a tempo de vê-la fazer sinal para um táxi.
- Eu posso te dar uma carona, se você quiser.
- Não preciso de ajuda, sei me virar sozinha. – ela respondeu, colocando o senhor dentro do taxi. Virou-se para mim e quando seus olhos pairaram sobre mim, olhou-me surpresa.
- Ainda dá tempo de aceitar minha ajuda. – sorri de lado. Qual garota resistia a um sorriso de lado de Tyler Mathewson?
- Acho que você já fez o suficiente providenciando toda a bebida. – ela cruzou os braços.
- Desculpe.
- Não precisa, sei que você precisa fazer dinheiro nessa economia fodida, Mathewson. – ela disse abrindo a porta do passageiro.
- Com você sabe meu nome?
- Se você se esforçar um pouquinho, aposto que você consegue se lembrar, bonitão. – ela entrou no táxi e desapareceu, tão rápido como apareceu, mas eu sabia que aquela não seria a última vez a veria.
Entrei no bar novamente, indo em direção ao balcão. Jannet olhou para mim com cara de poucos amigos.
- O que você quer? – ela perguntou, impaciente.
- Quem era aquela garota, Jannet? Você a conhece?
- Sim, ela é minha amiga.
- E você nem pra me falar?
- Não sabia que era minha obrigação. – ela apoiou as mãos no balcão – Você não lembra dela?
- Lembrar dela? Ela já veio aqui antes?
- Ela estudou com a gente.
- O que? Você só pode estar brincando. Impossível, eu não lembro dela.
- Claro, você vivia com a cara enterrada nos peitos da sua namorada. – ela riu antes de continuar: – Ela estudou uns 4 anos com a gente, ficava sempre na dela e não gostava de chamar atenção. Ela é da Austrália, sua mãe é de lá, mas veio morar aqui logo depois que sua irmã nasceu. Perdeu um bocado do sotaque por conta de ter vindo pras Américas cedo. Foi embora logo quando se formou e, claro, voltou depois que sua mãe morreu. Alguém tinha de cuidar da pirralha.
- A mãe dela morreu?
- Sim. Deixou um velho bêbado e uma irmã pequena pra trás, Celine se formou meses antes porque queria vir cuidar da irmã. Você conhece o velho, vem fornecendo a bebida dele por um bom tempo.
- Então é por isso que eu consegui ver seu rosto, eu já o tinha visto antes. – falei para mim mesmo.
- O que você está murmurando ai? Odeio quando você faz isso.
- Celine, esse é seu nome? – ela assentiu – Está bem. – eu estava prestes a sair do bar quando Jannet me chamou outra vez:
- Mathewson, espere um segundo. O que você quer tanto com ela?
- Nada. – respondi, me sentando no banco.
- Ah, tá certo, conta outra. Diz logo.
- Se eu te contasse, você não ia acreditar.
- Então me conta porque eu não vejo a hora de ficar desacreditada.
- Você lembra que eu disse que tenho sonhado com uma garota há alguns meses quase todas as noites?
- A que você disse que abandonaria tudo se a encontrasse?
- Essa mesmo. – ela me olhou esperando que eu continuasse – É ela.
-Tyler, vai atrás da sua namorada que é o melhor que você faz.
Eu tinha esquecido completamente de Melanie. Olhei para mesa onde estávamos, e Melanie já não se encontrava mais lá.
- Ela foi embora pela outra porta e estava bem puta. – Jannet se virou para as prateleiras de bebida.
- Eu entendo, Mel e eu terminamos. – ela me olhou assustada, quase derrubando umas garrafas de uísque.
- O que? Você terminou com sua namorada por uma garota que você nem ao menos conhece só porque sonhou com ela?
- Nós estudamos juntos, você mesmo disse.
- Você nem lembra dela, Mathewson. Você não pode decidir sua vida porque sonhou com ela por algumas noites.
- Por que não? Por que eu não posso fazer uma coisa espontânea? Porque eu não posso ir atrás dessa garota e chamá-la para sair comigo? Por que não posso conhecê-la melhor?
- Porque você é Tyler Mathewson, sua vida já está toda decidida.
- É mesmo? Não por mim.
- Tyler, a única coisa que a Celine precisa na vida é mais problema e você é problema. Tipo nível hardcore.
- Por quê?
- Você sabe porquê. Sua mãe é uma psicopata, quando ela descobrir que você terminou com a queridinha dela pra ficar com uma garota que você mal conhece, pode apostar que ela vem aqui te forçar a voltar.
- Minha mãe não pode decidir minha vida por mim ou me forçar a nada.
- Se isso te faz dormir à noite, então continue dizendo isso a si mesmo. – ela parou – Tyler, isso é só fogo de palha. Você sonhou com ela, acha que ela pode mudar sua vida, mas na verdade isso aí é só uma maneira de você sair dessa sua vida medíocre de filhinho da mamãe.
- Eu não sou filhinho da mamãe.
- Claro que é, Mathewson. Você faz tudo que sua mãe manda, ela até te obrigou a fazer faculdade de direito e você fez o que? "Claro, mamãe, vou trabalhar com você!" – ela imitou minha voz – A única vez que você fez uma coisa contra a vontade da sua mãe foi quando decidiu dar continuidade a esse bar e parece que você gastou o pote inteiro com isso.
- Você não conhece minha mãe, Jannet.
- Pior que eu conheço, Tyler, minha mãe trabalhava pra ela e eu devo ressaltar, ela tinha muito a dizer, coisas que você não iria gostar. – Jannet olhou para mim – Desculpa, eu não queria falar isso da sua mãe.
- Está bem, não é nada que eu não tivesse escutado antes. – minha mãe não era exatamente uma pessoa adorada pelas pessoas. A maioria delas tinha medo dela por conta do poder que ela exercia nessa cidade.
- Você deveria ir para casa, amanhã é seu dia de abrir o escritório. – Jannet não era apenas minha sócia no bar, também trabalhava como uma das advogadas da firma que eu abri em parceria com a dos meus pais. Jannet cuidava mais da parte ambientalista, eu da parte empresarial.
O bar era do meu avô, quando criança ele sempre me trazia aqui para jogarmos na sua antiga sala de jogos que ficava na parte de cima. Minha mãe odiava a ideia, mas não podia ir contra seu próprio pai.
Quando meu avô morreu, deixou o bar em meu nome para caso um dia eu quisesse continuar seu legado. É claro esse sempre foi meu sonho, porém minha mãe tinha outros planos, e eu, claro, os segui.
- Está bem. – peguei a chave de dentro do bolso – Jannet. – a chamei fazendo-a olhar de novo para mim – Eu não vou desistir da Celine, não sem antes conhecê-la melhor.
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Austrália
Short StoryTyler Mathewson precisava respirava novos ares e, para sua sorte, Celine Hart era exatamente o tipo de ar que ele precisava.