A CRIA (CAPÍTULO ÚNICO)

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Em um castelo abandonado no alto de uma montanha, em suas masmorras, a criatura vivia. Entre espaços estreitos e portas de metal enferrujadas, abaixo da história de um rei esquecido, ela construiu o seu lar. Ao redor da montanha, forrando a planície por extensos quilômetros, a floresta do Silêncio reinava absoluta, tornando sua travessia uma tarefa hercúlea.

A vil predadora espalhava sua presença pelo seu domínio. Rasgões de garras nas paredes, teias de aranha no teto, e restos de ossos de variados cardápios jogados no chão pelos corredores sinuosos e estreitos. Os túneis eram um labirinto de loucura. Negros e vazios. Úmidos e rançosos. A luz era uma presença cativa, surgindo de fissuras praticamente invisíveis, que escapavam das paredes bolorentas. O cheiro ácido aniquilava os pulmões mais frágeis, e facilitavam a morte.

De teias invisíveis, espalhadas pela floresta, ela obtinha conhecimento das suas vítimas. Um dos sinos repicou em seu tímpano, e as navalhas em sua bocarra salivaram. A gosma prateada caiu no chão. Sua cabeça delgada saiu do buraco, e os cabelos lisos como uma manta negra ondularam.

- Comida. – vociferou.

A criatura saltou, cobrindo vários metros, e aterrissou suave no topo de uma árvore, que mal sentiu o peso. Um fio duro como aço espirrou do seu ânus, e ela desceu lentamente de cabeça para baixo até alcançar o chão. Colocou seus oito tentáculos na terra e esticou os músculos dos braços leitosos. Avançou ágil, e logo alcançou trechos de conversas. Perto da trilha da floresta, onde longas árvores se enfileiravam, empoleirou-se em uma e lá espiou. Viu duas carroças cobertas por lonas e vários mercenários, rindo e conversando.

O monstro se moveu com destreza, arremetendo-se de um galho a outro, as pernas bailando abaixo de si, em sinistra sincronia. Há quanto tempo que não se deleitava com carne humana? Ou procriava com um macho daquela espécie? Em seu íntimo, ela gargalhou em triunfo. O seu corpo se contorceu de forma lasciva, balançando os seios fartos de aureolas cinza. Aguardaria pela noite.

***

O grupo viajante acendeu uma fogueira para passar à noite na floresta do Silêncio. Eram dez homens e quatro mulheres, destes, alguns já dormiam nas barracas e outros estavam sentados ao redor das chamas, conversando.

- É muita coragem estarmos aqui, na temível floresta do Silêncio. – falou Jacob, um homem alto e corpulento.

- Agora sei porque ela tem esse nome. Ela é silenciosa como a morte. Não ouço nem mesmo um grilo. – falou Cassandra, cabelos curtos e músculos desenvolvidos por trabalhos braçais.

- É muita ousadia mesmo. – disse Keltset, um homem gordo e de cabelos espessos nos braços. – mas esse é o caminho mais rápido para a cidade de Kolt. Ou era esse caminho cercado de lendas e estupidez, ou mais um dia de viagem.

- Prefiro este caminho mesmo. As lendas dos velhos não passam de piadas para crianças dormirem. Não tem nada demais. O caminho continua livre, e as árvores são espaçadas o suficiente pela trilha para não cobrir o sol. Será fácil a travessia.

- Concordo, Cassandra. É uma pena que o brucutu do seu namorado não veio conosco. – disse Jacob com um sorriso brincalhão. – Gravius ficou muito triste com sua partida.

E todos ao redor da fogueira gargalharam. Cassandra ficou ruborizada.

- Nós não somos namorados! – ela retrucou. – somos apenas amigos. Ele é um ótimo guerreiro, se não o melhor dentre nós, e o mais leal também, mas não existe qualquer sentimento além da amizade.

- Não é isso o que ele pensa, garotinha inocente. – gargalhou Keltset arrancando um pedaço de carne com os dentes. – apesar de ser um cara muito sinistro, e nunca tirar aquele maldito elmo estranho da cabeça, ele é perdido de amor por você. Caia na real, garotinha. Pense em todos os momentos que ele passou contigo. Tem certeza que ele não sente nada?

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