Capítulo V - Jessie: Resgate

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Eu estava há alguns meses sem emprego, acordei tarde, tomei o café da manhã e sentei ao computador, tarefas da casa me aguardavam, mas eu tinha o dia todo para isso então preferi ler meu horóscopo: "Trabalho: Seu espírito corajoso encontrará apoio entre colegas para realização de um projeto diferente - Amor: Modere seus gastos com a pessoa amada - Saúde: Descanse mais", essas previsões não eram nada sensacionais como "Um bom dia para jogar na loteria" ou "Possibilidades de receber um pedido de casamento" mas não eram ruins. O passo seguinte da minha senda de desempregada era a leitura de e-mails, foi então que vi a mensagem de Eddie, começava com a costumeira reclamação sobre minha dificuldade em atender as ligações dele, pulei o parágrafo e o que li em seguida me preocupou, o hospital estava cercado pela polícia e ele suspeitava que houvesse um bandido lá dentro, estavam trancados no setor.

Tentei me distrair, mas fiquei preocupada, de que adiantariam as portas se houvessem bandidos armados lá? Tentei telefonar mas passou a ser ele a não atender, a cada tentativa eu ficava ainda mais ansiosa. A falta de notícias me fez tomar uma decisão, iria até o hospital, mesmo com a entrada impedida, deveria ter alguém do lado de fora com maiores informações, só assim eu me tranquilizaria.

Chegando lá, vi uma aglomeração de pessoas, destas que sempre se formam ao redor de infortúnios, como formigas se alimentando de um doce no gramado. É estranho o poder de mobilização que tem as calamidades, mesmo aqueles sem envolvimento aparecem para testemunhar o flagelo alheio, com celulares em riste, tiram fotos, fazem filmes, se preocupam em provar que testemunharam o malfadado fato muito antes de se perguntar se podem ajudar de alguma forma.

Passei pela turba até chegar a um cordão de isolamento, esperei por muito tempo ali, parada, vendo a movimentação inesperadamente tranquila.
Quando alguns policiais se aproximaram do bloqueio, pedi informações mas eles pareciam não saber o que dizer, provavelmente o encarregado da operação ainda não havia combinado qual a meia verdade que poderia ser dita ao público. Com jeito, consegui que um deles me dissesse, aquele isolamento não era o que Eddie e seus colegas pensavam, a motivação daquele isolamento era questão de saúde, a polícia aguardava a chegada de técnicos do ministério para averiguar um alerta de infecção, depois disso as pessoas seriam liberadas.
Me tranquilizei, Eddie trabalhava no prédio administrativo, era pouco provável que corresse algum risco, por mais que aquilo parecesse muito serio. Imaginei que ele estivesse bastante atarefado, com certeza entraria em contato logo que fosse possível.
Mal um problema estava aparentemente resolvido e outro surgiu, a mistura de preocupação, curiosidade e pressa havia escondido, até aquele momento, a fome. Passei pela multidão que diminuía à medida que o motivo do cerco se espalhava, seguia em direção à uma lanchonete próxima quando ouvi, bem fraco, um barulho vindo do hospital que logo se repetiu. Não tive dúvidas de que eram tiros.

Voltei em disparada até os policiais, mas eles permaneciam quietos, falei sobre os ruídos e a resposta foi de que estavam em contato direto com a equipe de segurança do hospital e tinham certeza de que estava tudo tranquilo lá dentro e as pessoas continuavam trabalhando. Eu conhecia bem o som, por insistência de meu pai fiz um curso de tiro, mas me convenci de que estava enganada, afinal não fazia sentido mentirem. Mesmo assim, fui fazer minha refeição incomodada, lá no fundo o sexto sentido insistia em dizer que havia algo errado.

O estabelecimento era pequeno, muito limpo e organizado, apenas duas pessoas trabalhavam ali àquele horário, um rapaz com cara de quem não queria estar lá e uma garota, a quem pedi um hambúrguer, não era o planejado, mas no momento me faltava apetite para uma refeição mais elaborada. Segui para mesa enquanto ele preparava o meu pedido, e um comentário que o ouvi fazer me deixou desconfiada de toda aquela situação, realmente eram policiais demais para fechar um hospital que já contava com uma equipe de segurança.

Estava distraída com estes pensamentos e não percebi a aproximação de um senhor até que se sentasse ao meu lado, era calvo, olhar cansado, trazia consigo uma bíblia e antes que eu pudesse dizer algo, falou:

"-Foram tiros o que ouviu! Eles sabem mais do que dizem, algo muito ruim está acontecendo lá, minha mulher está neste hospital e me telefonou, ela me disse que demônios tomaram o corpo das pessoas, elas estão completamente descontroladas. Tentei falar com ela novamente, mas o telefone já não funciona."

Surgiram lágrimas em seu olhos e o ar de autocontrole desapareceu quando continuou falando, transparecendo o fanatismo:

"-Nós podemos entrar, conheço uma trilha pela mata, os policiais não conhecem esta região como eu. Podemos entrar lá, ele nos protegerá. A palavra de deus libertará nossos irmãos e irmãs das armadilhas de Satanás, vamos em frente com ele nos guiando! As armas dos homens não são capazes de nos livrar deste tormento, só a misericórdia divina para libertar estas pessoas."

Apesar de toda a preocupação com Eddie, não achei que acreditar e entrar em uma mata com um religioso maluco cuja esposa enxergava demônios fosse uma boa ideia, por isto respondi gentilmente que a polícia tinha controle da situação e eu esperaria por notícias. Para meu espanto, ele se levantou sem parecer contrariado e seguiu seu caminho. Eu realmente esperava que ele fosse insistente como aqueles que chamam cedo nos portões ou que saísse me amaldiçoando e ameaçando com o sofrimento eterno por não ouvir suas loucuras, mas ele simplesmente saiu exatamente na hora em que a moça trazia meu lanche e ela parecia ter se divertido com a cena.

Comi com esforço enquanto verificava o telefone para descobrir que o louco estava certo em um ponto, não funcionava. Fui até um telefone público ali perto, estava mudo, então segui em sentido contrário ao hospital observando o indicador de sinal de rede no display do aparelho que só subiu um ponto após três quadras, mas as ligações para o celular do Eddie ou para o Hospital não completavam, então tentei o número de casa que funcionou normalmente. Parecia haver uma interferência ou talvez não quisessem que as pessoas se comunicassem naquela área, comecei a crer que fossem as duas coisas.

Resolvi retornar, ainda sem saber o que faria, mas não poderia ficar parada. No caminho, em uma das ruas que cruzavam a principal, vi a chegada de dois caminhões do exército, aquilo me assustou muito, aquela não era uma área de atividades militares. Demônios talvez fossem exagero mas duvidava muito de que era possível combater uma infecção com fuzis e metralhadoras.

Resolvi ir pela mata, se conseguisse ser rápida poderia encontrar o Eddie e sair. Parecia um plano simples, mas eu ainda não fazia ideia do que me aguardava lá.

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