Capítulo 01- Eu ia ser feliz ali

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            O meu café estava quente, como tudo a minha volta, incluindo o ambiente. Eu sou daquele tipo de pessoa que ama coisas quentes, principalmente comida, desde frio até um calor insuportável, se tiver um chocolate quente na minha boca está tudo bem. Eu não sei porque, acho que me lembra de casa, onde tudo – tudo mesmo- é quente sempre. Os invernos, os verões, outonos e primaveras, um pedacinho do Deserto do Saara dentro dos Estados Unidos. Acho que nesse ponto da minha vida, oque eu sinto mais falta é da minha casa. Meus tios estão fazendo o possível para que eu me adapte rápido ao lugar, eles estão sendo os melhores comigo.

            Levantei, coloquei a caneca vazia na pia e comecei a lavar enquanto tia Jane e tio Edgar conversavam sobre uma possível promoção no trabalho de meu tio. Ele era contador de uma grande empresa, mas mesmo assim ganhava pouco, o que me deixou realmente feliz de ouvir essa notícia, aparentemente tia Jane também, já que estava com um sorriso mais do que idiota no rosto enquanto dizia "Meu marido vai ganhar uma promoção e vai ganhar muito!! Vamos finalmente ter a nossa Lua de mel, Edgar!! AH que felicidade!!". E tio Edgar olhava de forma tão doce e pura pra esposa, me desejou ser como eles daqui a uns anos.

           Fui para o meu quarto, ele era pequeno, o suficiente para mim, me preparei pra entrar no banho quando tio Edgar apareceu na porta do quarto com uma caixa de presente.

          - Achou que eu ia esquecer, moleque? Sou velho mas minha memória não falha! Feliz aniversário !! –Ele me entregou uma caixa média embalada com um papel de presente com bicicletas e ursos de pelúcia, eu sorri como um idiota, parecendo tia Jane no início da manhã, não acreditei que ele lembrou.

        - Fala sério! Eu não sei nem.. Não sei nem o que dizer! Obrigado.. –Sentei rápido na cama para abrir o presente

       - Eai ? Gostou ?? –Tio Edgar perguntou tentando olhar pra minha expressão, que eu tentava esconder olhando pra baixo.

         Ele me deu uma câmera. Uma câmera de ultima geração! Aquelas profissionais e lindas de se carregar, com qualidade boa e tudo mais! Ainda não sei como ele descobriu que eu era tão apaixonado por câmeras assim. Bem que eu já estava precisando de uma nova, depois que eu saí de casa, o único objeto de fora que eu trouxe foi a velha câmera da minha mãe, que ela usou na adolescência, cheia de fotos do meu pai e dela..

         - Ta zoando ??? Eu amei !! Não acredito... –eu não sabia oque falar, só o abracei com a maior força que pude ainda sem tirar a câmera da mão, com medo de que não fosse real

        Quando o soltei ele me olhou de uma forma que só tinha visto ele olhar pra tia Jane. E depois disso, sabia que ali eu seria feliz. Seria um ótimo lugar pra recomeçar, e eles estavam ali pra me ajudar.



         Depois do banho, logo saí pra andar pela cidade. . Meus tios moram em Tempe, cidade no estado do Arizona, é uma boa cidade, bem mais quente do que eu gostaria, mas uma boa cidade. Conhecia um pouco dali, já que passava as férias lá com meu pai quando tinha 12 anos.

         Eu andava pelas ruas com a câmera, que tio Edgar me deu, fotografando tudo e todos que eu achava interessante, as pessoas me olhavam como se eu fosse um maluco, mas eu não liguei, era a primeira vez que me sentia realmente animado com uma coisa em muito tempo.

         Cheguei até uma ponte e parei pra olhar a água embaixo, era calma e a minha única vontade era de me jogar ali de tão calor que estava, mas me controlei e me contentei apenas tirando fotos. Quando parei, pendurei a câmera nova no pescoço e tirei a antiga, a câmera da minha mãe, do bolso da bermuda. Sim, eu a levava pra todo o lugar. E comecei a olhar as fotos pela milésima vez. Minha mãe jovem com um cabelo tão armado quanto o vestido beijando o rosto de um cara com uma blusa de couro todo feliz, meu pai. Ela era linda.

          Minha mãe faleceu quando eu tinha cinco anos, e desde então fomos só meu pai e eu, sozinhos, até ele falecer um mês atrás por um acidente de carro causado por um idiota e um celular, a falta de atenção do cara custou a sua vida e a vida do meu pai.

          Depois da morte do meu pai eu me perdi totalmente. Morava em uma casa enorme, completamente sozinho e tudo e todos me lembravam ele. Quase não saia do quarto, e quando saia era pra tentar comer algo, que nunca dava certo –sempre voltava- . Até minha tia me ligar e fazer o convite que aceitei sem pensar. Queria sair daquele lugar cheio de lembranças. Depois que ele se foi tudo pareceu mais vazio, principalmente a minha vida. Mas estou feliz agora por ter feito a escolha certa, aparentemente. Meus tios são tão incríveis como me lembrava, e a cidade também.

         Terminei de ver as fotos, acabando em uma da minha mãe com um teste de gravidez positivo. Sorri sozinho e fiquei olhando aquela foto como se fosse a única coisa que nos ligasse. A câmera era. Meu pai era. Tudo é, ela está sempre comigo, eu posso sentir. Sempre. Limpei uma lagrima no canto do olho e fui pra casa. Para a minha nova vida.



           Já tinha passado 3 meses desde a mudança. Eu estava sentado no sofá vermelho vivo tentando lidar com a televisão pré-histórica que meus tios tinham em casa (que, por sinal, não tinha controle. Sim! Temos que levantar pra mudar o canal, aumentar, diminuir.. ??) quando tia Jane chegou na sala com um avental e as mãos cheias de sabão, quis rir mas segurei.

        - Caleb ?? Oi, querido. Você pode ir ali no supermercado fazer compras pra mim? A lista está bem ali –ela apontou pra um pedaço de papel que estava na mesa de centro com o cotovelo, que também estavam molhados.

       - ahhh, seriiio ?? –Fiz uma cara de "não to com nem um pouco de vontade" e ela me fitou com o olhar- Ta bom ta bom calma eu to indo .. –ri e levantei pegando a lista na mesa

       - Obrigada meu amor, você é um anjo! Coloca na conta e manda um beijo pra Maria Elisa.

       - Eu sei, Eu sei. Ok.



          Eu estava voltando pra casa, aquele dia parecia mais fresco do que de costume, o que já era um milagre. Mas o vento, pouco que tinha, parecia um bafo quente direto no nosso rosto. Mesmo assim passei por uma cafeteria e não resisti, ainda me tinha uns dez reais no bolso da bermuda –que não sei de onde surgiu, por sinal.

         - Quero um café grande puro por favor.

         Sentei na mesa de fora pra descansar as pernas e ver o movimento das pessoas, outra coisa que eu sempre gostei. Observar a vida passando e imaginando como cada pessoa está, eu e meu pai fazíamos isso.

          Foi quando eu me sentei que eu vi. Olhei pra frente e a garota mais bonita que eu já vi estava parada, sentada em uma mesa ao longe lendo um livro e mexendo uma mexa de cabelo com as unhas longas e tão pretas quanto o próprio cabelo. Ela era a mulher mais linda que eu já vi na vida. Esqueci do meu café, das compras, do tempo. Eu podia ficar horas olhando pro seu rosto

           Não foram horas. Ela estava se levantando, vi suas longas botas de couro e que estava usando um casaco cinza amarrado na cintura. Oque me deixou mais intrigado, pois estava um calor insuportável.

          Ela não podia ir assim. Sem pensar levantei, joguei o dinheiro na mesa, larguei as compras lá e comecei a segui-la. 

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