Pricila acordou assustada com o barulho de um trovão. Esteve muito tempo inconsciente, a noite caíra e um temporal estava formado. Ela forçava as vistas embaçadas procurando saber onde estava ou como chegou ali. Se levantou devagar, suas pernas tremulavam, pensava sentir dor em cada centímetro de seu corpo, no entanto estava anestesiada, sua cabeça latejava, os pensamentos se misturavam forçando a entrada pra dentro de sua mente, pé ante pé a gravidade aumentava, ela caiu de joelhos apoiando as mãos no chão, não sabia pra onde ia, esperava estar no caminho certo, tentava se lembrar pra onde caminhava e tudo que pairava era que precisava chegar. A fraqueza fazia escorar em algo que achou ser parede. O tempo se estendeu, minutos viraram horas, ela arfava e as dores começaram a ser nítidas. Pela primeira vez sua cabeça estava vazia, não conseguia pensar direito, e toda vez que tentava lembrar do que aconteceu sua cabeça explodia de dor. Ela sentiu suas roupas pesarem, estava encharcada, água descia pela sua fronte, seu cabelo molhado pregava em seu rosto, era a chuva. Algumas vezes sua força sumiu totalmente fazendo-a cair, puxava o ar pra dentro dos pulmões, lama e sangue escorriam de seu corpo lavados pela chuva manchando seu vestido.

Todo o caminho foi turvo, as imagens embaralhadas e escurecidas a deixavam assustada. Parou de frente a casa distorcida, não sabia se estava no lugar certo, apenas arriscaria. Ouviu a maçaneta da porta girar, inconscientemente ela já havia batido na porta, nesse fleche de segundo tentou lembrar em que momento fez isso. A claridade da sala feriu seus olhos, identificou um borrão à porta, foi auxiliada pra entrar e sentou-se, envolvida em toalhas tremia de frio, sentiu um calor nos pés. Um vulto vagava pra lá e pra cá, ela piscava os olhos insistente tentando enxergar algo, imaginava ouvir algo que seus ouvidos expelia ensurdecidos, sua atenção se dispersava, não compreendia nada, estava tonta, seu corpo bambeava sobre a cadeira, sua cabeça ainda doía e tudo rodava. Uma fisgada atingiu seu cérebro seu restante de forças foi embora de repente tudo escureceu.

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Só havia silêncio na noite. O temporal, os raios, os trovões, tudo passara, sobrando apenas uma leve brisa temporária carregada com um frio abrangedor. A lua surgia dentre as nuvens que se despediam e agradeciam a hospitalidade da cidade. Pela manhã a vida voltaria a ser movimentada como antes e até mais pois chuva sempre fora sinal de prosperidade.

A casa onde outrora estivera desolada permanecia quieta, a noite trouxera cansaço aos despertos derrubando-os em um sono nada aproveitante. No quarto, Pricila despertou sentando-se na cama, tinha a respiração pesada e estava suada, um pesadelo a atormentava no mundo inconsciente.

Recuperada, olhou para si e viu que estava deitada em sua cama e vestida com sua camisola branca. Não requereu explicações, ainda tentava se acalmar. Jogou as cobertas de lado e foi direto para a janela. Puxou as cortinas e a abriu, se apoiou no parapeito tomando ar e ergueu a cabeça para o céu, a lua cheia a espiava terna e adornada.

Patrícia se remexeu na cama, sentando-se espreguiçou ainda de olhos fechados. Então Pricila percebeu que estava no quarto de sua irmã. Terminando de espreguiçar-se Patrícia perguntou:

-O dia já amanheceu?

-Ainda não. -Respondeu Pricila virando-se. Nesse momento Patrícia abriu os olhos e ambas deram um grito de susto.- O que foi Patrícia?! -Exclamou assustada.

-Entrou um animal pela janela.

-Vou buscar uma lamparina.

-Não se mexa! -Murmurou Patrícia com os olhos fixos no teto.

Pricila imediatamente paralisou-se e passou a observar os movimentos da irmã. Patricia devagar afastou as cobertas e se agachou na cama, concentrando-se nos movimentos do animal sentiu a respiração entrecortada dele. E então saltou tão rápido quanto pousou. Pricila ouviu apenas um grunhido momentâneo de dor e desespero ecoar pelo quarto, Patricia estava de pé a sua frente e entre os dedos de sua mão um pássaro noturno miúdo tremia totalmente indefeso. Enquanto ela o apertava seus pequenos ossos estalavam quebrando-se. A miserável ave sendo sufocada não conseguia emitir mais nenhum som.

"Maldito filhote de coruja." disse Patrícia, em seus olhos um brilho maquiavélico destacou-se no escuro antes dela precionar o indicador contra o polegar decepando a cabeça do animal. Arremessou o cadáver pela janela sem nenhum remorso. Pricila perplexa com o acontecido, fitava a mão assassina de sua irmã. Patrícia a olhou e antes que pudesse dizer algo um cheiro estranho chegou à suas narinas, devagar ela desviou os olhos para sua mão, percebeu que ela estava coberta de sangue. Aquele sangue a hipnotizou, ainda perdia o calor de outrora. Cada vez mais ela aproximava a mão do rosto como se quisesse ver melhor. Nesse instante o ranger da porta cortou o clima estranho do lugar. Ambas desviaram a atenção para a direção do barulho, uma luminosidade de lamparina foi adentrando a medida que a porta se abria. Por fim apareceu um rosto conhecido iluminado pela chama da vela:

-Graças a Deus vocês acordaram!-Dizia a mãe delas correndo para abraça-las.- Fiquei tão preocupada, vocês desacordadas sem dar nenhum sinal de vida. Não suportaria a ideia de as duas... Meu Deus!!! Tanto tempo se passou. Vocês imóveis sobre essas camas.

-Quanto tempo? -Perguntou Pricila perplexa.

-Você saiu ontem a tarde e só voltou de noite debaixo de um temporal. Estava muito mal, então fiz um chá e você desmaiou. Seu tio Henrique colocou sua cama no quarto de sua irmã para que eu pudesse cuidar das duas...

-Acho que foi um resfriado. -Mentiu Pricila assossiando o pesadelo com o ocorrido da tarde anterior. -E você Patrícia, porque chegou em casa toda arranhada e com o vestido rasgado noites atrás?

Lágrimas de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora