1-o homem em queda livre

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o som não muito amigável do despertador o encomodava.há alguns anos já foi quase prazeroso mas agora se tornava uma espécie de tortura.

Quando enfim abriu os olhos depois de ter vencido a dura batalha contra o sono avistou uma garrafa de uísque vazia sobre o tapete,um cálice por terminar encima da mesa e um cinzeiro lotado de vários restos e cinzas até ao limite.mais uma vez ele havia falhado com o que prometia a ele mesmo em todas as manhãs.

três semanas atrás havia vendido a enorme casa onde vivia com a esposa e as filhas nos arredores de Sold Coast,um dos melhores bairros de Chicago.o lugar havia se tornado grande demais pra um homem solitário.seus passos ecoavam nela no final de cada dia e as lembranças de um tempo que jamais voltaria só o destroçavam o coração.preferiu ficar em um pequeno apartamento em Streetville,perto do trabalho e com uma vista privilegiada,conseguia ver as calmas águas do Lake Michigan da janela da sua sala de estar.ainda assim um lugar tão desarrumado como a sua confusa cabeça se encontrava.

Hà quase dois anos,numa noite chuvosa de novembro dois oficiais da polícia de Chicago batiam a porta da antiga casa enquanto ele mergulhava em relatórios,com olhares entristecidos e roupas ensopadas era fácil de perceber que eram portadores de péssimas notícias.após ouví-los as lágrimas transbordavam em seus olhos negros,os papéis antes colados à mão direita caíram ao chão juntando-se as gotas de água que vinham de um céu que naquele momento chorava com ele,Frank acabava de saber que o carro em que seguiam sua esposa Sally e as doces filhas Sheila e tamy havia chocado contra uma camionete dirigida por um homem alcoolizado que desrespeitou o sinal vermelho.foi morte instantânea pra todas elas.

Agora vagueava de bar em bar afogando-se em doses de álcool.passava por uma fase difícil,nenhuma batalha lhe parecia digna de ser travada e ia perdendo aos poucos a vontade de viver.

ainda assim ia pra o trabalho em todas as manhãs.repetia pra ele mesmo a frase "se você parar uma vez isso se tornará hábito,não desista"

De pé diante do espelho reparou nos fios de cabelo branco que se espalhavam como uma peste por toda a cabeça,isso pouco lhe importava agora,em algum momento seus cinquenta anos de idade teriam que deixar consequências pesadas na sua aparência,era só seu corpo reagindo a terrível degradação de seu espírito naquele momento.

"Que se foda essa merda" pensou enquanto fazia o nô da gravata,na verdade foi um milagre o facto de ter olhado pra o espelho naquela manhã, principalmente quando se desleixava tanto nos últimos dias a ponto de sentir uma raiva pesada pelo homem que via no espelho.

Enfim Frank chegou a Unidade com o habitual olhar desmotivado,depois de quase uma hora enfrentando o trânsito ao volante do carro.a camisa azul parecia lhe ficar maior a cada dia,nos últimos anos bebia mais do que comia e era normal que perdesse alguma estrutura.

-bom dia chefe-disse-lhe a secretária logo a entrada do gabinete,era uma mulher de pouca altura e muito peso,aparentava ter quase quarenta anos de idade e tinha os óculos de lente grossa colados ao rosto.

-bom dia dona Sunders-respondeu com a voz desgastada-passou bem a noite?

-muito bem e o senhor?

-como sempre-respondeu enquanto entrava pela sala como um morto vivo.

analisava cuidadosamente um dossiê do desaparecimento de uma jovem mulher.era considerado um caso arquivado mas decidiu reabrir depois de mais dois desaparecimentos em situações idênticas.concentrava-se nas fotos expostas num grande quadro na parede.o mau-estar causado pelo constante consumo de álcool não o encomodava agora.retirou da gaveta um maço de cigarros e sentou-se de frente ao quadro com um deles aceso e uma salada de papéis ao colo.o comandante um homem calvo de pele escura e abundante barriga já o havia criticado algumas vezes pelo uso do cigarro e pela aparente decadência.o seu atual estado quase que depressivo o fazia deixar de se importar com muita coisa.

o toque do seu telemóvel o trouxe de volta da viagem que sua mente fazia.

-alô!-respondeu em tom de aborrecimento.

do outro lado a voz de um dos seus homens.

-encontramos um corpo chefe!

-vou à caminho.-respondeu com urgência.

Num beco em Magnificent Mile no centro de Chicago,o cenário era pior do que Frank imaginava e nunca havia visto algo tão assustador,nojento e revoltante como o que vira naquele lugar.parecia toda a violência do mundo descarregada em um corpo so.

policiais rodeavam o lugar e cirenes entoavam alto chegando a abafar todo o barulho da cidade grande.

-é a primeira desaparecida chefe.-disse um dos seus homens.

"passa a ser vítima agora" pensou dentro dele com muita revolta guardada.

era revoltante ver o corpo de uma jovem bonita e com muito por trilhar ainda,jogado naquele beco como se de um lixo se tratasse,literalmente era isso que parecia sacolas e caixotes de lixo jogados ao redor,moscas por toda a parte e um cheiro nauseabundo pairando no ar.

Carl,um agente recentemente transferido e com a obrigação de demonstrar trabalho dava pra ele mais uma pilha de papéis com informações preliminares e fotos recentemente tiradas por ele mesmo.era muito jovem ainda,corpo atlético,pele branca e uma curta cabeleira acastanhada,apesar da pouca idade era já formado em ciências policiais e psicologia em uma das melhores universidades da europa,com muito futuro pela frente mas ainda com muito por aprender no terreno.ninguém melhor do que o conceituado inspetor Frank Webber pra o ensinar,embora se encontrasse na pior fase de sua vida buscando refúgio no álcool e no tabaco.

-quem encontrou o corpo?-perguntou.


-foi aquele senhor ali.-indicou Carl a um homem baixo e magro que se encontrava conversando desesperadamente com dois agentes da Polícia.

-levem-no pra delegacia educadamente.-disse e em seguida orientou a equipe pra que se fizesse a remoção do corpo.-sem erros nisso por favor.

a imprensa rapidamente invadira o local como abelhas procurando por doce.apesar da recente onda de violência na cidade nada era tão sangrento como aquilo.daria uma bela capa de jornal.microfones,câmeras,perguntas e luzes de Flash por toda a parte que chegavam a doer- lhe os sensíveis olhos.sabia que isso so impediria ou atrasaria a já difícil investigação.

-meta ordem nisso Carl-disse Frank visivelmente irritado enquanto caminhava em passos largos até ao carro.

o estresse o dominava.o que vira naquele lugar não era digno de ser visto nem em um campo de batalha.Pensava que tipo de homem seria capaz de cometer tamanha barbaridade.suas mãos tremiam fixas ao volante do carro,o calor em seu rosto caía sobre a camisa e não demorou muito pra molha-la quase por completo.precisava de uma bebida mas sabia que não era o momento.estava forçado a lutar contra a sua vontade excessiva de recorrer aos copos como calmante.limitou-se a acender um cigarro e reparava detalhadamente nas fotos tiradas por Carl.

pelas marcas no corpo da vítima sabia que o assassino era um homem que sentia um certo prazer pela dor alheia,muito na verdade.Frank nem precisava dos resultados da autópsia pra notar o quão violento era o homem que a matou.olhou para as fotos dos pulsos e percebeu que ela havia sido amarrada enquanto tudo acontecia.

seu lado humano sobrepôs-se ao seu lado profissional e a revolta tomou conta de si.

sádico "O Génio Das Facas"Onde histórias criam vida. Descubra agora