Capítulo 7: Recaída

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Não foi preciso esperar até ao dia seguinte para saber que as coisas iam ficar... Bastante más. Bastante.

A meio da noite, ouvi passos de corrida para a casa de banho e o som de vómito. Corri para lá, e vi o André sentado em cima de uma perna, no chão gélido de mosaico, agarrado à sanita, a vomitar. Quase que me juntava a ele depois de ver aquele espetáculo abominável, mas consegui conter-me e ajudei-o a levantar-se e limpar-se. Levei-lhe um copo de água, fui levá-lo à cama e deitei-me, para tentar dormir. Se eu tinha algum mísero pedaço de sono antes, perdi-o instantaneamente.

Encontrei-o neste estado doentio mais duas ou três vezes naquela noite.

Os dias foram passando... E ele continuou assim no dia seguinte. E no outro. E no outro. E no outro. E no outro. E no outro... 

E ele esteve assim uma semana.

Cada dia mais pálido.

Cada dia mais fraco.

Cada dia mais magro.

Cada dia comia menos.

Cada dia as suas olheiras aprofundavam-se mais. 

Cada dia os seus olhos vinham mais inchados.

Cada dia saía menos do quarto.

Cada dia fechava-se mais lá dentro.

Cada dia ficava mais calado.

Cada dia chorava mais.

Cada dia eu chorava mais.

Ele estava a recair, e eu não conseguia fazer nada para o evitar. Não o conseguia ajudar. 

Porquê?! Como?! 

Ele estava a ir tão bem, mas foi sol de pouca dura.

Neste preciso momento, ele estava a autodestruir-se. E eu estava a fracassar no papel que me cabia de protegê-lo. De guiá-lo para fora das trevas. E se havia coisa que me entristecia mais do que a morte da minha melhor amiga, era isto. E isto também me revoltava.

A semana foi passando lenta e pesarosamente. Cada dia a alimentar um clima pesado e depressivo às refeições, que eram os únicos momentos em que eu, o André e a mãe dele estávamos juntos.

Eu tentei de tudo para o ajudar, como tentar fazer com que ele fosse lá fora apanhar ar fresco, fazer os pratos favoritos dele, já que ele sempre adorou comer, tentar arranjar atividades que ele gostasse de fazer, como ver filmes, ou andar de bicicleta, ou ouvir música. Até lhe comprei um bilhete para um concerto da banda favorita dele, mas tive de o vender na net, porque ele não o quis. 

Mas nada resultava. Nada mesmo. E eu acabei por ficar sem ideias e deixar a situação arrastar-se por ela própria, já que nada ajudava. Acabei por desistir. 

É claro que tentava ser atencioso com ele, e que o ajudava quando ele vomitava e esse género de situações, mas já estava a perder as forças. Estava a perder a esperança.

Pensei que fosse o fim dele, que ele tivesse de ser internado num hospital com uma depressão ou algo do género. Que talvez nunca mais o voltasse a ver. Que talvez também ele partisse para longe de mim e que eu nunca mais o visse, como a Rita. Que talvez nunca mais lhe diria olá. Nunca mais lhe falaria das minhas paixões não correspondidas e dos meus relacionamentos falhados. Nunca mais o ouviria a queixar-se do temperamento da Rita, ou neste caso, com a morte dela, as memórias que eles partilhavam. Nunca mais íamos passar tardes e madrugadas a jogar na minha ps4. Nunca mais lhe ia mostrar músicas das minhas bandas favoritas. Nunca mais íamos conversar sobre tudo. NUNCA MAIS IA TER O MEU MELHOR AMIGO DE VOLTA. 

Estes pensamentos assombravam-me cada vez mais. Estavam presentes quase toda a hora, mas principalmente de madrugada, nos sonhos que tinha nas poucas horas de sono a que a minha mente me dava direito.

Mas, com o fim desta tão dolorosa e traumática semana, houve um dia que a esperança renasceu das cinzas, como uma fénix. Um dia que pensei nunca existir nesta tragédia na qual nos encontrávamos. Um dia que poderia colar os corações partidos e deixá-los mais fortes e prontos para vencer as adversidades que compõem a vida.  


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