Puta, piranha, vagabunda, vadia – e vou me abster por aqui –, esses são os mais "leves" xingamentos dos vizinhos sempre que me avistavam em algum lugar.
Embora eu fosse bem resolvida com a vida que levava, aquelas palavras machucavam... nem todos tem uma válvula de escape eficiente, muitas vezes é mais confiável atravessar uma tubulação podre coberta de vezes de rato.
Enquanto uns viviam em um mar de rosas, eu nadava em espinhos e não sabia como ainda conseguia suportar aqueles cortes em mim, era desesperador saber que estava em um túnel sem fim, que ninguém se importava, e que eu era apenas um produto.
Eu estava voltando de mais uma noite de programa, realmente exausta e querendo tomar um banho e cair na cama.
Nem fome eu sentia, apenas queria descansar esse corpo que já estava rejeitando essa jornada. O que mais me tranquilizava era que meus programas já tinham as pessoas certas, homens casados e divorciados. Eu claramente devia chegar bem produzida fingindo que nada de mais acontecia, que minha vida era tranquila, afinal eles faziam por onde.
Atravessei a rua escura e subi no passeio de um mercadinho, caminhando exaustivamente para casa. Um grupo de rapazes vinha em minha direção e eu agarrei a bolsa temendo que me roubassem. O índice de assalto estava alto ultimamente, e essa rua era alvo certo.
- Olha, a rodada do bairro voltando de mais uma noite cheia de sexo. – um deles comentou, os outros soltaram risadinhas.
Abri caminho tentando me afastar deles, porém alinharam a mesma direção, e eu tentei desviar novamente.
- Por favor, deixe-me passar. – pedi, sentindo medo.
- Quanto você cobra? Aposto que novinhos você dá de graça, né, biscate? – o que parecia o chefe do grupo aproximou-se de mim, tocando meus seios e tentado apalpar minha meu sexo.
- Não, eu tenho os meus clientes. – o empurrei, sabendo que não deveria ter feito aquilo.
- Wow! Então é uma puta com hora marcada? Caramba, as coisas evoluíram. – aquela conversa se estendia a um patamar que eu não queria.
O empurrei de novo e desta vez consegui furar o bloqueio, acelerando os passos.
Eram garotos. Em torno de quinze, dezesseis anos, jovens perdidos, arruaceiros que tiravam a paz do bairro.
- Qualquer dia desses marco um horário com você – senti a voz perto. – Piranha! – bateu na minha bunda, eu parei de repente, mas tratei de continuar andando para evitar qualquer ataque físico.
Por sorte eu cheguei em casa e abri o portão.
Nós morávamos num apartamento caindo aos pedaços. Eu, meu primo Abelardo e minha tia maravilhosa Gertrudes.
Eles estavam dormindo, eu acho, então tirei os saltos para não fazer barulho e subi as escadas na ponta dos pés, evitando alguns degraus que rangiam.
Entrei no meu quarto, despi-me e tomei um banho demorado, a água gelada condensando-se com o frio da madrugada no meu corpo, os pelos eriçando-se, aquela ação dizendo-me que ainda estava viva. Eu precisava daquilo porque não me sentia tão bem ultimamente.
Sai do banho, me enxuguei e caí sobre a cama desgastada.
Quando meu corpo se acalmava a pior parte chegava. Os pés doloridos pulsavam, os músculos machucados, aquela vida não era para mim.
Eu queria mesmo que minha vida desse uma reviravolta, que alguém especial aparecesse, que eu pudesse fazer o que mais desejava, como concluir uma faculdade, proteger as pessoas. Papai sempre disse que seu sonho era ter uma filha advogada, mas não estava do meu lado quando eu mais precisei, e sequer procurou-me para saber o que havia acontecido.
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Garota de Programa
RomanceNão há nada mais precioso em uma criança que sua inocência perante as maldades do mundo. Um acontecimento lamentável acaba por tirar Victória de sua vida e a afasta da família. Anos depois, ela descobrirá que a vida lhe faz propostas irrecusáveis...