VI

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Patrícia que até então só ouvia, mantinha a expressão indecifrável, pensativa e excessivamente calma. Ao ser introduzida naquela conversa que parecia lhe incomodar, enrigeceu-se, a voz cortante de sua irmã carregava uma sorrateira acusação que lhe despertou raiva. Enforcou-a com o olhar intimidador e disse em tom de desprezo:

-Vou tentar dizer isso na sua língua, então presta atenção que eu não vou repetir. O que acontece comigo não lhe convém saber, pois então vai cuidar da sua vida medíocre e deixa que da minha eu cuido.

-Não se deve falar assim com sua irmã Patrícia. Ela esteve muito preocupada com você esses dias. - Repreendeu sua mãe surpresa pela agressividade repentina.

-Deixa mãe. -Pricila soltou o ar. - Já me acostumei com essa pose de poderosa dela.

-Nem imagino o que aconteceria se vocês não fossem irmãs. -Disse a mãe balançando a cabeça em reprovação. Nesse instante ela percebeu a mancha estranha na mão de Patricia. - O que é isso Patrícia?!

Ela pegou a mão da filha e aproximou a lamparina. Expremeu os olhos para ver melhor, passou o dedo analisando a substância. Prestando atenção processou as informações por uns segundos e exclamou incrédula:

-Isso é sangue?!

-É, um pássaro ensanguentado entrou pela janela e eu o peguei para jogar fora. É melhor ir limpar. -Respondeu Patricia lançando um olhar para a irmã enquanto se retirava.

A mãe fechou as janelas e puxou as cortinas, recomendando que Pricila descansasse mais e desse o recado para a irmã quando ela voltasse. Desejou boa noite para a filha enquanto ela se deitava e se retirou sendo seguida pela luz. Minutos após Patrícia retornou, retirou um vestido do baú e vestiu-o. Pricila se sentou na cama para observa-la.

-O que você está fazendo? -Perguntou vendo ela abrir as janelas novamente. O vento invadiu balançando as cortinas brancas. Ela exitou cogitando ignorar a insuportável mania de Pricila se meter na sua vida. Olhando a distancia do chão recolheu a saia do vestido dando liberdade as pernas, repensou um pouco e respondeu:

-Eu diria que... Na verdade eu te ignoraria, mas só pra você saber, é nosso aniversário e eu vou dar uma volta pra não passar ele em um quarto com você.

Rapidamente pulou a janela, aquela parte da casa foi construída sobre um metro e meio de blocos fazendo uma decaída para a porta da sala. O vento gélido da noite açoitou seu rosto trazendo um dejavú das inúmeras vezes que repetiu isso e nunca se acostumou com o medo e a excitação. Seus pés descalços tocaram o chão dessa vez tudo foi muito estranho. Seu coração não acelerou, seu corpo não tremia descontroladamente implorando um casaco, o chão não provocou a sensação de choque e seus pés não estavam perdendo calor. O impacto foi quase imperceptível e a sensação de fazer outra vez a tomou. Ela lançou um olhar para a casa desprezando a altura virou as costas e seguiu noite adentro sem rumo.
   Pricila ficou uns instantes imóvel na imensidão escura pensando, fitando a janela iluminada. Se levantou e indo até a janela olhou através das cortinas agitadas; nenhum sinal dela. Saiu do quarto silenciosamente, atravessou a casa cuidando para não despertar ninguém e entrou na biblioteca onde preferiu ficar.

Pela manhã quando Pricila despertou, só viu as cobertas sobre a cama de Patrícia. Afastou de sua mente qualquer pensamento superprotetor que pudesse preocupa-la, pulou da cama e correu alegre até a janela. Sentia-se mais viva do que nunca, e pronta pra recuperar o tempo que perdera doente. Puxou a cortina ganhando acesso ao sol que adentrou o quarto e foi de encontro ao seu rosto. Ela sentiu o calor em sua pele aquecendo e aquecendo cada vez mais, uma ardência tomou-a, e por fim, parecia estar queimando. Imediatamente ela caiu no chão gritando de dor e se contorcendo. Tentava inutilmente proteger o rosto com as mãos flamejantes. Ela arregalou os olhos que pareciam querer saltitar de seu rosto, a boca secou, podia sentir o gosto de fogo na sua língua. Suas roupas pregaram no corpo suado. Aquela agonia parecia eterna até que uma mão a segurou pelo antebraço e arrastou-a para a sombra. Ela se encolheu sentindo o alivio da dor e do fogo que a consumia. Um frescor tomou-a, arfava assustada, queria chorar, mas não conseguia. Levantou o rosto encolhido entre os braços e viu sua irmã encarando-a de forma indecifrável. Enquanto levantava-se, ela se retirava, Pricila compulsivamente a seguiu agradecendo-a, mas uma brusca bofetada a interrompeu. Levando a mão ao rosto que avermelhara, seus olhos emanaram confusão e um porquê pairava, ela ouviu Patrícia dizer com aquele tom de desprezo:

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⏰ Última atualização: Feb 18, 2017 ⏰

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