Levantei-me, e o André já estava lá em baixo na cozinha, a tomar o pequeno almoço. Ao entrar na cozinha, ele olhou para mim, e passado um instante, disse um "bom dia" débil. Mas disse. Isto chocou-me completamente, e quando o espanto me passou, respondi-lhe o mesmo, com um tom incrédulo. Tomámos o pequeno almoço em silêncio, mas eu senti que o clima não estava tão pesado como nos últimos dias, de alguma forma. Ele parecia mudado, parecia aliviado, ou que eatava determinado a fazer algo para mudar e deixar esta depressão para trás. Não estava todo de sorrisos, nem nada parecido, mas eu sentia algo diferente. E até ver, diferente para melhor. E, além disso, ele estava a comer e a falar, o que já era um avanço enorme. Tão enorme que o considerei até surreal. Mas era mesmo o que estava a acontecer, e não um sonho ou uma ilusão.
Quando acabou, voltou para o quarto. Enquanto eu adiantava o almoço, por nesse dia eu me ter levantado perto das 11h, ele desceu e estava vestido. Eu não estava a perceber absolutamente nada. Achei que isto era o cúmulo do confuso. No entanto, continuei o que estava a fazer silenciosamente, apesar da expressão de espanto que não pude esconder. Ele entrou na cozinha e perguntou-me se queria ajuda. Mal me consegui conter, e perguntei-lhe até se ele estava a falar a sério, se queria mesmo ajudar-me. Mas, obviamente, de forma gentil e tentando esconder o melhor possível a incredulidade com que eu estava a levar a pergunta dele. Ele não pareceu levar a mal e acenou com a cabeça em resposta. Fiz-lhe um gesto com a mão para que ele se aproximasse, o qual ele seguiu.
Parou ao meu lado, em pé, de frente para o balcão da cozinha e perguntou o que é que ele podia fazer. Fui-lhe dando indicações, e ele foi seguindo-as. O nosso diálogo durante esta atividade baseou-se apenas nisto. Mas, num momento de silêncio que estavamos a partilhar no meio do processo de cozinhar o almoço, comecei a conversar com ele, para ver se conseguia encontrar as respostas para as minhas dúvidas:
"Ei André, hoje está um dia espetacular".
"Pois está..."
"E pareces estar bem disposto hoje", arrisquei, tentando aproximar o tema o mais discretamente possível, o que era difícil com a tempestade de nervos, ansiedade, sono e cansaço das noites em claro a levá-lo à casa de banho para vomitar.
" Bem... ya, acho que estou".
"E então, donde veio esta boa disposição tão súbita?"
"Ah...", ele mostrou-se inseguro em responder, mas depois...
"Bem, eu pensei que tinha de fazer algo para mudar. Não podia ficar aqui a deprimir, e achei que devia arranjar uma maneira de ficar mais perto dela, e ficar trancado no quarto não era a resposta".
Nem consegui falar. Simplesmente abracei-o com lágrimas nos olhos, e disse: "Estou mesmo orgulhoso de ti, eu sabia que ias conseguir recuperar isto"
Ele olhou-me com um olhar estranho, como se o que eu tivesse dito fosse completamente fora do contexto. Eu nem liguei, podia estar a interpretar mal a situação, ou algo do género.
Continuámos a fazer o almoço, e a mãe do André desceu e, pela primeira vez em muito tempo, sorriu.
A refeição foi silenciosa, mas houve comentários muito positivos de nós os três e falámos um pouco do que fizemos na cozinha.
Depois, o André desapareceu para o quarto.
17h34.
Estava a jogar no sofá, enquanto a mãe do André estava a ler no cadeirão da sala. O André desceu, com uma mochila às costas e perguntou se podia ir dar uma volta, precisava de arejar. A mãe dele perguntou-lhe se ele não queria companhia. Ele abanou a cabeça. Depois de algum tempo, e com alguma hesitância, a dona Rosa lá o deixou ir.
"Desculpe a indiscrição, mas porque é que ficou tão incomodada por ele querer sair. Ele está finalmente a ultrapassar isto..."
Ela fixou o olhar no chão, enquanto respondeu:
"Tenho um mau pressentimento sobre isto... Esta mudança súbita, ele querer sair sozinho... Pode ser só coisas da minha cabeça, mas acho que algo não está bem..."
Ao acabar de falar, olhou para mim, e os olhos dela realmente transmitiam a ideia de que algo não estava certo.
21h12.
Estava a começar a preocupar-me, até que a porta se abriu.
Ele chegou sujo nos joelhos e mãos com terra, e parecia cansado, e tinha a cara molhada e os olhos inchados. Provavelmente devia ter estado a chorar.
A mãe dele quase correu para a porta, abraçou-o, olhou para ele de alto a baixo e disse, preocupada:
"André!! Onde andaste?! O que aconteceu?!"
Mas toda esta agitação foi completamente ignorada, enquanto ele ergueu a cabeça para desprender o olhar do chão e olhar para a mãe, dizendo de maneira triste, mas realizada:
"Fui despedir-me dela".
Começou a andar para a frente, quase como um robô insensível e frio, e ao chegar às escadas, subiu o primeiro degrau, voltou-se para trás, olhou para nós e disse, muito calmamente e quase a sorrir (só quase) e acrescentou:
"Tenho de ir tomar banho, e acho que vou logo dormir. Boa noite".
Ficámos boquiabertos, eu e a dona Rosa. Eu não compreendia o que acabara de acontecer. Mas o que raio se estava a passar?! Não é que eu preferisse o estado depressivo dele, mas todo este mistério e secretismo... estava... estava a matar-me!!
23h27.
A dona Rosa tinha ido dormir há cerca de meia hora, no mínimo e eu estava deitado no sofá a ver televisão. Estava imenso calor, mas eu estava a ficar com sono e decidi ir dormir. Ao subir, abri a jenela do meu quarto, e tapei-me apenas com o lençol, o qual retirei passado uns minutos. Apesar de ter continuado a pensar e repensar os acontecimentos deste dia, consegui adormecer relativamente cedo, perto da meia noite.
A meio do meu sono, ouvi passos, mas pareceu só alguém a descer para ir beber água ou qualquer coisa, porque não ouvi a luz da casa de banho a acender nem o som de vómito, além disso, estava derreado de tal maneira que mesmo que me quisesse levantar, não conseguiria.
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Chamadas às 3 da manhã...
RomanceSabes que algo não está certo quando te ligam ás três da manhã... Um grupo de três amigos de infância cresce, e o tempo traz ao de cima um romance escondido nas profundezas do mau feitio de Rita e da timidez de André, até que Bruno finalmente os con...