O inverno moldava a paisagem da ilustre cidade de Nova York a seu próprio modo. Aproveitava para utilizar as ruas e árvores cobertas por finas camadas de neve como parte de minha nobre terapia, amplamente conhecida como: Literatura.
Exatamente por este motivo acabava de atravessar o Central Park West e me via diante de uma rústica e, ao mesmo tempo, quase mágica, fachada de uma velha livraria. Leio com um rápido sussurro seu letreiro destacando "Luxy's" em dourado sob um fundo negro antes de adentrá-la. Não há nada de especial em seu interior, apenas estantes abarrotadas de livros, um reluzente piso de carvalho, pessoas imersas em outras realidades e belos candelabros auxiliando na decoração. Procuro no balcão, mas ele não se encontrava, então sigo até as prateleiras, onde distraidamente o avisto organizando seus livros. Meu amigo e conselheiro: – Tio Walt!
– Ah, Sophie! Minha doce sobrinha! – O velho, com seus oclinhos de leitura e cabelo grisalho, se apressa em largar o livro em suas mãos e ir ao meu encontro. O retribuo com um sorriso e um abraço afetuoso. Não demora para minha face voltar a transmitir a tensão da qual se encontrava. – O que houve?! – quando fazia menção de respondê-lo... – Ah, sim! Sua preocupação com Claire... Todos nós estamos sob muita tensão desde o 11 de setembro, não é mesmo? – pergunta com seu habitual carisma, tentando disfarçar sua preocupação para não aumentar a minha. Balanço a cabeça em desanimada concordância – Não se preocupe, tenho certeza que a ajudará no que for preciso. Espere, espere! – apressa-se em me alentar. – Nada melhor que um bom livro para ajudá-la! – afirma animado. – Eles sempre nos ajudam, não? Uma fascinante história para nos ajudar a compor nossa própria! Espere aqui enquanto vou buscá-lo! – Finaliza entusiasmado de modo a me cativar. Antes que percebesse, tio Walt já havia desaparecido naquele pequeno labirinto de estantes.
Essa era uma velha filosofia de meu tio. A intrigante forma com que a arte de maneira geral, mais especificamente a literatura, ajuda a nos compor, com seus carismáticos personagens que acabam se tornando nossos amigos. Ele sempre foi um homem alegre e sonhador, porém, ao perder a esposa, entrou numa profunda depressão. Passaram-se meses até conseguir se recuperar. Apenas conseguiu fazê-lo graças ao diário de sua esposa falecida e um punhado de livros. Desde então, abriu a própria livraria e se encarregou de ajudar as pessoas a fugirem um pouco da realidade cotidiana para imergirem em outros mundos, de forma que possam trazer um pouco de tais distantes realidades para as suas próprias. Bem, foi esta filosofia que voltou a trazer um sorriso em seu semblante e o transformou no maior conselheiro literário da cidade. E eu, não diferente dos demais, o procurava sempre a fim de um bom conselho e uma boa indicação para leitura.
Pouco tempo depois, meu tio reaparece segurando um livro de aspecto milenar. Com capa dura de couro, páginas amareladas e título impresso em fonte germânica de cor prateada: "A Escolha de Uma Valquíria", de David Kenway. Ele o entrega a mim e logo percebe minha curiosidade em sua estranha indicação:
– Espetacular o acabamento, não? – argumenta entusiasmado. – Dá uma sensação de estar segurando uma relíquia milenar! Apesar de ser exatamente este o seu conteúdo! Segundo o autor, em suas pesquisas arqueológicas, encontrou uma antiquíssima pedra rúnica depredada por bárbaros e afetada pela ação do tempo. Após muito custo, conseguiu recuperar seu conteúdo e compreendeu o motivo da depredação. – Ergo a sobrancelha em curiosidade. – Nela continha informações mais detalhadas e surpreendentes sobre as valquírias. E, como sabe, tudo que enaltecesse as mulheres até pouco tempo atrás era tido quase como heresia! – Ele abaixa o tom para concluir de modo incisivo. – Como no alemão antigo, que a palavra "runa" significa "sussurro", também permita que as palavras aqui confiadas lhe sussurrem os ouvidos.
Aceito o presente, um pouco decepcionada por achar que, embora interessante, este livro nada tinha a ver comigo, minha vida ou meu problema. Walt põe a mão em meu ombro, confortando-me:
– Sophie. Nome vindo do grego, "Sabedoria"! Use-a para ajudar sua irmã! Eu sei que você é capaz!
– Infelizmente, o significado de nosso nome não reflete quem nós somos.
– Mas pode significar quem nós podemos ser. Não esqueça que foi seu nome que deu origem a "filosofia", "amor à sabedoria", a arte de ir além do que nossa realidade tem a oferecer! – enfatiza.
– E quanto lhe devo por esta... "relíquia".
– Nada! Ela não está à venda. Este romance faz parte da minha coleção particular. Apenas me devolva quando tiver certeza que já absorveu todo o conteúdo que ela tem a oferecer! – finaliza com um sorriso.
Saio do lugar sem fazer ideia de como um livro sobre mitologia nórdica, a crença dos vikings do século VII, o último suspiro de resistência ao cristianismo na Europa, poderia me ajudar. Contudo, desponto um sorriso ao lembrar de minha mãe me contando algumas lendas desta mitologia. Preferiria ler alguma ficção mais próxima a minha realidade, que pudesse me fazer refletir sobre meus atuais dilemas e não me transportar para uma realidade paralela totalmente incongruente a minha. Mas meu tio nunca havia se equivocado em suas indicações até então, por isto, o abro no taxi até meu trabalho.
Sem prefácio, referências ou dedicatória, o livro apenas continha um singelo glossário ao final. Estava suspeitando que meu tio havia me emprestado um exemplar de colecionador ou qualquer coisa do gênero, pois, apesar do aspecto rústico, a obra datava de 1994. E quem afinal era este "David Kenway" do qual, mesmo sendo uma leitora assídua, nunca tinha ouvido falar? Enfim, sem mais delongas, vamos ao capítulo I:
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O Segredo das Runas - A Escolha de Uma Valquíria
RomanceO atentado do dia 11 de setembro entrou para a história como a maior ofensiva terrorista já registrada. Em resposta, o governo americano implantou austeras medidas para erradicar este mal do novo milênio. Com o medo assolando as ruas e o clamor por...