Lá, sobre os mares verdes de Minas, onde as vagas imóveis se encontram com um céu tingido de arco-íris, silencioso e invisível um pássaro paira.
Cá, na casa de lugar nenhum, onde pardos pardais se amontoam nos beirais, com as mãos crispadas no peito e uma capa de insondável negror, ansiosa e faminta ela aguarda.
E no meio do caminho, a verde-amarela cobertura dos prados se dobra e sussurra “ele vem, ele vem”. As cigarras fanfarram, intocadas que são pela sutileza. Na calmaria da antecipação, um carro corta uma estrada, mas até a poeira por ele levantada cai mais devagar.
Nos belos horizontes, eternos e inalcançáveis, onde o rosa se espraia e as nuvens se acendem como lâmpadas de neon, asas incomensuráveis ensaiam um farfalhar.
Ela sai da morada inexistente, incapaz de ser detida, suave e inevitável como as horas que ventam em seus cabelos, em busca do desejo que arde em seu coração.
Um mugido preguiçoso silencia todos os outros, os pássaros serenatam sobre o que era e já não é mais. As folhas das árvores repicam sua música ancestral, que impensáveis éons não lograram obliterar. E no marulho calmo dos rios, a luz busca seu último santuário.
Subitamente ele exibe suas plumas de imponderável azul, asas-braços bem abertos, na agonia triunfante que é um desafio, mas é também um convite.
Ela avança, sem parar, sem pensar, sem duvidar. Seu manto se espraia por distâncias incontáveis, inescrutável e cravejado de lantejoulas que apenas timidamente se anunciam.
E os dois se abraçam com a saudade de eras acumuladas, com a ânsia de amantes que têm apenas uma última chance de dizer adeus. E bailam, o negro se espraiando pelo azul, o azul acendendo os brilhantes do manto um a um.
Quando o pássaro exausto tomba e apenas finas plumas ainda borboleteiam no ar, ela tomba com ele, finalmente completa, finalmente saciada. Seu manto se desprende e permanece no ar, testemunha e cúmplice, início e fim.
E assim, o Homem conheceu a noite. E a noite viveu por doze horas, e teve filhos e filhas.