Estou sentada e fazendo contas do bufê, da casa de festa, das flores, o apartamento inteiramente silencioso, Emily no sétimo sono. Estou completamente sozinha. Desde que a Malu voltou, passo as madrugadas sozinha. E, pela primeira vez em nove meses, me pergunto que porcaria é essa. Como uma pessoa racional como eu se enfia de cabeça em uma situação sem ganhadores?
A explicação para só estarmos eu e Emily em casa faz todo o sentido do mundo. Eddie e Malu estão compondo o CD, ela está só em casa com a Lily, está passando por um momento difícil e me deixaria feliz saber que ela tem companhia. O relacionamento mais longo que tive depois do Eddie, que foi o Sam, me deixou uma terrível sensação de membro amputado depois que terminou. Ter alguém conosco ao invés de ficar enxergando fantasmas do passado em todos os cantos e nos perguntando onde falhamos faz toda a diferença. Mas essa é apenas uma explicação, não significa que corresponda à verdade. É o que dizemos aos vizinhos para justificar o comportamento de algum membro da família que deu errado. O buraco é mais embaixo.
Eddie está lá e não está aqui porque é lá que ele quer estar. E não há bufê, casas de festa, flores ou alianças que mudem esse fato. Me pergunto se o que realmente deu cabo de seus casamentos não foi o momento em que suas mulheres se deram conta que viviam uma farsa. Também não sei se uma, ou ambas, foram enganadas. Sei que eu não fui. Me meti nisso pelas minhas próprias pernas, e quando o percebo tenho vontade de enfiar todos os catálogos, recibos e panfletos no triturador de papel. Só não o faço porque sou uma criatura teimosa. Esse é mais um traço Gonzaga.
Vou à sala, sento no sofá e fico esperando. É uma sala linda, gigantesca, a varanda cheia das plantas que eu trouxe, meu rosto em vários porta-retratos. Engraçado como tomei conta desse apartamento. Incrível o zero de resistência que encontrei. E aí fui montando tudo, achando que estava vivendo meu conto de fadas moderno, quando a verdade pura e simples é que Eddie não se importava. Para ele, tanto fazia. Toda a importância que eu me dei na sua vida se resume ao fato de que eu simplesmente não tenho a menor importância. E sempre soube disso. Eddie é o homem mais sensível e o pai mais dedicado do mundo. Escreve coisas lindas, compõe músicas fantásticas, arma cenas, te faz sentir especial. Mas, com as mulheres da sua vida, e eu sou uma delas, ele é oco. Ele arma o teatro, mas é tudo uma bela encenação. É impressionante a capacidade que temos de enganar a nós mesmos.
Escuto barulho na porta e ela se abre. Eddie entra bem-humorado, cantarolando alguma coisa. Eddie sempre canta e, quando está compondo, vive cantarolando. Imagino que entre em algum modo de trabalho vinte e quatro horas por dia, pois às vezes para de cantar, pega o primeiro papel que vê e anota alguma coisa. Mas hoje ele para quando me vê.
-Ei. Ainda acordada?
-Sim, nós precisamos conversar.
Eddie olha o relógio, confuso.
-Sério? Agora?
-Agora.
-Aconteceu alguma coisa? – Automaticamente ele toma o caminho do corredor para checar a Emily, mas eu o interrompo.
-É sobre a gente, Eddie.
E ainda que estivéssemos a poucos meses do nosso casamento e que eu o estivesse esperando para discutir relacionamento no meio da madrugada, ele não aparenta surpresa. Ao contrário, ele parece saber exatamente do que se trata.
-Vamos lá. – Ele se senta no sofá, e eu em frente a ele.
Tento ser objetiva, pois é assim que procuro abordar tudo na vida, sabe? Mas não é fácil. É um sonho incrível o que ele me ofereceu, ainda que não seja real.
-Nós nunca falamos claramente sobre isso, mas acho que agora não dá mais para fugir – Começo, e vejo que ele realmente sabe do que estou falando, pois Eddie responde:
-Não, não dá.
-Ok – Respiro fundo. – Pode ser que a Malu volte com o Tom. Pode ser que não volte. Estamos com tudo pronto para o nosso casamento. Se ela não voltar, estará mais perto ainda. Ou talvez ela volte, mas o casamento deles não é a coisa mais sólida do mundo. Eles podem terminar de vez e nós estarmos casados. Você já pensou nisso, Eddie?
-Já pensei – Ele admite, e vou confessar: Fico chocada. A Malu é o segredo irrealizável do Eddie há tempo demais. Algo totalmente quimérico na minha cabeça, e pensava que na dele também. Que ele passe as madrugadas na casa dela não me espanta, mas talvez eu não esperasse que ele lutasse por ela. Que ele colocasse em cheque sua amizade com o Tom ou o nosso relacionamento para estar com ela. Muito menos que ele se visse com alguma chance e que ficar com a Malu fosse uma possibilidade. Era essa a dúvida que eu queria tirar, mas ouvir a sua resposta me tira o chão.
-Então isso tudo é uma mentira! Estamos vivendo uma mentira! – Grito.
-Não, Rê, não é uma mentira! É o que eu quero! Pelo menos era o que eu queria até... porra, eu jamais imaginaria que algo assim fosse acontecer! Nunca passou pela minha cabeça que eles pudessem se separar, e se separar dessa forma!
Sei o que Eddie quer dizer. Também nunca passou pela minha cabeça que eles pudessem se separar e que Malu ficasse bem.
-Então eu sou prêmio de consolação! Você casa comigo se não tem nada melhor, é isso?
-Não, não é isso! – Eddie abaixa a cabeça. – Ok, no frigir dos ovos, é o que acaba sendo, mas nunca foi a minha ideia e nem a minha intenção. Eu te pedi em casamento porque achava de verdade que podia te fazer feliz.
-Sabendo que você nunca seria feliz.
Eddie fica em silêncio, e aquela foi a parte mais dolorosa de toda a conversa. No fundo, o que ele me dizia é que, por mais que eu tentasse, eu jamais teria a capacidade de fazê-lo uma pessoa realizada. Comigo, ele seria eternamente frustrado. Por fim, ele me olha nos olhos. Aqueles lindos olhos. Ele é sempre muito franco, é o tipo de pessoa em que você pode confiar, nem que seja para te dar uma paulada.
-Olha, Rê, eu já me casei duas vezes. Sempre pelos motivos errados, ainda que não me desse conta, sabe? Sempre havia um script, uma justificativa pronta. Tenho uma dessa vez também. Mas o fato é que te amo demais para fazer isso com você.
-Me diga uma coisa, Eddie, com toda sinceridade. O dia que a Malu quiser ficar com você, você vai ficar com ela?
-Vou – Ele responde, sem um segundo de hesitação, e essa, sim, foi a parte que mais doeu, por mais que a resposta já fosse antecipada.
Engulo em seco.
-Então é melhor você estar disponível no dia em que isso acontecer.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Lado Escuro da Lua
RomanceEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...