Ela disse: Que lindo!

- Há uma lágrima em você. Fique dentro de meus olhos, faça-me chorar!
Joana retornou a história para sentir esse arrepio...

Na faculdade, na casa dos 19 anos, andava meio dobrado nos seus quase dois metros de altura. Magro, dentro de roupas grandes, enrolava uns cachos que lhe caiam sobre os olhos, arrastava os chinelos.

Estudava literatura nas madrugadas. Tomava café com Coca-Cola para não dormir. As olheiras eram dois faróis apagados, naquele rosto terno e engraçado quando fumava maconha.

Jurava que havia dentro de si um poeta, mas não escreveria um verso antes de dar a volta ao mundo. - Tudo se repete, se inverte e se repete...

Joana apareceu na história pela primeira vez num som à beira do rio que rega o campus. Uma tardezinha exalando um cheiro de tontura boa. Qualquer música que saísse do gravador era linda. Todo discurso era lindo. Ele olhou para Joana. Ela disse: QUE LINDO!

Joana veio para dentro daquele coração. A primeira namorada, o primeiro sexo. A compreensão lhe acolhia por inteiro. Navegaram deslumbrados e descobridores, fizeram as mil viagens.

Vieram os acontecimentos dentro da história. A prova de literatura portuguesa, as respostas em francês. A professora louca com o francês garrafal; porque um Deus permite tal coisa? inconformou-se após ler números, capítulo 31; vestiu-se de militar para ficar nu e gritar que os odiava; declamou chorando sua primeira experiência homossexual...

Repetia o refrão "papai não quer, mamãe não deixa". Foi por esse tempo que Joana saiu da história.

Calmo e só, atordoado e só, agitado e só, pensativo, enraivecido, entristecido deixou seus sentidos se perderem, desobedecendo...

Foi encontrado, próximo à Estação das Docas, fumando um amarrotado cigarro. Vestia apenas uma toalha.

- Há uma lágrima em você. Fique dentro de meus olhos, faça-me chorar!

Joana retornou a história para sentir esse arrepio. Deitou seu rosto junto ao dele, beijou-lhe de tristeza. Afastou-se do leito devagar e foi para dentro de si mesma, para o lugar onde, nas longas noites, acordava perdida.

Recebeu alta e fez-se muito tempo. Ocorreram outras histórias. Mas ele não estava em nenhuma.

É uma criança guardada no quarto, folheando livros, rabiscando seus cadernos, encosta o ouvido nas paredes e ouve. Arruma com carinho, de baixo da cama, os brinquedinhos que ele mesmo constrói.

Quando se acolhe nos braços da mãe, faz sempre as mesmas duas pergunta: - Você sabe quem é a Joana, mãe? Eu já posso nascer de novo?

Edmir Carvalho Bezerra