O céu estava bem escuro para cinco da tarde e o ar frio demais para ser verão. As ruas pareciam mais vazias e os segundos resolviam conspirar numa passagem até mais lenta ou mais apressada, dependendo do local. Ao primeiro olhar, parecia tudo estar combinado para ser daquele jeito – todo mundo no mesmo ritmo, lento e rápido, tudo simultâneo.
Eles andavam assim mesmo, como numa coreografia daquelas muito bem ensaiadas, cheias de performances, trejeitos e olhares que só os mais experientes podiam codificar. Era uma dança ao céu aberto, todos bailando à uma velocidade que parecia ser a mesma de sempre – mas como era a de sempre se ela nunca tinha acontecido antes?
Gotas de chuva voavam em disparada acertando os performers em cheio. Na boca, no peito e no pé, ali estavam elas marcando território, quase como se tudo fosse delas e tudo a elas voltasse.
Naquela dança, só os melhores bailarinos entravam e conseguiam destaque. Elas saltavam, as mãos em direção ao céu, os pés nem tocavam de todo o chão. Olhos pregados no centro, mas esse era invisível. Então eles olhavam para o invisível. Mas, como eles olhavam para algo que nem existia?
E assim, seguiam-se horas, corações batendo ferozmente dentro do peito, que parecia demasiadamente apertado para aquela ocasião. Sofriam calados os segundos em que deviam expulsar sangue para o resto do corpo que nem corpo era. Semelhante mais era a um vulto, de onde não se reconhecem o tronco, as pernas e a cabeça gigante.
Luzes brancas, amarelas e azuis iluminaram aqueles seres-não-humanos, a chuva ainda mais forte, os flashes como em câmera lenta. Um bravo elétrico sacudiu a rua e contagiou os bailarinos. Em automático, eles bailaram ainda mais excitados e ainda mais felizes, à medida que sentiam o odor de suor exalando de si próprios. Em movimentos violentos eles se estapeavam num ritual de aceitação, louvor e perdição. Achavam-se perdidos e queriam libertação.
Bailavam subindo e descendo, os gritos enchendo os dias e as horas acelerando. Velocidade da luz já nem mais existia, tudo pelo tempo fora desfeito. E a dança se arrastava continuamente, sem ponto de partida nem de chegada.
E então, tudo parou.
A escuridão tomou conta implacável dos corpos, luzes apagando, músicamorrendo. O tempo voltou a passar lentamente, os segundos retomaram seu lugar.Prédios e praças pararam de rodar na órbita da terra e estacionavam-se bem ali,debaixo da árvore da vida. Era um monte de corpos caindo como fantoches aochão, deixando a vida ir embora de dentro de si. Tudo voltava à mesma solidão,exatamente como tudo havia começado.