Capítulo IV

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Anippe Mahlab

Lágrimas.

Muitas delas, caindo por todo o helicóptero. Gotas de tristeza minando dos meus olhos, dos olhos do Akira, da Sophia, da Malika. Corredeiras de desespero brotando de dentro da Aisha, de lágrimas pesadas somadas a sons guturais que saem entre os soluços que sacodem seu corpo esguio.

- Perdi o Carl... - ela lamenta, enquanto Malika tenta, em vão, acalmá-la. - E agora, perco o Bernard!

O Carl. O cachorrinho resolveu desaparecer minutos antes do embarque, e acabamos tendo que subir no helicóptero sem ele. Já sabia que ele faria muita falta a ela, mas o Bernard ter ficado para trás foi muito, muito pior.

Sinto uma vontade imensa de correr até ela novamente, e de ser capaz de fazer toda aquela dor desaparecer com apenas um toque, assim como eu era capaz de fazer com qualquer corpo físico. Tudo que passamos juntos fez com que nos apegássemos, e realmente, virássemos uma família. Vê-la sofrer é muito ruim, mas saber a razão disto - que perdemos um dos nossos - é muito além do que suporto. E o pior é que eu não posso fazer nada para solucionar tudo, o que só contribui para aumentar minha dor e meu sentimento de impotência.

Olho para trás novamente. Em meio a todo aquele mar sentimental, Vladmir parece um pouco alheio àquilo tudo. Sei que o russo tem dificuldades para expressar sentimentos, mas sua visível impassibilidade parece destoante com a tristeza que deixa o ar do helicóptero pesado até de respirar. Ele parece indiferente. Ou então, mascara com um rosto inexpressivo um desespero interno crescente.

Volto-me para a frente novamente.

Akira mantém os olhos voltados para o vidro frontal do helicóptero. O piloto automático está ativado e, abaixo de nós, vejo ir diminuindo a base que foi nossa prisão nas últimas semanas. À frente, só há quilômetros e quilômetros cúbicos de água salgada. Não sei para onde vamos, nem o que faremos, e eu não preciso da telepatia ativa para saber que o mesmo se passa dentro da cabeça dele.

- Você está bem? - murmuro, pondo a mão sobre a perna dele.

Um suspiro profundo brota dos seus lábios.

- Não. Na verdade, estou péssimo. - ele confessa. - Levantei vôo e larguei nosso amigo lá. Se algo acontecer com ele, eu nunca vou me perdoar.

Olho por um instante os lisos cabelos caídos ao lado da sua cabeça, e os profundos olhos violetas. Dada a proximidade que sinto com ele nesse instante, é até difícil de acreditar na animosidade que havia entre nós até ontem mesmo.

- Mas eu compreendo. Na verdade, acho que todos compreendemos. - emendo a tempo.

Os soluços de Aisha chegam aos nossos ouvidos, e ele aperta os olhos.

- Eu a fiz sofrer, Thief. Nada me dói mais do que isso.

Eu queria poder dizer algo que o consolasse, mas não consigo pensar em nada forte o suficiente, então me calo.

Lembro-me do rosto afogueado de Bernard, sorrindo para mim. "Vamos lá, Bernerd. Vai dar tudo certo", eu disse a ele. Mas eu sentia que algo ia dar errado. Eu sentia, eu sabia.

Mas não disse nada.

Eu também tenho culpa.

Sophia se aproxima de nós, abraçando a si mesma, e com o rosto vermelho lavado em lágrimas. Ela olha para o painel, e murmura com uma voz miúda:

- Eu não... Não consigo imaginar o que vai ser do Bernard agora. Isso me mata. - Ela faz uma pausa, e ao ouvir o choro de Aisha, ela complementa: - Ainda vejo Aisha sofrendo desse jeito, e me lembro que assim como não pude ajudar Bernard, não posso fazer nada pra ajudá-la.

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