One Shot - Lifesaver I

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Madison abraçou o seu próprio corpo, tentando fazer desaparecer o frio que agora se apoderava dela. Uma dor e um cansaço insuportáveis invadiam o seu corpo frágil, cansaço esse que ela não conseguia controlar. Já há algumas semanas que os seus longos cabelos morenos deixaram de o ser. Estavam agora cortados um pouco mais abaixo dos ombros o que lhe dava um ar mais jovem mas ao mesmo tempo mais débil. A rapariga acariciava lentamente as nódoas negras presentes na parte interior dos braços e soltou vários suspiros de dor e medo. Estava revoltada e assustada. Interrogava-se todos os dias se teria a força necessária para ultrapassar esta partida que a vida lhe pregara. Repousou o tronco na cama confortável e fechou os olhos por alguns minutos. Quando os voltou a abrir, algo nela tinha mudado. Sentia-se mais fraca e uma névoa ténue envolvia os seus olhos cor de avelã. Madison afagou a mão direita na esperança de fazer diminuir a dor provocada pela agulha espetada na sua pele delicada. Uma lágrima escorreu pela sua face pálida mas ela rapidamente se apressou a limpá-la. A cadeira que se encontrava bem do lado da sua cama estava vazia. A verdade é que nunca estava ocupada por mais de dez minutos. A única pessoa que ali se sentava era o seu pai, um homem incrivelmente trabalhador e dedicado, que fazia de tudo para lhe poder oferecer todo o conforto necessário. O que a rapariga mais desejava era poder tê-lo ali, do seu lado. Mas ela também sabia que por muito que ele quisesse o mesmo, isso não iria ser possível. O homem mantinha dois empregos e isso roubava-lhe tempo precioso para passar com ela. Mas Madison compreendia. O dinheiro que ele ganhava era mais que necessário para pagar todos os custos que estava a ter com ela. O olhar apagado da rapariga viajou pela sala onde se encontrava apenas ela, juntamente com uma senhora de meia-idade nas mesmas condições que ela. Um sorriso iluminou completamente o rosto de Madison quando a porta da sala se abriu. Uma figura alta e magra encaminhou-se para dentro ao mesmo tempo que tirava o casaco preto e deixava à mostra a camisa com efeito xadrez azul e preta, a preferida dela. Os olhos castanhos do rapaz brilharam ao ver a rapariga sorrir. Ele parou bem junto da cama e envolveu-a num abraço apertado, agarrando-lhe depois a mão enquanto lhe beijava várias vezes a testa. Ele sentou-se na beira da cama e ajeitou os lençóis que cobriam as pernas da rapariga. – Desculpa ter vindo tão tarde. Murmurou, percorrendo o rosto dela com o polegar. Madison fechou os olhos e apreciou o seu toque. Sentia-se segura sempre que ele estava por perto. Era uma sensação que nunca conseguiria explicar. Ela queria proferir algumas palavras mas estava demasiado exausta para tal por isso permaneceu em silêncio. O rapaz manteve a mão dela presa na sua, tentando dar-lhe uma sensação de conforto. A envergar uma bata branca até aos joelhos, um homem simpático, na casa dos quarenta anos, entrou na sala alguns minutos depois e trocou algumas palavras com a senhora de meia-idade, que lia atentamente uma revista cor-de-rosa enquanto o líquido transparente viajava através do fino tubo até à agulha presa no seu braço, tal como estava a acontecer com Madison. Desde que lhe tinha sido diagnosticada leucemia que aquele era um ritual que ela já conhecia bem. O médico aproximou-se e olhou para o relógio que trazia no pulso. Sorriu subtilmente ao rapaz de cabelos castanhos-claros e depois dirigiu algumas palavras à rapariga. – Está na hora de ires para casa. – Madison sentou-se na beira da cama e agradeceu mentalmente o facto de o sofrimento ter acabado por hoje. O médico removeu-lhe todos os dispositivos que a mantinham presa àquela cama e em seguida o rapaz ajudou-a a levantar, com um sorriso doce espelhado no rosto por finalmente poder levar a sua namorada para casa. – Portaste-te muito bem hoje, Madison. – O homem voltou a falar e ela ofereceu-lhe um sorriso sincero e esperou que aquilo que o médico dissera correspondesse realmente à verdade. Liam envolveu o corpo de Madison nos seus braços e levou-a para fora daquele ambiente hospitalar que sabia que ela tanto detestava. Ela conseguia caminhar perfeitamente pelo seu próprio pé até à saída mas ainda assim deixou-se levar pelo gesto carinhoso dele, que insistia em mantê-la bem junto dele. Apesar de tudo o que lhe estava a acontecer, a rapariga sabia que tinha imensa sorte em ter alguém como Liam do seu lado e isso fê-la soltar um sorriso. – Que foi? – Liam perguntou inocentemente, segurando a porta da saída com o pé para que Madison pudesse sair para o exterior. – Estava só a pensar em como tenho sorte em ter-te comigo. – Ela olhou-o com carinho e a mão dele encontrou os seus cabelos, que ele afagou ternamente. – Se há aqui alguém com sorte, esse alguém sou eu. – Liam depositou um beijo apaixonado nos lábios da rapariga e segurou-a pela cintura até ao carro. Ajudou-a a entrar e sentou-se depois no lugar do condutor, onde conduziu cuidadosamente até casa dela. Madison brincava com as pontas do cabelo, desejando que a viagem fosse rápida. O carro parou lentamente em frente ao portão da garagem e o rapaz voltou a ajudá-la a sair. Liam entrelaçou a sua mão na da rapariga e ela rodou a chave na porta para que pudessem entrar. O relógio pendurado na parede da sala marcava 20.10h e não havia sinais do seu pai já ter chegado. – Tens fome? – Liam perguntou com um sorriso doce. Ela acenou afirmativamente com a cabeça. – Vou fazer qualquer coisa para comeres. – Ele encaminhou-se para a cozinha e isso já não a surpreendia. Durante o último mês, aquela era como uma segunda casa para Liam. Quase todos os dias depois das aulas ele passava por lá para saber como ela estava ou então ele mesmo ia busca-la aos tratamentos de quimioterapia quando o pai dela ficava preso no trabalho. A morena subiu as escadas até ao quarto, sentou-se na cama e ligou a televisão onde mudou de canal constantemente até Liam chegar com um tabuleiro repleto de torradas juntamente com um copo de sumo de laranja. Ela sorriu e tirou uma do prato, trincando-a seguidamente. – Obrigada. – Madison olhou-o. – Por tudo. Sem ti eu não conseguia. – Ele afagou-lhe a mão e sorriu. – Eu nunca te vou deixar. Nunca. – Ela abraçou-o e sentiu imediatamente o odor agradável do seu perfume. – Liam... – Suspirou depois de lhe sussurrar ao ouvido. – Se não encontrarmos um dador compatível... – Ele levantou-se rapidamente da cama e caminhou freneticamente de um lado para o outro do quarto. – Não! Isso não vai acontecer! – Liam mexeu no cabelo vezes consecutivas pois era isso que fazia sempre que medos e inseguranças se apoderavam dele. – Nós vamos encontrar um dador compatível contigo. – Ele quase correu para Madison e abraçou-a com toda a força que tinha. Ele não suportava a ideia de poder perder a única pessoa capaz de o fazer feliz. – E se isso não acontecer? – O seu olhar doce fixou o do rapaz assustado com aquela possibilidade e ela segurou-lhe a mão fria. – Eu falei com mais algumas pessoas e incentivei-as a fazer doação de medula. E voltei a falar com professores e funcionários da faculdade e eles disponibilizaram-se para passar a palavra. – Os olhos da rapariga arregalaram-se com as palavras dele. – Voltaste a fazer isso? – Ela abanou negativamente a cabeça e continuou. – Tens de parar com essa obsessão, Liam, por favor. – Ele colocou a sua mão no rosto quente de Madison e falou num tom calmo. – Achas que querer salvar-te é uma obsessão? – Algumas lágrimas caíram pelos olhos dela assim que ouviu as suas palavras. – Não, mas... Tu já fizeste tudo o que podias para ajudar. Não podes pensar na minha doença a toda a hora. Abstrai-te disso. Vive a tua vida. Sê feliz. – Madison limpou as lágrimas com a manga da camisola e Liam puxou-a contra o seu peito. Ela aninhou-se nele e sentiu a sua respiração acelerada bem perto dela. – A minha felicidade és tu. Se não estiveres comigo, então as coisas deixam de fazer sentido. – Ela deixou escapar mais uma lágrima e a sua voz débil soou. – Eu não tenho medo do que possa acontecer. – Ele olhou-a nos olhos e percebeu que ela estava realmente a ser sincera. – Não tenho porque sei que vais estar sempre ao meu lado. – Madison ouviu-o soltar um pequeno sorriso de felicidade e orgulho enquanto acariciava os seus cabelos. Os seus olhos estavam pesados e por isso fechou-os na esperança de poder encontrar algum conforto nos braços de quem realmente a fazia feliz. Ela era tudo o que ele tinha de bom. Era terrível a ideia de a poder perder. A porta do quarto abriu-se e por ela entrou Mr. Evans. Ele assentiu com a cabeça a Liam e saiu em seguida. Madison parecia dormir profundamente. Liam levantou-se da cama devagar e pousou o corpo dela cuidadosamente no colchão para não a acordar mas quando ia a sair, a voz dela soou. – Já vais? – Ele voltou a aproximar-se dela e sentou-se novamente na cama. – Sim, o teu pai chegou e agora já não estás sozinha. – Ela assentiu com a cabeça e ele aproximou-se para a beijar suavemente. – Amanhã passo por cá para te vir buscar. – Os olhos dele brilhavam à medida que ia pronunciando estas palavras. – Onde vamos? – Madison perguntou com curiosidade. – É surpresa...

 

***

A noite caiu e o céu cobriu-se de estrelas brilhantes juntamente com a lua cintilante. Madison sentou-se na secretária branca e abriu o diário onde já era habitual escrever. Estava quase completamente escrito e poucas eram as folhas brancas que restavam. Era hábito dela descrever o seu dia, principalmente depois de lhe terem descoberto esta doença terrível. Tinha deixado a faculdade suspensa e o único lugar para onde ia quando saía de casa era o hospital. Já não se lembrava do último momento em que fora genuinamente feliz. A sua mente estava assolada apenas por memórias de sofrimento. A porta do quarto voltou a abrir-se e o seu pai entrou novamente. Ela fechou o pequeno caderno e levantou-se para o abraçar. Era bom tê-lo por perto. – Como correu hoje? – Ele perguntou, acariciando o rosto pálido da filha. – Bem. – Madison deu uma resposta convincente mas o homem fez um ar culpado e magoado. – Eu devia ter ficado contigo. – Ele baixou a cabeça e brincou com os dedos. – Pai... Eu percebo. – Ela suspirou. – De qualquer maneira, o Liam foi ter comigo. – O homem sentou-se na cama e fez um gesto com a mão para que ela se sentasse também. – Madison, eu sei que não tenho sido um pai presente... – A rapariga interrompeu-o. – Tu estás sempre preocupado com o meu bem-estar, não é por faltares um ou dois dias aos tratamentos que isso faz de ti um mau pai. – Ela olhou-o com afeto. – Mas desde que a tua mãe... Sabes, desde aí que é muito difícil para mim passar por tudo outra vez. – Ele cobriu a mão da filha com a sua. – Mas eu sei que tu não tens culpa disso. E eu vou esforçar-me para estar mais presente. – Madison voltou a abraçá-lo mais uma vez pois sabia como era difícil para ele falar naquele assunto. – Esta fase vai passar, pai. – Os olhos dela transpareciam verdade, como se tivesse a certeza do que estava a dizer. Talvez por ser nisso que ela realmente acreditava. – Nada disto é justo. – A voz rouca do homem voltou a soar. – Tu tens 18 anos. 18. Não merecias estar a passar por isto. – A rapariga sentiu a sua visão nublada devido às lágrimas que ameaçavam cair a qualquer momento, mas conteve-se. – Eu vou conseguir! Com a vossa ajuda, eu vou conseguir. – O homem sorriu orgulhoso e os seus olhos brilharam com as palavras dela. – O Liam faz-te mesmo feliz, não faz? – Madison soltou um sorriso verdadeiro. – Muito.

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