As horas se passavam rapidamente enquanto eu escrevia e as pessoas a minha volta faziam barulho. O fim da tarde chegou e como de costume, fechei meu pequeno notebook e o coloquei na mochila junto com meus dois livros que falavam sobre a escrita de livros de ficção, meus fiéis livros que estavam comigo sempre que eu me sentava para escrever. Fiz meu caminho até em casa, desejando mais uma vez que algo de misterioso acontecesse. Sempre faço esse mesmo ritual, vou até aquela lugar barulhenta, escrevo várias linhas de um livro que não tenho certeza se vai ser publicado, e no fim da tarde, volto para casa esperando que algo de mágico, misterioso ou Impressionante aconteça. Nesses dois meses nada aconteceu, mas eu continuo acreditando, eu acho.
Mais alguns dias se passaram, tudo continuava da mesma forma, o mesmo ritual maluco de sempre, pessoas gritando no meu ouvido e uma caminhada monótona até minha casa, mas na sexta-feira da segunda semana do mês de agosto, tudo mudou. Como de costume eu fui até aquele lugar, a primeira mudança aconteceu lá. As pessoas estavam rodas caladas, a maioria delas pensativos sobre o rumo que o mundo estava tomando. Agora não me lembro bem o que estava acontecendo, só sei que a maioria estava meio abalada. Apesar de tudo foi uma tarde muito produtiva para mim, talvez tenha sido pelo silêncio ou talvez algum tipo de inspiração vinda do além, mas eu escrevi 200 linhas tão rápido quanto um bom escritor. Decidi voltar para casa mais cedo, e pude ver o belo pôr-do-sol enquanto passava pela praça, e foi naquele lugar que aconteceu o evento que mudou minha vida.
Em um dos bancos da cidade, uma garota chamou minha atenção. Ela estava sentada, com a boina na mão, e de cabeça baixa. Não tenho certeza do porquê, mas quando percebi eu já estava me aproximando dela, e ao chegar bem próximo eu pude ouvir seu choro. Não, não era um choro, era mais como um pedido de socorro, como se ela quisesse ser resgatada por alguém, mas não conseguisse admitir e estivesse gritando baixinho. Então, eu sentei ao lado daquela garotas de cabelos loiros e ela, percebendo minha chegada, parou de chorar.
-Oi- Falei rapidamente.
Aquilo foi estranho, nunca em minha vida fui tão extrovertido.
-Oi... - Disse ela baixinho enquanto enxugava os olhos.
-Porque estava chorando? - as palavras saiam da minha boca com uma naturalidade quase sobrenatural.
-Eu não estava chorando. - Respondeu depois de um breve silêncio.
-Tem certeza disso?
-Sim. - ela sorriu brevemente.
-O que está fazendo aqui sozinha? - Perguntei.
Ela parou por um instante, olhando fixamente o chão. Naquele momento percebi o quão lindo eram seus olhos, grandes pupilas verdes que pareciam irradiar energia.
-Bom, isso vai parecer estranho, mas eu estava com meu amigo...- Falou abaixando o tom da voz até que ficou em silêncio.
-Isso era para parecer estranho?
-Bom, sim. Se você considerar o fato de que era um amigo imaginário...
-É, você tem um ponto. - Falei.
-É idiota, eu sei. - Falou, mais para si mesma do que para mim.
-Bom, nem tão idiota, eu também tinha um amigo imaginário quando eu tinha 7 anos. - Falei, mas nem eu mesmo dei crédito as minhas palavras.
-É, eu tenho 17. - Falou enquanto levantava.
-Para onde pretende ir? - Perguntei.
-Para casa, talvez. - Respondeu.
-Vou acompanhá-la. - Mais uma vez as palavras pareciam ter sido colocadas em mim. Era como se eu fosse um personagem de um roteiro incoerente, como se minha timidez não existisse.
-Tudo bem. - Ela olhou para mim sorrindo e depois começou a andar.
Logo eu estava ao seu lado, andando e falando besteira, enquanto a noite chegava e o momento de nossa despedida também. Ao chegar na casa dela, ela me disse seu nome e trocamos nossos números, essas coisas que pessoas relativamente normais fazem, ou pelo menos eu acredito que fazem.
Naquela noite, voltei para casa com um sorriso bobo no rosto que aparentemente, todas as pessoas da minha casa perceberam, exceto meu irmão, como já era de se esperar.Já estava tarde e eu decidi deitar. Subi as escadas e fui até meu quarto, meu pequeno quarto estava uma bagunça, meus livros estavam todos espalhados pelo chão. Ignorei a bagunça e deitei na cama, que por acaso era a única coisa arrumada naquele quarto. Aquela noite, recente achei que fosse dormir como em todos os dias faço, mas por algum motivo, fiquei relembrando aquela tarde, de novo e de novo. Pensando naquela garota. Algumas horas se passaram, e quando eu finalmente estava prestes a adormecer, ouvi alguém chamar meu nome. Levantei e olhei para onde a voz parecia estar vindo, minha janela, e lá estava, parado olhando para mim, um ser pálido e estranho, sem orelhas e de olhos totalmente vermelhos. Me assustei e passei as mãos nos olhos para ter certeza que aquilo era real. "Estou sonhando" pensei, mas aquilo não parecia em nada com um sonho. A criatura estranha me chamou novamente, e outra vez me assustei, meu corpo começou a tremer, e eu simplesmente travei.
A criatura começou a passar pelo vidro de minha janela, entrando bem devagar. Tentei gritar, mas estava sem voz. Comecei a achar que, ou aquele seria meu fim, ou eu estava alucinado.
Mas quanto mais a criatura se aproximava mais aquilo parecia real, e finalmente depois de entrar no meu quarto, ela falou:
-Preciso da sua ajuda. - Falou seriamente olhando nos meus olhos.
Continuei mudo, enquanto aqueles olhos escarlate me encaravam.
-Você, de todas as pessoas com quem eu falei, foi a única que eu tive esperança de que não ficasse assim, considerando que você sempre quis que algo "magico" acontecesse com você. - Disse enquanto levantava um dos finos dedos.
Meu corpo parou de tremer, comecei a voltar ao normal, não tinha certeza do porque, mas aconteceu e então eu finalmente consegui falar.
-Você tem razão, mas o que é você? Espera aí, como sabe disso? - Perguntei surpreso.
-Isso não vem ao caso, o importante é que preciso de sua ajuda. Não, na verdade, Emily precisa. - Respondeu. Havia uma calma sobrenatural em tudo que ele falava.
-Como assim? O que aconteceu? - A cada frase que eu terminava, eu tentava gritar feito uma menina, mas algo me impedia.
-Emily morreu. - Ele falou com a maior naturalidade do mundo.
-O que? Poderia me explicar algo ao invés de ficar falando como se eu já soubesse de tudo? - Falei.
-Desculpe, estou com um pouco de pressa então serei breve. O amigo imaginário de Emily na verdade sou eu. Sim eu existo, mas não posso estar com ela, não mais. Por isso ela se sentiu só, e decidiu se matar. Preciso que você, reviva aquela tarde, e faça ela desistir de se matar, não importa como, só quero que ela viva. O problema é que não temos muito tempo, e eu não teria poder suficiente para te mandar lá quantas vezes for necessário, então, você tem uma chance para fazer Emily desistir de morrer. - Falou tão rápido que eu quase não entendi.
-É, você foi bem direto. - Falei enquanto meu cérebro tentava processar toda aquela informação.
-Vamos lá, vou me preparar para te mandar para ontem. - Disse enquanto pegava algumas coisas estranhas de um pequeno saco.
Naquele momento meu cérebro entrou em conflito, uma parte dizia que eu não conseguiria salvá-la, a outra dizia que eu deveria tentar. As duas partes brigavam, argumentando, muitas vezes eram coisas idiotas, mas por vezes haviam argumentos realmente úteis. "Apesar de tantos pensamentos negativos, não acho que eu tenho escolha, afinal, uma vida está em jogo. " Pensei por fim.
-Você pensa que só vai por isso? Humanos são realmente tolos. - Falou a criatura.
-É por que mais eu iria?
A criatura esboçou um pequeno sorriso, e batendo uma pequena pedra no que parecia ser uma bola de cristal, ela levantou e uma grande fumaça roxa começou a sair da bola.
-Você vai reviver este mesmo dia, da mesma forma, mas não se preocupe, farei o tempo passar um pouco mais rápido até o momento que encontrar ela de novo. - Falou enquanto eu caia em um profundo sono.
Acordei, e como a criatura havia dito, o tempo passou de uma forma que eu quase nem percebi, até que o pôr-do-sol chegou. Eu me vi ali, outra vez, parado olhando aquela garota. Dessa vez só havia uma diferença, eu estava ali para salva-la, e para falar a verdade, eu não fazia ideia de como iria salva-la. Eu tinha pouco tempo, e só uma chance, mas considerando que "ontem" não deu certo, já tenho um ponto de partida. "As falhas nos ensinam mais do que os sucessos", não é o que dizem?
Comecei a caminhar em sua direção, dessa vez foi bem mais difícil, cada passo que eu dava era como se uma voz sussurrasse em meu ouvido "A vida dela está em suas mãos". Aquilo me deixou totalmente apavorado, mas eu não podia simplesmente deixa-la morrer. Depois do que parecia ser uma eternidade, sentei ao lado dela como havia feito da outra vez. As primeiras palavras são importantes não é? Posso dizer um "oi" como faria normalmente? O que eu fiz de errado ontem? Essas eram as perguntas que eu me fazia enquanto o tempo passava lentamente, enquanto a vontade de viver daquela garota fugia para bem longe.
- Oi! - Falei finalmente. Me esforçando para parecer o mais feliz possível.
- Oi! - Me respondeu depois de um breve silencio.
- Tudo bem com você? Parecia estar chorando. - Tentei olhar em seus olhos, mas ela estava olhando para o chão.
- Estou bem... - Disse baixinho.
A conversa estava sendo da mesma forma de antes, pensei. Preciso fazer alguma coisa, mas o que? Não é como se eu fosse um psicólogo, ou um velho com experiência. Sou só um escritor.
- Está esperando alguém? - Perguntei.
- Estava, mas ele não vem. - Respondeu. Cada palavra carregava uma certa dor.
- Sairia comigo hoje à noite? Não, melhor. Sairia comigo agora? - Perguntei, desejando que aquela fosse a melhor decisão.
Um momento de silêncio constrangedor passou enquanto ela pensava na resposta. "Será que pareci fui muito apressado?", "É assim que se chama uma garota para sair?", "Ela vai aceitar?", tantas perguntas se passaram pela minha mente naquele momento, mas para falar a verdade, não foi tão horrível quanto a primeira vez.
-Tudo bem. - Respondeu finalmente, quebrando aquele silêncio.
Parte um concluída, eu acho. Agora uma pergunta, para onde vou levar ela? Comecei a tentar lembrar de cada lugar que eu havia visitado, até que ela interrompeu meus pensamentos.
-Mas antes preciso passar em casa. - Disse ela.
-Tudo bem, eu vou com você. - Falei
-Você é estranho. - Falou olhando em meus olhos, e novamente reparei que aqueles olhos verdes pareciam irradiar energia. Hesitei por alguns segundos, e finamente falei.
-Bom, melhor irmos, ou vai ficar tarde para o nosso encontro.
-OK.- Disse ela, enquanto levantava.
Eu a segui. O caminho que ela estava fazendo era o mesmo de "ontem", e era um longo caminho. Ela parecia estar andando um pouco mais devagar do que "ontem", mas acho que foi só impressão minha. Passamos quase todo o caminho falando besteira, ela parecia estar bem feliz, e comecei a achar que tudo iria dar certo.
Chegamos na casa dela, e ela pediu que eu esperasse lá fora. 20 minutos se passaram, enquanto eu observava a movimentação naquela rua, e finalmente ela voltou, Vestindo uma calça jeans e um casaco azul escuro. Parei por alguns instantes, admirando sua beleza. Os cabelos loiros soltos ao vento, seus olhos verdes que pareciam brilhar, ela tinha uma beleza realmente fantástica.
-Vamos? - Perguntou, me tirando daquele transe.
-Vamos. - Respondi, balançando a cabeça. Comecei a andar e ela logo me acompanhou. - Para onde vai me levar? - Perguntou.
-É surpresa, mas aposto que você vai gostar.
-Tudo bem então.
E mais uma vez nos caminhamos juntos, andando pelas ruas da cidade, conversando besteira. Eu não conseguia deixar de pensar no quão linda ela estava, ela parecia brilhar como uma estrela, e sua companhia era uma das melhores.
Foi por essa garota que eu voltei no tempo? Pensei. Valeu muito a pena, só espero que eu não tenha simplesmente adiado o inevitável. Será que o mundo mudou muito por conta disso? Dizem que uma viagem no tempo modifica tudo, mas acho que por essa garota eu estaria disposto a voltar um milhão de vezes. Ela é como o sol, radiante e bonita, seu brilho me deixa encantado.
Nós finalmente chegamos ao nosso destino, o restaurante de minha família. O restaurante estava bem vago, haviam clientes em grandes intervalos de mesas várias, e por sorte o lugar próximo a janela estava vazio. Andamos no meio daquelas mesas redondas, com um pano branco posto encima. Foi quase como andar em um cemitério, até onde eu lembrava esse lugar estava quase sempre cheio.
O tempo voou mais rápido do que pude perceber enquanto comíamos, e quando dei por mim já era 9:30 da noite.
-Nossa! Está tarde, desculpe, fiquei falando e esqueci da hora. - Falei.
-Tudo bem, não tenho hora para voltar para casa. - Falou ela em tom despreocupado.
-Minha mãe vai ficar uma fera, mas primeiro tenho que te mostrar uma coisa, já que você não tem hora para ir para casa e eu já estou ferrado mesmo. - Falei enquanto me levantava, e ela me seguiu.
Nós saímos do restaurante e eu a levei em um dos lugares mais importantes para mim. Porque eu fiz isso? Estou me fazendo essa mesma pergunta agora, mas não consigo achar uma resposta convincente.
O lugar em questão, era o lago que ficava atrás do restaurante, na época que meu pai comprou aquela propriedade eu ainda era uma criança, e meu pai sempre me levava lá. Porque tem um lago atrás de um restaurante? Não sei, mas meu pai diz que foi um presente dos deuses. De fato parecia mesmo um presente dos deuses, o cheiro que vinha do lago, os pequenos peixes que só apareciam a noite. Tudo parecia meio místico.
-Bom, essa era a surpresa, desculpe ter demorado tanto para mostrar. - falei
-Que lindo. - Disse Emily, enquanto observava os pequenos peixes nadando.
-Sim, eles só aparecem a noite. Meu pai disse que esse lago foi um presente dos deuses, por isso os peixes são mágicos. - Falei enquanto pegava na água.
Desviei meu olhar para água por um momento, e o silêncio caiu como uma bomba entre nós, como se o tempo tivesse parado e eu estivesse sozinho. Naquele momento eu ouvi passos apressados vindo em nossa direção. Eu virei o rosto para olhar, e senti algo acertar minha cabeça com uma força tremenda, o que me fez cair desmaiado.