Capítulo I

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3 de junho de 1830

Era um belo dia na baía de Guanabara, belo como lhe disseram que haveria de ser e de uma forma que ele nunca havia visto em Lisboa. O sol brilhava lá em cima, quase em sua totalidade. Eram aproximadamente 11 horas da manhã no horário local. Há um dia ele havia visto os morros do Rio de Janeiro de dentro do navio pela primeira vez, e que navio. Era enorme, daqueles característicos para viagens de longa duração. O garoto, claro, não ocupava as cabines mais luxuosas, contudo havia pago por cada centavo de sua passagem, algo que até então lhe era inédito e apesar de tudo, lhe dava um certo orgulho. A novidade se dava pelo fato de que desta vez queria ter certeza de que tudo ocorreria sem imprevistos e chegaria sem mais delongas ao tão bem falado Brasil.

João Simão, João de Deus, Adão, ou tantos outros nomes que utilizava em seus golpes em Lisboa, era um perfeito malandro, na sua concepção e ponto de vista, e um terrível golpista ou trambiqueiro, como era comumente amaldiçoado por aqueles que eram feitos suas vítimas. Dono de face amigável e possuidor de uma belíssima eloquência, capaz de dobrar a mais nobre das damas da corte, era novo: 24 anos, mas não nos enganemos, pois na pilantragem já era profundo conhecedor e experiente praticante. Dono de uma incrível solércia, começara seus roubos e contravenções muito cedo: aos 10 anos. Nessa idade já furtava para se alimentar e fazia alguns pequenos arrombamentos onde entrava para passar a noite visando a se resguardar do frio intenso dos invernos de Lisboa. Aprendeu a entrar sem ser notado, acordar antes de todos e fugir sem ser visto, levando sempre o desjejum consigo. No início era pego frequentemente e castigado severamente para que aprendesse a viver em sociedade, mas a fome, contudo, sempre fora uma melhor educadora e mãe de todos os seus pequenos delitos. Era em nome dela que ele havia roubado até hoje e continuaria roubando sempre que preciso.

Os crimes banais de furtos, no entanto, foram evoluindo com o tempo e João fora se aprimorando na arte de afanar e na arte de fazer inimigos. À data da viagem ele já havia aprontado tanto – nada demais em seu ponto de vista – que um prêmio fora posto por sua cabeça; e um prêmio alto diga-se de passagem. Mas isso nem de longe era ruim para João Simão. Ele se via como um artista, sentia orgulho e tinha seu ego inflado pelo que fazia com tanta maestria e desenvoltura. Sabia que era o melhor naquilo, e para ele não importava o que estava fazendo, o que importava era ser o melhor. Mas de fato, agora a coisa havia ficado realmente perigosa em sua terra natal. E como se fosse um sinal, o destino parecia ter conspirado para sua fuga, apresentando a ele o momento mais indicado para sua despedida de Portugal. Talvez fosse um até breve ou quem sabe um adeus, isso nem ele, nem ninguém sabia, o importante é que essa era a hora de realizar o sonho do Brasil, a terra das oportunidades, terra onde até alguns anos atrás o ouro podia ser encontrado facilmente brotando, literalmente, do chão.

Desde muito pequeno, desde que se lembra na verdade, seu sonho sempre fora ir embora de Portugal, daquele lugar que o maltratara desde cedo, onde apanhava dos molecotes mais velhos e era surrado pelos que deviam lhe dar abrigo. Que ele sairia de lá um dia já era pacífico, mas não tinha claro em seus pensamentos o destino ao certo, ao menos até alguns anos atrás. Como se podia perceber apenas ao olhar para ele e seu estilo de vida, João não tivera uma educação formal nos bancos da escola, e o que sabia era o que a vida tinha lhe ensinado. Seu conhecimento geográfico, por exemplo, limitava-se aos locais que havia visitado, e o Brasil, portanto, lhe era desconhecido até pouco tempo atrás.

Já havia algum tempo que João escutava este nome se repetir com uma frequência cada vez maior nas tavernas e estalagens que ele e outras figuras igualmente suspeitas frequentavam dia e noite atrás de um pouco de calor, conversa fiada e uma caneca suja, grande e cheia de cerveja preta. Entre marujos, piratas, conspiradores, prostitutas e outros tão condenáveis quanto, a terra do Brasil era comumente citada como um lugar de facilidades, ou, ao menos, um lugar sem lei, onde se fazia de tudo e não se sofria consequência alguma, o que para eles todos, convenhamos, é o mesmo que "oportunidade" no sentido mais rigoroso da palavra. Exemplos de portugueses como João, ou até mesmo um ou outro conhecido de vista dali da espelunca, que haviam cruzado o oceano sem nenhuma moeda e da noite para o dia fizeram fortunas eram vários. Nem todos verdadeiros, é claro, mas ao menos uma história de algum "João" qualquer surgia por dia, sendo já o suficiente que para cada um daqueles mal elementos se motivasse tanto quanto um jovem que adentra um posto promissor no governo local.

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora