Bruno S. Andrade
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Em uma manhã fria de outono, ele saiu para correr pelo parque próximo ao seu apartamento. Logo cedo podia observar que a maioria das pessoas na rua estavam seguindo apressadas para seus respectivos afazeres diários, absortas dentro delas mesmas, como se não fizessem parte de um todo e se sentissem acima dos demais. Eram muitos contidos em seus ternos e celulares, acreditando que o importante eram as metas pessoais e não o caminho percorrido, fingindo não sofrer pelas seguidas frustrações a que são submetidos por essa escolha de comportamento, sendo mais fácil compartilhar uma felicidade hipócrita e falsa pelas páginas da internet . A vida real agora era uma perfil em uma rede social, e se os acontecimentos não estivessem lá, era como se nunca tivessem ocorridos.
O corredor esperou na calçada que os carros parassem no semáforo e assim ele pudesse atravessar com os demais. Ajustou seu capuz e seguiu olhando um pequeno pássaro que pousava em um poste de luz. Ele sabia que a natureza não é somente um cartão-postal ou um destino de férias, mas que ela estava em qualquer lugar o tempo todo ao alcance de um observador atento, que percebe a impossibilidade de pegá-la para si e sabendo que o correto é sentir e não ter.
Ele chegou ao parque e iniciou seu exercício com um trote leve, para equilibrar sua respiração com o trabalho muscular. O caminho era feito com tijolos antigos, ladeado por eucaliptos e algumas figueiras, e que também acompanhava o curso de um pequeno rio que nascia em um paredão de rochas a menos de dois quilômetros dali. Após poucos minutos ele aumentou a velocidade e baixou o capuz para sentir a força daquele vento gelado, que descia pelo campo aberto atravessando o leito de águas calmas, e colidindo com seu rosto aberto em um sorriso. Outras pessoas também caminhavam por ali, mas estavam conversando em grupos ou presas aos fones de ouvido. Somente ele fazia parte do local.
Parou depois de trinta minutos para descansar ao lado de uma grande árvore, onde percebeu o trabalho meticuloso de um joão-de-barro em sua moradia. Sentou-se encostando no tronco grosso e bebeu sua água, saboreando-a como faria um enólogo ao se deparar com uma garrafa de vinho dita de uma safra maravilhosa, e que obviamente custaria uma fortuna. De onde estava o caminho fazia uma curva aberta em uma elevação que se perdia em árvores acima e um gramado abaixo, este terminando em uma lago onde gansos nadavam tranquilamente de um lado a outro. O corredor observou o céu, vendo que um conjunto de nuvens carregadas se aproximavam rapidamente, e que os outros frequentadores começavam a deixar o lugar com medo da chuva que se anunciava. O sol se escondeu rapidamente fazendo-o levantar e seguir na direção da relva, descendo entre o verde que balançava ao sabor do tempo, de forma que ao observar ele tinha a sensação que uma dança acontecia ali, com as folhas dobrando em sintonia de um lado a outro em uma coreografia hipnótica.
Ele fechou os olhos e levantou os braços na altura dos ombros deixando as palmas viradas para cima, e o fez no momento que um forte vento percorreu o lago e o abraçou, deslizando pelos seus dedos, mãos e braços, indo de encontro ao seu corpo. O êxtase o invadiu e era como se a própria Gaia sussurrasse em seus ouvidos uma canção antiga, que contava o início de tudo e que o trazia a partilhar o todo, fazendo parte da natureza como um ponto indissociável. Abriu os olhos e viu do lado de fora. Observou além de si mesmo, como poucos tentavam fazer, e pode entender a beleza simples de tudo que estava a sua volta, passando pela força de uma preguiça pendurada em galhos próximos a complexidade da teia de uma diminuta aranha. Então a chuva veio em rajadas fortes preenchendo o ar com sua forma, e cantando sua música habitual aos ouvidos do corredor. Ele se deitou na grama para aproveitar seus sentidos, do cheiro de terra molhada até o tato do capim entre os dedos. A água transformou a paisagem em um véu de cristal e pouco se podia ver através dela, fazendo com que os animais se abrigassem em suas tocas. Mas da mesma forma abrupta que começara a chuva parou, em uma trégua que permitiu o retorno do sol, entregando ao corredor a visão de inúmeros e pequenos arco-íris, formados pelas gotas suspensas atravessadas pelos raios solares.
Ele deixou o local em que deitara voltando ao seu caminho de tijolos, com um pensamento na cabeça: "Como o ser humano tem coragem de dar valor tanto valor a coisas materiais. Estas que estão presentes na Terra a pouquíssimo tempo, enquanto todos esses pequenos detalhes da natureza, que cresceram com o planeta e carregam tanto em sabedoria, podem ser negligenciados?", mas sua mente foi além. " Perdi muito tempo dando importância a inutilidades como carro, mulheres, fama e dinheiro. Mas agora vejo claramente que as posses não fazem de você uma pessoa melhor, e que ao doar a própria vida em prol do simples e bom sinto toda a diferença no ser. A cada boa ação para o próximo que faço, devo eu agradecer por isto ao invés de esperar agradecimentos, porque o maior beneficiado sou eu mesmo".
Deixando de lado essas divagações ele olhou à frente para o restante do caminho, então ajeitou seu tênis, bebeu de sua água e voltou a correr.
FIM
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O Corredor
Short StoryUma breve história para refletir sobre a importância de pequenas coisas na vida, fazendo ver além do que seguir o fluxo social.