Musgo fantasma

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(NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 16 ANOS)

Sinopse

Nënia-Cabelos-de-Musgo-Fantasma é conhecida como a feiticeira da cidade. Cruel com seus desafetos, apavorante para as crianças, caprichosa em suas revanches. Vivendo no casebre que outrora pertenceu a uma bruxa solitária e excêntrica, a moça guarda um passado tormentoso dentro de si. As provações que enfrentou fizeram dela a pessoa fria – “Forte e independente”, diria ela – que é hoje. Com efeito, Nënia se acha mais poderosa do que a velha que cuidou dela – e talvez o seja mesmo. Mas quando uma hóspede inesperada, indesejada, bate-lhe à porta, a moça acaba revivendo lembranças que preferia ter esquecido. Lembranças que podem levá-la a repensar suas escolhas e identidade. Ou que conduzirão ambas as mulheres – Nënia e sua hóspede maldita – à perdição: à morte de uma e ao perpétuo arrependimento da outra.

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Os gritos lancinantes reverberavam feito cristal a espatifar-se, dentro daquela choupana que sempre guardara um silêncio ensurdecedor. Estalavam, açoitando o ar embolorado, pesado dos cheiros indecifráveis do que quer que contivessem aqueles baús e frascos. Ecoavam, agitando os corvos na gaiola, que crocitavam e debatiam as asas num frenesi de penas caídas. A dona deles achava bom que experimentassem a agonia; afinal, só estavam vivos ainda porque ela não precisava repreencher seus estoques de garras, bicos e olhos – todos ingredientes de propriedades valiosíssimas. E a nada mais se prestavam as aves. Não eram mensageiras, pois a mulher não tinha a quem desejasse escrever. Não eram companhia, pois a mulher preferia a solidão.

O único motivo para que gritos de gente (da tão odiosa gente!) estivessem, naquele momento, infernizando-lhe a vida, era que a velha a admoestara a jamais recusar uma batida à porta. Como a velha a antecedera naquele casebre, cuidara dela e a instruíra em tantos saberes, merecia algum crédito. A velha que ela chamara de senhora – que ela aprendera a chamar de senhora. Tão somente por ela e por seu conselho, convidara a estranha a adentrar. Não fora impelida pela cordialidade, pela misericórdia ou por outro espírito altruísta qualquer. A mulher sempre afirmara para si que desconhecia esses sentimentos ingênuos, e orgulhava-se disso.

E apenas um tremendo idiota teria, de bom grado, aberto o batente a alguém que choramingava de maneira tão deprimente! A alguém que, em troca da suposta gentileza da anfitriã, só ofertava uma gritaria endemoniada. Porque os berros continuavam, vindos do fundo do ventre, sangrando a garganta, rasgando as cordas vocais, torcendo a língua da jovem que se debulhava. Longos e ritmados, conferiam novo tom à penumbra mortiça do interior, enquanto faziam oscilar as flamas das inúmeras velas e da lareira, acesa pela mulher numa demonstração de hospitalidade nem um pouco genuína. Profundos, espantavam as almas que as crianças das cercanias, entre sussurros, comentavam habitar aos montes aquela casa.

A casa de Nënia. Nënia-Cabelos-de-Musgo-Fantasma, a feiticeira.

Ela gostava da alcunha. Servia-lhe bem. Seus cabelos, em geral negros, de fato rebrilhavam numa misteriosa cor de esmeralda, a depender de como a luz do Sol neles se refletisse. Mas assim era por um instante: era o mesmo tempo em que os olhos humanos captavam o verde metálico que reveste o dorso de certas moscas varejeiras, antes de sumirem num estalo. E havia quem associasse os insetos a Nënia, porém a má fama não a incomodava. Ela detestava, isto sim, entreouvir as pessoas alardeando essas e outras ofensas ao vento. Uma vez forçara um menino a urinar-se, pois o acaso (para ela) e a desfortuna (para ele) quiseram que o “Bruxa!” dele tivesse-lhe alcançado a audição. Em outra ocasião sufocara um rapaz por vários minutos ao compeli-lo a vomitar água sem parar, até sua língua secar – a fim de injetar-lhe tento. Absolutamente, ela não desgostava dos apelidos. Eles a envaideciam. Eram as pessoas, estas sim, que atraíam seu desagrado.

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⏰ Última atualização: Jan 09, 2014 ⏰

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