Garotas comuns

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Era uma manhã de sábado de céu azul, as nuvens pareciam ter tirado férias e o sol fazia um bom trabalho lá fora. Estava bonito demais para ficar mais um dia em casa. Vesti um short jeans, uma camiseta e calcei um par de tênis. Coloquei na mochila um velho romance, duas maças, água, duas barrinhas de cereal e uma toalha de mesa xadrez. Caminhei até a estação de trem e esperei pelos vagões barulhentos. O trem para a Central do Brasil estava vazio e me arrependi por não ter trago uma blusa de frio, seria bem útil agora. De fones de ouvido e atenta ao meu livro quase perdi a estação do Maracanã. Desci no último instante e fui agraciada com o calor carioca.
Enquanto caminhava pela estação à procura da saída mais próxima ao Parque Quinta da Boa Vista uma frase em um dos muros me chamou a atenção: "Garotas comuns também são legais". Até que a frase fazia sentido. Não sei porque, mas nós garotas comuns precisamos constantemente ser lembradas de que somos legais. E ainda assim não acreditamos.
Veja aqueles típicos filmes de sessão da tarde, as melhores garotas são as populares! As Patricinhas de Beverlly Hills são um ótimo exemplo, e quando o filme nos apresenta uma garota comum, ela acaba sendo transformada em popular também... Parece que as melhores garotas são aquelas que usam as melhores roupas, que tem os cabelos e sorrisos mais incríveis, aquelas que tem mais likes no Facebook. As garotas legais são as namoradas dos garotos mais legais, aquelas que tem histórias engraçadas sobre shows, sobre "a primeira vez", sobre coisas de tudo que elas fizeram antes mesmo do vestibular.
E as garotas comuns estão longe de serem tão legais assim. Ninguém quer saber da menina que tira 9 ou 10 em todas as matérias, as pessoas não acham graça no que elas falam. Parece que livros e filmes não são tão radicais assim. Parece que é melhor viver um castelo de cartas do que uma vida autêntica. Deixo meus devaneios quando percebo que estou a tempo demais parada em frente ao muro com a tal frase, e de repente sou surpreendida por um cara que se aproxima de mim. Ele não parece ter más intenções, seu sorriso é gentil e gosto o seu jeito tranquilo de andar. Ouço a voz da minha mãe dizendo que não devo falar com estranhos, mas isso não foi uma coisa que aprendi de verdade.
- Oi. - ele diz há um metro de mim.
- Oi. - sorrio, mas ele olha para a frase no muro.
- Você gostou da frase? - agora sim ele olha para mim e antes que eu responda ele já está falando de novo. - Você passou bastante tempo olhando para ela, então fiquei pensando se você concorda ou estava refutando ai na sua cabeça...
- Bem, ela me fez pensar bastante. Posso garantir.
- Ah, espero que bons pensamentos moça. Sabe, vocês garotas acabam se esquecendo do quanto extraordinárias já são, ficando mais preocupadas em fazer coisas que as transformem em pessoas extraordinárias. Se eu pudesse gritar para todas as garotas alguma coisa seria isso. Essa verdade que está escondida de vocês.

Sua mente é tão bonita quanto seu jeito de andar. Esse rapaz tem tudo pra ser alguém bom de se conversar, mas ele não tem muito tempo agora, outro trem vem distante e ele me diz que tem que entrar nele. Só quando se vira para entrar no trem é que vejo latas de tinta spray saindo pelos bolsos da mochila e reparo que sua calça jeans surrada está manchada de tinta também. Acabei de conhecer o autor da frase e melhor ainda, sua teoria.

Enquanto descia as escadas da estação assimilei as falas daquele garoto desconhecido. Quantas vezes não fiz coisas só para que me notassem? E muitas das vezes elas nem eram extraordinárias, tipo sentar na cadeira em frente a da professora para que ela me notasse ou me arrumar um pouquinho melhor para aquele garota que trocou olhares comigo durante uma aula inteira na faculdade...

O rapaz tinha razão, as garotas simples e comuns são tão legais quanto as extraordinárias. Nós não precisamos tocar piano, cantar super bem ou escrever melhor do que poetas clássicos, há uma "extraordinariedade" (acho que essa palavra nem existe!) que já nasce em nós. Tocar um instrumento exótico, ler histórias densas ou saber tudo sobre beleza e bem estar físico, não fazem uma garota melhor do que outra.

Me diz se tirar forças de onde se parece impossível para se levantar depois de um tombo, não é algo grande? Quantas garotas por aí lutam com momentos depressivos, com bulimia, anorexia e tantas outras doenças que sugam seu corpo e alma? Enquanto essas garotas lutam para ficar de pé ninguém as vê, ninguém sabe, mas isso só as faz crescer ainda mais por dentro (ou não, infelizmente às vezes elas não conseguem chegar lá). Meninas e mulheres que tem que lidar com o desprezo dos pais ou com da sociedade em geral, muitas delas conseguem se descobrir mesmo em meio a tanta dificuldade e lutar por si mesmas. Meninas que nunca receberam nada de mão beijada na vida e após tantas lutas vão alcançando seus sonhos... Essas garotas afagam meu coração!

Não precisamos que filmes, livros ou textos nos digam o quanto somos extraordinárias, precisamos ter essa verdade semeada em nosso coração e regá-las todos os dias, para que sejamos capazes de tornarmos mulheres fortes e decididas, mulheres que inspiram outras mulheres. Queremos mover o mundo, queremos lutar para sermos aceitas, queremos ter tanto direito na sociedade quanto os homens, mas não lutamos primeiro para reconhecermos o quanto nós mesmas somos tão importantes e grandiosas (mesmo que ninguém mais perceba isso, nós somos!). Precisamos acabar com as hierarquias que existem dentro da nossa "classe", somos mulheres, somos - deveríamos - ser todas iguais.

Garotas "comuns" não se esqueça, vocês são extraordinárias! E acredito que Deus veja vocês, o tempo todo!

Até que sair naquela sábado de manhã foi bem melhor do que imaginei que seria. A primavera e suas peripécias.

-Thais Oliveira

A Menina E O ViolãoOnde histórias criam vida. Descubra agora