O Preço De Se Tornar Rodrigo

Capítulo XVII

O bispo ainda ficaria por mais alguns minutos ali sentado no mesmo lugar, pensativo sobre o recente encontro que tivera e que julgara tão proveitoso. Não tinha dúvidas de que João fora um enviado divino. O garoto se encaixava muito bem aos propósitos que ele tinha em mente e a abordagem e o "confronto" tinham se saído inteiramente como planejado por ele. E para melhorar, ele ainda estava muito contente com sua última jogada de mestre: com aquele estratagema da doação em dinheiro ao rapaz, embora feito de improviso, ele sabia que havia acertado em cheio, comprando, literalmente, a lealdade do rapaz.

Mas o momento não era para pensamentos sem propósitos ou jubilosos, era hora de agir com celeridade e agilizar as coisas. Sem mais delongas pegou a elegante pena que repousava sobre a mesa após ter escrito o endereço de João, papel e tinta e pôs-se a redigir a carta de recomendação que tinha intenção de enviar ainda naquele mesmo dia ao vereador. A necessidade em colocar aquela mensagem no papel imediatamente era para conseguir transmitir ao seu receptor toda a euforia que estava sentindo naquele momento. Escrevendo imediatamente ele não perderia os pensamentos e estratégias que tinha formulado em tempo real na ocasião do encontro e debate com João. Após finalizada, a carta continha os seguintes dizeres:

A Vossa Excelência, o Senhor Vereador Renato Campos de Siqueira

Caríssimo,

Escrevo esta missiva, sabendo ser merecedor de alvíssaras. Por favor, interrompa a busca por seu novo serviçal de confiança. Estou lhe designando um rapazote recém-chegado do estrangeiro que é a personificação do que buscávamos, até então.

O jovem, de nome Rodrigo, pelo que pude perceber – e como bem imagina fiz todos os testes lógicos e de caráter necessários – é dotado de muitas qualidades, todas elas, imprescindíveis a um trabalhador que presta serviços a tão distinto e zeloso homem. Pelo pouco que pude apurar em nosso rápido encontro, o menino não tem medo do serviço pesado e tem muita ambição na vida, possivelmente não temerá as transgressões que o trabalho certamente lhe irá exigir mais cedo ou mais tarde.

Adianto a Vossa Excelência que o rapaz é sagaz e não se deixa enganar facilmente, advirto-lhe para que não cometa o erro de tentar tomar-lhe por tolo, ou o desfecho será desastroso, não me duvide. Asseguro-te que compreenderás o que digo quando conhecê-lo.

Encarreguei-me perante o rapaz de fazer o contato com você, e, assim que receber sua resposta, fazer chegar a mesma até ele, informando o dia, horário e local de sua apresentação oficial. Prezo pela urgência do momento, pois sei que ela se faz presente.

Aproveito para fazer lembrar o amigo daquele nosso último encontro, há algumas semanas, antes de minha viagem a distante Salvador, Na ocasião recordo-me de um vereador bastante preocupado com o desenrolar de nossos planos e, principalmente, pela falta de mão de obra qualificada. Me vem à mente também que foi só após muita insistência de minha parte que consegui fazer o senhor dobrar-se aos meus dizeres, acreditando que Deus, de fato, estava preparando tudo para nos ajudar na causa que tanto presamos.

Pois bem, aí está a resposta, meu amigo. Ajamos com sapiência.

Do amigo, ao amigo

Dom Gabriel

Bispo de São Sebastião do Rio de Janeiro