Capítulo XX

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Tão logo o dia nascera João já havia se posto em pé com aquela mesma disposição que se mostrava característica desde o primeiro dia de sua estada no Brasil, fosse para ir trabalhar no porto e voltar acabado no fim do dia, fosse para sair e procurar emprego, ou ainda mesmo para suplicar a boa ação dos religiosos. Como também de praxe engoliu rapidamente um café da manhã preparado acertadamente mais cedo do que o habitual por Camille, que já havia previsto que a precipitação e inquietação do garoto estaria ao máximo naquela manhã.

– É hoje João, – bradou ela quando ouviu os primeiros passos na escada.

– É hoje Camille. Finalmente. Não sei o que me espera, mas tenho certeza que me darei muito bem, ou no mínimo, esforçar-me-ei ao máximo e só me darei por vencido após apostar todas as minhas fichas. Ainda não acredito que o Bispo me dispensou tamanha confiança, carinho e empenho sem nem ao menos conhecer-me direito. Não posso desapontá-lo. Nem que para isso precise fazer algum trabalho do qual não me agrade muito.

Por segundos, aquilo que ouvira pareceu um presságio para Camille. O medo de João em ter um trabalho do qual não se agrade parecia adiantar que algo estava por vir ainda mais quando lembrou imediatamente da fama conturbada do vereador. Mais uma vez teve rapidamente a alma abrandada pela lembrança da indicação bispal e tratou de acalmar o garoto.

– Dará tudo certo, filho. Tenho certeza – mirou ela, ignorando o instinto. – O bispo nada mais fez do que ajudar aqueles que são bons de coração, aqueles que merecem ser ajudados. Tenho certeza que essa gente tem o poder de saber o que se passa com cada um em seu interior, e quando ele olhou para você não teve dúvidas de que era um destes que merecem toda a ajuda possível.

– Pois bem, Camille, mais uma vez só posso te agradecer por tudo. Tanto por ter acordado mais cedo para preparar-me um desjejum especial, como por estas palavras que eu estava, de fato, precisando ouvir. Agora só me resta partir de uma vez. Tenho certo receio de demorar para encontrar o local marcado como o escritório e de atrasar-me, e convenhamos, ninguém admitiria um serviçal que no seu primeiro dia de trabalho já se mostra atrasado e descumpridor dos horários.

– Certo, João, eu lhe desejaria boa sorte, mas você sabe como é, não é mesmo? – Disse ela, fazendo menção à frase que havia ouvido dele em ocasião passada e que lhe havia marcado pela espontaneidade do rapaz na ocasião. – Temos certeza que tudo irá dar certo. Mas para garantir, farei minhas preces durante o dia. Não se preocupe, com a indicação do bispo e a ajuda de meus santos, nada poderá dar errado – e soltou aquela sua enorme risada.

Saindo à rua, uma das primeiras coisas que João notara era que um dia nublado e cinzento iria o acompanhar. As nuvens escuras aliadas ao sol que ainda não saíra completamente, e que deixaria incontáveis estrelas acesas por mais algumas horas, passavam uma sensação inevitável de fragilidade e dúvida, como se ele não conseguisse sentir-se seguro. Uma sensação estranha para ele, pois este tipo de clima era a melhor representação de um dia perfeito. Caminhando sem tanta certeza para aonde estava indo, João ia sucedendo os passos conforme seu acurado senso de direção o mandava e também, claro, pelas preciosas indicações de Menon. Vez ou outra, quando ficava aparentemente perdido, procurava olhar para o horizonte e localizar o prédio da vereança municipal, um dos maiores da cidade e que podia ser visto destoando na paisagem. Localizado, também, à rua da Conceição era um excelente ponto de referência que a francesa havia o passado para casos de emergência.

Após cerca de 40 minutos de caminhada em ritmo acelerado alternando o caminho que seria o correto em termos de menor distância com rotas mais longas e contraproducentes, finalmente, João encontrou seu destino. Embora não ficasse sitado na câmara dos vereadores ou em qualquer outra repartição pública, o prédio foi facilmente identificado, pois contava com uma placa com as inscrições: "Representação pública do Vereador Campos de Siqueira". Ali estava. Seu destino separado por aquela porta, bem mais próximo do que há quase 4 meses atrás, ainda em Portugal, quando tinha todo o Atlântico a separá-lo de seus sonhos. João respirou fundo, deu 2 batidas fortes na maciça madeira, motivo pelo qual o som da sua ação não se espalhou pelo ambiente e ninguém fora recebê-lo. Não se dando por vencido forçou a maçaneta e entrou no recinto.

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora