Na noite anterior João e Camille haviam ido dormir na alta madrugada, quando já havia passado da meia-noite e o fogo havia consumido 2 enormes velas sobre a mesa da cozinha. Lá os dois ficaram conversando animadamente após o jantar, embalados por sua gulodice que os fez consumir 1 enorme pote de rapadura inteiro, outra das delícias gastronômicas de Menon. João, maravilhado, tecia os mais belos elogios e galanteios sobre aquela mulher que jurava certeza em ser a única destinada em dar-lhe felicidade até o fim da vida. Camille, encantada ao ver o brilho nos olhos do rapaz, ouvia a tudo, agradecendo ao seu Deus por ele ter colocado um pouco de felicidade na vida daquele menino que já sofrera tanto. Ela fazia questão de matar até a última gota de curiosidade e ir além, perguntava até futilidades: – Ela era formosa ao andar? De que forma estava preso o seu cabelo? Ou estava solto? Etc. João respondia absolutamente tudo sem hesitar e com o mesmo ardor e empolgação de quando dera a primeira resposta, há cerca de 4 horas atrás e muitas rapaduras antes. Camille não poupava nos questionamentos, ela podia sentir como João se emocionava ao ver que alguém estava tão interessado em sua vida, sua felicidade, seu destino. Ele nunca havia tido alguém que demonstrasse importar-se com ele. Ele não sabia como era ser querido para alguém, como era ter alguém disposto a ouvir seus problemas, suas angústias e o melhor de tudo: alguém para compartilhar e multiplicar sua felicidade. Além disso Camille via que ele estava adorando falar sobre a menina. Assim como nunca tivera ninguém por ele, João nunca tivera alguém que gostasse tanto. Portanto falava e com muito orgulho da sua pretendente. Quanto mais perguntas, melhor.
Quando foram cada qual para seu leito repousar, para João foi difícil pegar no sono, assim como todas as noites anteriores naquela semana, porém, se antes fosse pelo clima pesado da missão a qual fora incumbido, desta vez era por um motivo deveras mais alegre. Ao que tudo indicava, conseguiria finalmente, hoje, em questão de horas, o reencontro com Hage. Por fim, consegui dormir, e o que sonhou não se sabe; o que importa nesta situação é que, sem delongas, acordou antes de o sol raiar, como era de praxe para ele em ocasiões importantes. Quando abriu os olhos era cedo o suficiente para poder ver o sol que rapidamente vinha nascendo por trás das montanhas; espetáculo que tinha a graça de ver diretamente de sua janela antes mesmo de levantar-se da cama.
Ao descer as escadas tinha em mente que nem mesmo Menon deveria estar acordada a essa hora e que ele mesmo iria ter que preparar um rápido e enérgico desjejum para as surpresas que o dia lhe prometia. João tomou um susto tamanha surpresa ao adentrar pela porta que levava à cozinha e ver Menon já à beira do fogo esquentando algo para ele beber e ajudar na descida do massudo fubá que ela lhe servira, além da tradicional 2 ou 3 bananas que o aguardavam – fruto que ele fizera questão de adotar como primeira refeição diária neste país.
– Camille, o que faz aqui a essa hora, não deveria estar na cama ainda? O dia nem bem raiou totalmente. Vá descansar, você dormiu tarde ontem e deve estar muito cansada.
– João, que tipo de quase mãe seria eu se deixasse o filho sair quase às escuras, de barriga vazia, prestes a enfrentar sabe-se lá o quê? E não me venha dizer que eu já estou velha demais para acordar a essa hora, hein? Vamos, sente-se aí, já lhe servirei o que há para beber.
– Camille, você realmente não existe, muito obrigado, e, pode ter certeza que nunca esquecer-me-ei de sua lealdade para um alguém como eu, que hoje não é nada senão um ninguém.
– Não fale besteiras menino, não quero começar o dia ralhando com você.
João apenas sorriu e desjejuou calmamente espantado com tamanha disposição e bom humor daquela mulher. Mas embora parecesse tranquilo, em sua mente um turbilhão de coisas passavam-se, agora que dezenas de rotas até o local haviam sido traçadas antes de dormir. Algumas eram mais rápidas, porém por caminhos precários, outras mais longas, pelo centro da cidade, porém com um calçamento de qualidade e sem tantas poças d'água acumuladas pela chuva do dia anterior. Contrariando as expectativas, ele, no entanto, decidiu mesmo ir até o escritório do Vereador e pegar uma montaria, uma ideia que tinha nascido como boba, mas agora parecia a mais sensata de todas. Ele não poderia simplesmente chegar caminhando no melhor hotel do império, tentando uma recepção com uma nobre estrangeira. Tal cenário era inconcebível. Assim também já aproveitaria a ocasião para ver com Rosa se o patrão havia lhe deixado novas ordens e, caso houvesse, rezava desde já para que não fosse nada urgente que pudesse lhe tomar o dia em despacho. Nada poderia atrapalhar aquele que era o dia de Hage Holsters.
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O Preço De Se Tornar Rodrigo
Ficção HistóricaQuando não se tem nada a perder, por que não arriscar? Afinal, para quem nada tem, qualquer pouco que for alcançado já será muito. Este é o pensamento de João, um jovem português que, no século XIX, sem nada que o segurasse em sua terra, resolve par...