João descera para o jantar de alma lavada, ou senão, ao menos mais sossegada. Naquele meio tempo havia repousado não mais do que 1 hora marcada no relógio, mas para ele, que não dormia bem havia dias, foi como se houvesse descansado por cerca de meio ciclo completo do sol. Seus maiores problemas, um deles sobre Hage e o outro a respeito do Vereador, estavam, ambos, senão praticamente resolvidos, ao menos encaminhados. Quanto ao amor de sua vida não mais havia preocupações, somente a angústia do querer estar sempre perto e não poder. E justamente por causa dela ele pôde dormir sossegado, pois sabia que as intenções de felicidade da moça eram as mesmas que as suas. Somente assim para ele enfim descansar e acalmar os ânimos, tão excitados nas últimas semanas. Quem ama sabe que o amor conforta, traz paz e serenidade, tudo o que ele queria desde que resolvera migrar para o Brasil, aliás, desde bem antes, desde quando podia recordar-se e puxar da memória, na verdade. Seu maior desejo – que vinha antes do dinheiro e de coisas mundanas – era a paz interior; algo que o acalmasse o espírito. – Estar bem consigo mesmo deve ser a melhor das coisas – imaginava João.
Quanto ao segundo de seus problemas, o trabalho tortuoso que o vereador o pedira, tinha tomado uma decisão final e, portanto, isso já não mais o incomodava: Faria tudo o que fosse necessário para poder ficar perto da sua donzela e quanto a isso não haveria mais reconsiderações ou chance para mudanças. Agora só aguardava o momento de romper o lacre da carta recém-chegada para agendar os próximos passos.
Assim, portanto, renovado, desceu ao encontro de Camille e daquele que parecia ser mais um gostoso "mexido", como ela chamava o prato do dia, geralmente servido nas quintas ou quartas-feiras, que nada mais era do que uma mistura e reaproveitamento daquilo que fora cozinhado nos dias anteriores, havia sobrado, e agora era utilizado antes que estragasse. Geralmente envolvia verduras e grandes quantidades de arroz misturadas a alguns poucos pedaços de carne de sol picados. O sabor era incrível graças aos temperos e à mão mágica da francesa. O cheiro do mexido fez questão de ir buscar João lá no alto da escada. O rapaz, convidado por aquele aroma mágico, desceu o mais rápido que pôde, fazendo – de propósito – um grande barulho ao dar pesados passos. A felicidade tinha de escapar por algum lugar.
– Ah, João, até que enfim. Já estava achando que iria perder a janta, mas estava receosa em ir lhe chamar. Por conta destes seus últimos dias de abatimento, você parece tão cansado que não teria coragem de incomodá-lo.
– Sim, eu estava, Camille, mas a felicidade que sinto pelos acontecimentos de hoje à tarde, e este breve cochilo, fizeram milagre com a minha pessoa. Agora só posso dizer que estou ansioso. Ansioso por seus conselhos, seu mexido e por minha carta.
– Hahaha, vejo somente coisas boas na sua vida, garoto, já lhe disse. E a primeira delas começa em instantes, afinal, não existe comida ruim quando se está com fome. Pessoas com seu apetite são aquelas para as quais eu mais gosto de cozinhar. E mais: garanto-lhe que os conselhos serão sinceros, o mexido foi feito com carinho e a correspondência é urgente e contém algo importante, segundo o negro que a trouxe.
– Não sei nem por onde começamos. Bem, sirva-me por gentileza um prato enquanto conto-lhe o único dos detalhes que me atormentam e impede minha total felicidade.
– Mas é para já, ande, fale-me, desembucha, não aguento de tanta ansiedade.
– Pois então, em termos gerais posso lhe dizer meu encontro com Hage foi bem-sucedido. Ao chegar no local que me indicaste passei por uma certa dificuldade com o serviço, pelo menos enquanto eles não sabiam que eu era um homem do vereador. Ahh, o poder, Camille, como é gostosa a sensação. E os prazeres que ele proporciona então? Foi somente por influência de meu patrão que pude subir ao encontro da dama. A recepção foi mágica, tanto para mim, quanto para Hage. Após uma breve conversa em seu aposento, descemos e passeamos de braços dados no largo da praça que fica em frente...
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O Preço De Se Tornar Rodrigo
Historical FictionQuando não se tem nada a perder, por que não arriscar? Afinal, para quem nada tem, qualquer pouco que for alcançado já será muito. Este é o pensamento de João, um jovem português que, no século XIX, sem nada que o segurasse em sua terra, resolve par...