Ao subir as escadas Hage já subira com um sentimento diferente. Os rapazes da recepção notaram de cara, assim como um dos encarregados da comitiva, Folks, um carrancudo germânico, amigo próximo daquele a quem ela havia pedido e havia lhe concedido a saída do prédio para o passeio com João. Na hora em que ela passou o homem encenava qualquer coisa no saguão do hotel enquanto na verdade espreitava o momento exato em que ela voltaria do passeio, e o mais importante: com quem. Ela passara tão atordoada, talvez pelas felicidades, talvez pela dor, que nem mesmo viu o indivíduo por ali.
Lá em cima, no quarto 306, ela continuava aquele prélio contra a bipolaridade momentânea: de um lado, morria de felicidades, tudo por causa da paixão que lhe irrompera no peito de súbito e transformara todos os problemas daquele país equatorial que tanto a incomodavam, como a eterna sensação de calor e mal-estar que ocorre em pessoas tão habituadas ao frio como ela; aquela sensação incômoda e que ela detestava de estar sempre úmida, molhada de suor – ainda mais com suas vestes nobres e europeias, desenhadas para seu país, clima e temperatura, totalmente diferente do que estava encontrando pelo Brasil. Mas pela força do amor, tudo isso, agora, não passava de uma leve distração.
Melissa flutuava e jurava que não haveria ocasião que lhe faria sair mais daquele quarto, enquanto estivesse no Brasil, que não fosse para encontrar com João. Até lá ficaria ali mesmo onde estava, em sua cama, afazer bem mais interessante, onde podia relembrar cada palavra de carinho dele e sentir novamente o mesmo rubor de quando as escutara pela primeira vez. Espiava vez ou outra pela janela e se remoía por conta de certos impulsos que, na hora em que conversavam, a fizeram julgar ser melhor não ceder em um primeiro encontro e não dizer tudo o que sentia. Agora arrependia-se ao ponto de querer voltar no tempo e dar alguma resposta em especial que ficou devendo ou tomar alguma atitude que não saiu por ela se conter na hora exata.
Mas e se toda a excitação de ser amada lhe causara os melhores sentimentos, é preciso esclarecer àqueles que se perguntam, que sim, momentos ruins também haviam; e daí decorre o sentimento de bipolaridade que há pouco referimo-nos. Como é sabido somente por aquele que já amou de verdade e que por sua mais real invontade teve de ficar longe de quem não suportava 1 metro de distância sequer, com o cair da noite vem também o sentimento de incompletude, o sentimento mais do que verdadeiro de que não é possível ser feliz sozinho, quanto mais ser feliz sozinho depois de ter conhecido o amor de sua vida, aquele a quem você está destinado a viver junto para todo o sempre e pelo qual morreria, sem pensar duas vezes, caso assim fosse necessário. A vontade nestes casos, ou melhor, a não vontade ataca com ferocidade nesses casos, puxando para baixo o espírito e a vivacidade do solitário, que sem nada de seu interesse para lhe ocupar a mente, apenas vive para corroer-se por dentro e ter a certeza de que está desperdiçando cada segundo que não na presença daquela pessoa tão estimada.
Assim era como Hage se sentia: Feliz, triste, amada, desiludida, esperançosa, desacreditada. E para aqueles que nunca amaram de verdade e que acham tudo isso um exagero sem tamanho, saibam que o drama descrito corresponde a apenas uma pequena parte das questões que a atormentavam, assim como a qualquer outro jovem que se encontre no mesmo estado de paixão desesperada. E mais um detalhe de suma importância, para, agora sim, dar a intensidade da situação: não se esqueça que este relato condensa apenas as primeiras horas longe do seu amado...
Havia ainda a questão de sua partida, que embora não tenha tido coragem de contar a João, não estava muito longe. Nestes momentos em que ela lembrava que iria ter de partir, ela desabava. Olhava incansavelmente para o assento onde ele havia brevemente sentado algumas horas antes e, com uma de suas próprias mãos tentava reproduzir na outra a firmeza do toque que sentira vindo dele. E assim, com todos aqueles sentimentos massacrando-a, precisava, ainda que à sua maneira, encontrar uma forma que justificasse sua permanência no Brasil após a partida da comitiva.
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O Preço De Se Tornar Rodrigo
Ficción históricaQuando não se tem nada a perder, por que não arriscar? Afinal, para quem nada tem, qualquer pouco que for alcançado já será muito. Este é o pensamento de João, um jovem português que, no século XIX, sem nada que o segurasse em sua terra, resolve par...