Naquela manhã João ainda apuraria o passo como pudera. Sua intenção era dar tempo de voltar à hospedaria e avisar Camille que ficaria fora por uns dias ainda antes do meio dia. – Será uma pequena viagem a trabalho – disse ele. Ela, claro, não questionou ou duvidou de qualquer coisa, trabalhando ele para quem trabalhava, essas rotinas seriam comuns dali para a frente. Quanto ao rapaz, estava focado e com o objetivo bem definido em mente, tanto que ao chegar no Regresso Relutante nem mesmo quis tirar o almoço que tinha em haver com o seu estômago. Subiu diretamente ao seu quarto para pegar as poucas mudas de roupa que possuía e partir ao encontro do capitão o quanto antes.
Enquanto zanzava meio atordoado pelo quarto tudo o que conseguia fazer era observar aquela carta sobre a mesa, meio aberta, meio fechada, e pensar que estava a ponto de selar o destino de um homem e mudar o rumo de tantas pessoas para sempre. Mas dessa vez, ao contrário dos primeiros dias em que passou com a ideia na cabeça, não sentia remorso, tristeza ou qualquer sentimento, ou melhor, qualquer sentimento ruim, pois os demais ele sentia, e muito. Olhava para a correspondência e sentia euforia, entusiasmo, disposição, despreocupação, enfim, aquela ansiedade característica que se tem quando se quer cumprir uma tarefa o quanto antes visando à recepção do prêmio.
Na verdade isso era tudo que importava para ele agora: a recompensa que ele receberia. E essa decisão só foi facilitada quando o destino, é claro, colocou-lhe entre o amor e de um lado e a infelicidade eterna de outro. A partir desse momento tudo passou a se resumir a um pensamento: Aquilo que ele teria de fazer para ver seus sonhos tornando-se realidade. Apenas isso, mirar o destino sem se preocupar com o caminho que levava até ele.
– Se a minha felicidade irá custar a vida de um homem, que assim seja. Quem me garante que ele não merece esse destino? E se eu estiver sendo a mão de Deus praticando justiça? Quantos ele matou em seus campos de batalha? Quantos pais ele ceifou do convívio com os filhos? Quantas esposas que não viram o marido retornando ao lar por sua causa e restam até hoje amaldiçoadas pela solidão? Quantas famílias estão hoje passando necessidade por não ter um provedor presente? E mais, se alguém tivesse feito antes de mim o que eu irei fazer em breve, quantas vidas teriam sido salvas? Quantas famílias não teriam sido destruídas? Sim. Estou fazendo um bem a todos. Se eu não fizer, quantos ele ainda irá matar? Quantas famílias serão destruídas por este indivíduo? Homens como ele têm o sangue nas mãos, e é só questão de tempo até matar mais e mais. Estou salvando vidas. Elimino um, e tão somente um, e como consequência salvo dezenas, quem, sabe centenas ou milhares.
João fazia um enorme exercício mental tentando achar uma escusa para suas atitudes e convencer a si mesmo de que ele estaria fazendo um bem a todos com seu ato. Típico daqueles que não querem assumir suas ações, que acham mais fácil assacar os outros por seus erros do que enfrentá-los, afinal, como se falava naquele tempo: A desculpa do bêbado é sempre a cachaça.
Como ainda era cedo, não viu problemas em um rápido descanso, afinal, tinha madrugado naquela manhã, e há dias que não dormia bem com tanta emoção. Assim deitou e descansou enquanto achava as melhores desculpas para seus atos. Acordou com a certeza de que tudo o que faria dentro em breve, era necessário, quer seja por um motivo ou por outro. Não importava. Tinha de ser feito. Após não mais do que meia hora saltou da cama com a mesma disposição que acordara naquela manhã, empolgado e restaurado. João tinha o poder de recuperar grandes doses de energia com pequenos períodos de descanso. Traço que aprendeu à medida em que deixava de ser criança e começa a virar menino e depois homem. Descobriria, lá em Portugal, que uma noite completa de sono para alguém como ele era muitas vezes impossível. Aprendeu a descansar muito em pouco tempo.
Com tudo pronto: coisas arrumadas, corpo revigorado, pensamentos em ordem, escusas concluídas, desceu com sua pequena mala contendo as poucas peças de roupa que dispunha. Na saída foi, obviamente, dar mais um abraço sincero e apertado de até breve em Menon.
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O Preço De Se Tornar Rodrigo
Fiksi SejarahQuando não se tem nada a perder, por que não arriscar? Afinal, para quem nada tem, qualquer pouco que for alcançado já será muito. Este é o pensamento de João, um jovem português que, no século XIX, sem nada que o segurasse em sua terra, resolve par...