O violinista

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Conto: A primeira vez que Safira se encontra com Adrian Gnoatto.

Fiquei parada olhando como boba aquela sala maravilhosa que estava a minha frente. Talvez tia Elizabeth tivesse razão, fazia pouco mais de dois meses que eu estava aqui em Roma e as aulas de música com toda certeza poderiam ajudar na minha adaptação. Olhei para as grandes portas de vidro atrás de mim mais uma vez e me virei novamente para encarar o lugar aonde eu viria a passar um bom tempo do meu dia. O Palazzo Musicale, da Signora Gnoatto, era um dos melhores estúdios de música de Roma. Quando a ideia de ter aulas de músicas surgir, tia Eliza e eu pesquisamos vários lugares, muitos deles que ficavam no nosso bairro mesmo, mas esse foi o que mais me chamou atenção.
Pelo que eu podia ver, a lugar era consideravelmente novo e apenas um dos vários salões onde as aulas aconteciam. Algumas paredes eram pintadas de uma cor bem clara e pelos menos outras duas de um vermelho bem escuro, num estilo meio vintage, havia notas musicais perfeitamente pintadas nas paredes mais claras e logo abaixo trechos de músicas bem conhecidas. Nas paredes vermelhas havia quadros e dedicações a grandes nomes da música clássica e popular, eu nem sabia para onde olhar direito. O primeiro salão era organizado em três partes distintas.
A parte que ficava de frente para a porta, era onde se localizava três belos pianos pretos com um bom espaço entre cada um deles, logo ao seu lado estava uma porta de vidro que dava para um belo jardim lateral. De onde eu estava parada podia ver uma pequena fonte congelada pela neve bem no centro dele, não havia flores e os arbustos estavam brancos, mas mesmo assim era uma vista perfeita.
Em paredes opostas umas as outras, se encontravam os violinos e violoncelos, cada um muito bem organizado em seu lugar de apoio. Poucas cadeiras enfileiradas estrategicamente com a estante de partituras logo na frente estavam posicionadas de ambos os lados, dando um espaço para certa liberdade para os alunos. Tudo era limpo e muito bem organizado, eles souberam bem como aproveitar esse espaço. Uma porta de madeira bem ao fundo dava para outra das várias alas, aqui tinha de tudo, aulas de canto, instrumental e até mesmo dança, pelas informações que eu tinha visto na página do estúdio, eles estavam abrindo uma nova área que seria dedicada a aulas de arte. O dono desse lugar era um verdadeiro gênio, quem quer que olhasse para essa bela construção iria querer estudar aqui ou matricular os filhos para uma das aulas. Tudo parecia tão sereno e, o único som que se podia ouvir eram as notas que vinham de um piano tocado em alguma das salas.
Pelo que a moça que me recebeu falou, a Signora Gnoatto estava terminando uma de suas aulas e iria me receber logo em seguida, deu carta branca para que eu conhecesse o lugar enquanto esperava. Fiquei parada admirando a vista e lendo as citações nas paredes, algumas estavam escritas em inglês e outras em italiano, por sorte eu já estava com um bom domínio da língua para entender.
—Con licenza, – falou uma voz rouca atrás de mim. - devo andare.
Me virei assustada para a pessoa que tinha falado, estava tão absorta lendo as citações que nem tinha notado que ainda estava parada na porta, mesmo que tivesse bastante espaço para passar, eu estava como uma estátua bem no meio da entrada. Abri um sorriso sem graça e olhei para o garoto que estava na minha frente. Ele tinha provavelmente a minha idade, no máximo um ano mais velho, e era pelo menos uns dez centímetros mais alto que eu. Seu cabelo era um pouco grande de um castanho indeciso entre o claro e o escuro, flocos de neve se prendiam em alguns das ondas emaranhadas e outros já derretiam. Sua pele branca estava corada por causa do frio, o que dava um ar mais juvenil a ele, tinha lábios carnudos e avermelhados como se ele os mordesse muito. Seu rosto tinha traços de uma incrível mistura de etnias, não era algo que você caracterizasse por perfeito, mas tinha uma variação exótica o suficiente para ser considerado interessante. Tinha um corpo esguio e um tanto elegante, ombros largos e um físico que eu poderia dizer que era malhado, mas nada que ficasse muito em evidência, talvez aquele desenvolvimento natural que os garotos geralmente têm. O que realmente era fascinante em sua aparência eram seus olhos, um azul tão claro que me lembravam da água do mar e pareciam tão profundos quanto ele.
Estava com um casaco grosso e um cachecol azul que fazia com que seus olhos se destacassem ainda mais. Uma de suas mãos segurava um violino e a outra, um arco, provavelmente era um aluno.
—Desculpa, eu... - comecei e pigarrei notando que ele poderia não me entender. – Scusa, era distratto.
O rapaz olhou para mim por um momento e depois abriu um largo sorriso.
—Não é italiana? – perguntou, para minha surpresa, com um sotaque britânico.
Sorri sem graça e um pouco mais aliviada, apesar de amar esse lugar e o idioma, desde que cheguei já passei por momentos bem constrangedores. Fazer apenas sinais não estava ajudando muito.
—Não, faz pouco tempo que estou por aqui. - falei abrindo espaço para que ele entrasse. – Você é britânico?
Ele sorriu e chacoalhou a cabeça.
—Eu morava com os meus avôs nas Inglaterra, mas sou daqui de Roma mesmo. – falou passando por mim. – Faz pouco tempo que voltei a morar com meus pais, mas passei tanto tempo lá que o sotaque ficou.
—Bom que pelo menos uma pessoa vai me entender se eu escorregar no italiano.
—Bom para mim ter uma estrangeira por aqui. – falou. – Veio se matricular?
O sotaque dele era interessante, nunca tinha conhecido um britânico antes. Bem, a Europa toda era salada de interesses para mim.
—Na verdade estava conhecendo o lugar enquanto espero a Signora Gnoatto, eu já fiz a minha matricula.
Ele entrou no salão e colocou o violino com cuidado encima de uma mesinha que tinha logo ao lado da entrada, a qual eu nem mesmo tinha notado de tão deslumbrada que tinha ficado com tudo. Ele tirou o grosso casaco e dependurou num cabideiro que eu também nem tinha notado que havia ali, mas já isso eu não podia dizer se era por falta de atenção ou pela minha lerdeza.
—Mama não terminou a aula ainda? – perguntou.
Olhei para ele confusa por um momento e depois arregalei os olhos.
—Mama? - perguntei.
O rapaz riu, provavelmente estava rindo da cara de idiota que não entendeu nada que eu estava fazendo. Sempre fui ótima em fazer expressões cômicas.
—Desculpa te deixar confusa. - falou se aproximando de mim e estendendo a mão. - Prazer, sou Adrian Gnoatto, filho de Lavínia.
Apertei sua mão ainda meio surpresa com a notícia.
—Safira Delacur.
Ele franziu a testa por um momento.
—De que parte da Europa você é? - perguntou.
Eu ri negando com a cabeça, ele não era a primeira pessoa a me perguntar isso. Minha família era uma mistura étnica tão grande que eu nem sabia ao certo de onde tinha se originado o nosso nome.
—De nenhuma dela, sou americana. - falei. - Apenas vim passar um tempo aqui com alguns familiares.
—Explicado. - falou soltando minha mão. - Então, qual instrumento você vai estudar?
Apontei para os pianos no fim da sala, não que os outros instrumentos não me interessassem, particularmente eu gostaria de aprender todos se pudesse, mas o piano sempre foi o meu favorito.
—Hum, uma pianista...
—Quase isso, sei tocar bem pouco. – falei. – Aprendi algumas coisas tendo umas aulas perto de casa e quando acompanhava minha amiga nas aulas dela.
—Gostando de música é o suficiente para agradar minha mãe. – falou. – Ela sempre foi uma amante dessa arte em particular, eu basicamente cresci nos camarins de teatros vendo as apresentações dela.
Sorri imaginando essa cena, um Adrian criança escondido atrás das cortinas enquanto a mãe brilhava no palco de um teatro lotado, deveria ter sido legal ter vivido isso. Olhei para a sala novamente, mais de perto o lugar parecia ainda mais bonito.
—E você? – perguntei olhando novamente para ele. - Toca só violino ou algum outro instrumento?
Adrian sorriu olhando para o lado, o brilho da luz que emanava do salão deixava a cor dos seus olhos ainda mais clara.
—Sei de tudo um pouco, minha mãe me iniciou na música desde muito novo. - falou. - Mas minha paixão é o violino.
—Pode tocar alguma coisa para mim? – perguntei.
Ele sorriu enquanto acenava e andou até a mesinha onde tinha deixado seu instrumento.
—O que quer ouvir? - perguntou.
—Bom, apesar de não conhecer muita coisa de violino, eu sou apaixonada por músicas instrumentais... – pensei por um momento relembrando as músicas que mais gostava. – Você já escutou a música tema de Piratas do Caribe? He’s a Pirate?
Adrian segurou o violino e ficou olhando para mim com uma cara engraçada, como se não estivesse entendo algo ou eu tivesse acabado de lhe contar uma piada. Será que falei alguma coisa errada? Aquela era uma das músicas tocadas ao violino que eu mais gostava.
—Falei alguma coisa errada? – perguntei.
Ele sorriu chacoalhando a cabeça como se ainda não acreditasse em algo.
—Apenas estou feliz por ter uma pessoa que vai entender quando eu falar que meu sonho até alguns anos atrás era ter o navio Pérola Negra. – falou ainda chacoalhando a cabeça. – Por onde você andou escondida todo esse tempo?
Eu ri de sua cara de bobo.
—Aprendendo italiano para sair na rua sem passar vergonha. – falei.
Adrian soltou uma risada contagiante enquanto posicionava o violino em seu ombro e pegava o arco, respirou fundo fechando os olhos por um instante e começou a tocar. Logo a melodia que embalava um dos meus filmes favoritos estava dominando o salão em um ritmo fantástico. Adrian realmente era muito bom, a precisão com que puxava seu arco e a firmeza que seus dedos tinham ao deslizar pelas cordas mostrava os anos de prática que tinha, o que realmente era impressionante. Logo que encerrou a música que pedi começou a tocar uma muito familiar, Secret de One Republic, uma das músicas que Tess mais gostava, apesar dela geralmente ser tocado no violoncelo. O som dominou todo o espaço à nossa volta, era uma melodia tão boa que fechei os olhos e fiquei me balançando no ritmo que as notas me traziam.
Quando abri os olhos, ele estava com um sorriso satisfeito no rosto e assim ficou enquanto encerrava sua pequena apresentação.
—Uau. – falei batendo palmas e ele fez uma reverência como se estivesse na frente de uma plateia. – Você toca muito bem.
—Obrigado. - falou abaixando o violino. – Aprendo essas quando estou no meu tempo de folga. Minha mãe me obriga a praticar muitas horas por dia.
Olhei para ele e sorri.
—Você leva muito jeito para isso, está de parabéns.
—Fala isso porque não me ouviu cantando. – falou dando de ombros.
Adrian colocou o violino encima da mesa novamente e olhou para mim, curioso.
—E você, Safira, para o que leva jeito? – perguntou.
—Desenhar, pintar... Mas acho que principalmente escrever.
—E não leva jeito para a música?
Olhei mais uma vez para a fonte congelada, Adrian parecia ser uma pessoa legal, talvez a segunda mais legal que conheci por aqui depois de Anthony. Era divertido e bem fácil de conversar, talvez ainda mais porque sabia falar a mesma língua que eu.
—Talvez um pouco, mas ela é mais um hobby do que algo no qual eu realmente sou boa ou nasci para fazer.
—É boa em artes e escreve bem, aposto lê bastante também, gosta de música, tem um gosto para filmes que eu aprovo... O que mais devo saber a seu respeito? – perguntou cruzando os braços de jeito dramático.
Eu sorri, ele era uma figura.    
—Sou simples para a maioria das coisas, observo mais do que falo, não sou muito engraçada... - cocei meu queixo. - E sou ótima em dar escorregões épicos no gelo.
Adrian jogou a cabeça para trás e gargalhou alto, ele ficou por um tempo assim até conseguir se controlar. Devo ser uma espécie nova de pessoa para ele estar me achando tão engraçada.
—Já foi na estação de patinação do bairro? – perguntou.
—Não, e também não sei se é uma boa ideia para alguém com a minha coordenação motora.
Ele estendeu a mão para mim novamente, fiquei olhando para ele de testa franzida, confusa. Ele era engraçado, mas não era uma das pessoas mais normais.
—O que foi?
—Pega na minha mão.
Segurei em sua mão novamente e ele começou a balança-la em um forte aperto.
—Prazer, sou Adrian Gnoatto. - falou. - Serei seu amigo e guia enquanto estiver nessa cidade maravilhosa, assim como também irei adorar atormentar você em cada oportunidade que tiver.
Comecei a rir do seu jeito, não me lembrava de já ter conhecido alguém como ele, ainda mais alguém que se dispusesse ser meu amigo tão rápido. Mesmo no colégio eu conversava com poucas pessoas, a maioria era mais sobre as matérias.
—E porque escolheu justamente a mim para o papel de sua amiga? - perguntei curiosa.
Ele abriu um sorriso adorável que fez uma covinha aparecer em sua bochecha direita.
—Justamente porque você é ótima em dar escorregões épicos no gelo. - falou. - E eu não vou perder esses momentos por nada.
—Você é louco.
—Acredite, amore, - falou sorrindo de lado. - já me chamaram de coisa pior.
Eu apenas ri ainda mais, que figura. Minha risada se encerrou quando uma mulher apareceu pela porta de madeira no final do salão e chamou meu nome. Ela era alta e elegante, seus cabelos eram de um castanho indeciso e os olhos de um verde muito claro, pelo sorriso que havia em seu rosto poderia dizer que o filho puxara a ela. Sorri para Adrian, seria legal ter ele como amigo.
—Acho que tenho que ir. – falei.
—A presto, - falou me dando uma piscadela. – mia belle amica.
Ainda sorrindo, caminhei pelo salão em direção a Sra.Gnoatto, ao que parecia minha espera finalmente tinha acabado. No final das contas parecia que minha tia tinha mesmo razão, as aulas de músicas estavam me ajudando muito e elas nem tinham começado ainda. Eu não poderia dizer como ia ser a partir dali, mas sabia que esse seria um ano bem interessante.

Fim.

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1 – Con licenza, devo andare. – Com licença, preciso passar.
2 – Scusa, era distratto. – Desculpe, estava distraída.
3 – A presto, mia belle amica. – Até breve, minha bela amiga.

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Nota da autora:

Olá pessoal, é meu aniversário, mas sou em quem gostaria de dar um presente para vocês. Kkkkkkk
Então, contrário do habitual, ao invés de postar um cap, quis deixar um conto que escrevi a algum tempo já... Apenas para vocês saberem um pouquinho mais desse "amigo" da Safira kkkkkk
Bem, eu não sei quando vou poder postar o próximo cap, porque essa semana vai ser bem corrida para mim, mas prometo me esforçar para postar alguma coisa kkkkk
Bem, me presenteem com votos, comentários e divulgações. Kkkkk E obrigado por esses atenciosos meses quem vcs vem dedicando a MUS.
Espero que gostem.

Boa Leitura!

Meu Último Suspiro - O início - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora