Conto Três
ABALOS DE FINAL DE ANO I
Fábio Guastaferro
"(...) e as estrelas do céu caíram sobre a terra como figos verdes caem da figueira quando sacudidos por um vento forte."
APOCALIPSE 6:13
Foi como uma gigantesca bomba atômica.
No início pequenos fragmentos apareciam riscando o céu. As pessoas admiravam, mas não davam importância. Uma pedrinha ali, um risco no céu aqui, aos poucos eles foram se tornando cada vez mais constantes. Todo dia tinha um, dois, três, até vinte ou trinta meteoritos cortando o céu, mas nada de excepcional.
Até que se anunciou a primeira queda. As expectativas eram grandes. Medo e desespero para uns, salvação e rendição para outros. Era pequeno, noticiava todos os jornais, alertando que não causaria grandes estragos. Bastava quem estivesse por perto se proteger, ou claro, fugir. Uma área seria comprometida, mas isso não influenciaria a vida na Terra. Pedras como essa estão sempre caindo por aqui, esta não seria a primeira, e nem a última.
O povo ignorou avisos tranquilizadores, e muita gente se aproveitou da situação negativa para tirar proveito. Igrejas lotaram, promessas eram proferidas enquanto outros corriam para pagar as que estavam em débito. Alguns piraram e jogaram a vida pela janela saindo correndo pelados pelas ruas. Teve também os que se jogaram das janelas.
A situação era tensa, mas era controlável, e no dia 29 de dezembro ele caiu. Ainda menor do que previra. Houve impacto, claro, mas bem abaixo de toda aquela expectativa. A reação imediata da grande maioria foi a frustração. Tinha muita gente acreditando no fim de tudo. Inclusive, muita gente apostou alto. Alguns dias depois as coisas começaram a se normalizar pelo globo, mas os arautos não paravam de chegar. A chuva de meteoritos que outrora era admirada agora trazia temor e medo. Cada vez mais intenso, aqueles riscos no céu profetizavam a chegada de algo maior, bem maior.
Muitos afirmaram que os principais líderes mundiais já sabiam de sua chegada, outros acreditavam que fomos pegos de surpresa. Mas o que todos concordavam é que este próximo era grande, e que iria abalar todo o planeta.
O impacto estava anunciado para o meio dia do dia 13 de janeiro no círculo polar ártico. Naquele dia o céu amanheceu com uma coloração diferente. Um vermelho azulado, como o núcleo de uma chama. Muitos viram Jesus caminhando entre as Nuvens, outros acreditavam ser o próprio Jesus. Muitos ouviram as trombetas do apocalipse, outros se tornavam os quatro cavaleiros do apocalipse.
Era sabido que a vida na Terra corria grande risco, a espécie humana na Terra já se sentia condenada. O impacto não foi sentido em todo o globo. Teve gente que nem percebeu. Alguns, por incrível que pareça, acompanharam pela televisão. Mas no local onde aquela pedra de gelo e fogo caiu, ela causou um belo estrago. Porém, ele não seria o único, o pior ainda estava por vir.
Meteorologistas, astrônomos e toda a sorte de cientistas diziam que aquele era apenas um pedaço de uma grande pedra que ameaçava tirar a Terra de sua orbita. Seria não só fim da humanidade, mas também do planetinha azul, que logo se tornaria uma gigantesca pedra de gelo. Os sinais no céu eram visíveis dia e noite e por alguns dias uma nova lua brilhava no firmamento.
A loucura proliferou pelo mundo com o anúncio do apocalipse. Ninguém mais trabalhava direito. Ninguém mais sabia de nada direito. A todo o momento chegavam informações imprecisas, algumas dizendo ser o fim, outras dizendo ser um novo começo. Muitos não queriam acreditar, outros já aceitavam bem a situação. Mas poucos conseguiam conviver ou sobreviver à calamidade que reinou naqueles dias. Em determinados locais as forças armadas tiveram que intervir diante de saques e do desespero da população, já em outros, nem forças armadas havia mais. Era o caos. O início da era da escrotidão.
Como um prelúdio para o fim ele se aproximou numa noite de uma terça feira. Em 19 de janeiro. Em meio a chuvas torrenciais, tempestades de raios e furações se destacava uma gigantesca estrela negra, anunciando as trombetas da potestade.
O céu se rachou em chamas e o impacto foi sentido em todo o globo. Apesar de ser uma área inabitada por humanos, aquele lugar se tornou inabitado para qualquer ser vivente. O abalo foi tão forte que reverberou por horas. A onda de choque devastou milhares e milhares de quilômetros e uma poeira grossa tomou conta do céu por vários dias ocultando a luz do sol.
A vida já não era mais a mesma. A humanidade já não era mais a mesma. Com a força do impacto, vendavais arrancavam antenas como se fossem ervas daninhas. Os meios de energia elétrica e comunicação sofreram o grande abalo. Os satélites já não conseguiam um bom contato com suas bases no solo, os sinais de TV se tornaram instáveis e a internet caiu em diversos locais do globo.
Mas esse foi apenas um dos inúmeros problemas que os terráqueos enfrentaram naqueles primeiros dias. Logo após o impacto, detritos do impacto retornavam a Terra em velocidades gigantescas gerando uma chuva fogo que espalhou incêndios em diversos pontos do planeta. Maremotos geraram gigantescos tsunamis que engoliram boa parte dos litorais do atlântico e do pacífico. Cidades inteiras desapareceram engolidas pelas águas. Atividades vulcânicas respondiam a fúria das ondas cuspindo lava como um grande furúnculo cospe pus. Furacões e tornados assolavam cidades, fendas enormes engoliam construções e metrópoles inteiras vinham abaixo com a fúria dos terremotos. O planeta gritou, chorou alto a sua dor e boa parte dos seres que se autoproclamavam os mais evoluídos dentre os habitantes terrestres quase foram extintos.
Alguns pontos contrários ao impacto sofreram menos com o impacto. Mas a economia mundial tinha praticamente sido extinta. A agricultura, já não era mais possível nestes primeiros dias, e o ar ficou poluído em todo o planeta, já que a poeira se misturou a atmosfera terrestre.
Os poucos homens que sobraram regrediram algumas centenas de anos, muita da nossa tecnologia ficou obsoleta, e a própria fé em Deus foi abalada. Já não existiam mais as grandes instituições e organizações. Não existiam mais governos e líderes mundiais. Algumas poucas cidades se fecharam em seus próprios governos em busca de sobrevivência.
Apesar do grande impacto, ainda havia esperanças. Apesar do medo e da loucura, ainda há locais com um pouco de razão, com um pouco de civilização. A vida iria mudar. Claro! É um recomeço, talvez uma nova chance para tentar fazer a coisa certa, enquanto viver as memórias desta civilização ainda pode se ter esperanças na sobrevivência da humanidade.
Dedicado à Tatianinha
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Mostra Ecos 6ª edição
Short StoryA Ecos 6 é uma nova Ecos. Mudar, tentar ir além, buscar o diferente, esta é a única rotina a ser seguida pelo escritor. Mesmo que estas mudanças pareçam simples na primeira leitura, elas partem de tudo aquilo que percebemos que mudou em cada um...