She don't like lies

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Hoje fazem exatos 27 anos desde aquele acontecimento, talvez a culpa seja minha, talvez eu devesse ter levantado a bunda da cadeira e não ter ficado com medo, eu devia ter feito tudo diferente, afinal, eu poderia

Lembro me daquela semana como se fosse ontem

Lembro de ver de longe, o ser de quem ela mais gostava, que infelizmente não era eu, lembro-me de o ouvir, ou melhor, cuspir as palavras em seu rosto, como se ela não tivesse sentimentos

• 27 anos antes •

- Você é feia! - Ouvia se de longe ele gritar em sua cara

- Eu sei.. - Com os olhos mas parecendo cachoeiras ela teve coragem de responder

- Assuma sua vadia, você não faz falta! - Ele gritava sem dó

- Eu sei.. - Entre soluços dessa vez mas sem rebaixar a cabeça

- Ninguém te ama, e ninguém nunca vai te amar -

- Eu sei.. - Ela respondeu sem ao menos conseguir olhar mais em seus olhos

- Se sabe de tudo isso, por que não se toca, e se mata de uma vez!? - Ele gritou dando um tapa em sua cara fazendo com que a mesma caísse de joelhos ao chão

E mesmo sem forças ela tomou fôlego, se levantou, e em alto e bom som o respondeu

- Eu já tentei! Eu já tentei mas não sou capaz, não sou capaz e nunca vou ser, por ainda ser tola o suficiente e acreditar no amor, por sempre tentar ao máximo dar meu melhor para sorrir, eu já tentei, se é isso que quer saber -

• Dias de hoje.. •

Eu, eu devia ter a defendido, por me julgar estar sempre ao seu lado, e justo naquele dia não estar.

Lembro-me de dias antes, de vê-la rir como se fosse a garota mais feliz do mundo, mal sabia era que aquele sorriso que fazia com que eu continuasse a existir

• Semanas antes do acontecimento •

- Ei, sua mãe deixa você ir lá pra casa? A gente assiste uns filmes se quiser - Perguntei, mas não tive resposta - Lindsay, me responda, você está bem? -

Ela então me respondeu que sim, mas eu sabia, que lá no fundo, bem baixinho ela sussurrava "Por favor, não acredite"

- Lindy, você não está bem.. -

- Desculpe Mary, amanhã eu juro que disfarço melhor! - Ela disse caminhando mais rápido se afastando cada vez mais

Talvez este tenha sido meu maior erro, não ter ido atrás dela, afinal, ela dizia a todos para serem fortes, mas de noite, em seu quarto, ela desabava em lágrimas, pois era o único jeito que sabia de lidar com sua própria dor

Na noite daquele dia, eu tomei coragem de ligar em sua casa, a ouvi desabafar, junto com o som de suas lágrimas a molhar o brilhante piso de seu banheiro

- Mary, você não me entende, você não sabe como é amar e não ser correspondido, você não sabe como é amar e o ver sofrer por outro.
Afinal, eu nunca tive corpo suficiente, nunca fui amável o suficiente,
nunca fui linda o suficiente,
nunca fui legal o suficiente,
no fim das contas, eu nunca fui o suficiente.
Pois eu sei, que você nunca se sentou em uma roda de amigos e percebeu que você é o amigo menos importante do grupo, Que não faria diferença se você estivesse lá ou não, que sim, sofreriam com sua morte, mas não tanto como com a morte de outro. -

Ela desligou em minha cara naquele momento, não me dando a chance de falar uma última palavra, se bem que com o telefone ligado ou não, eu não teria coragem de dizer.

• Dias de hoje.. •

Depois da briga que Lindsay teve com "seu amado", ela correu, correu como se não houvesse amanhã, e na verdade, não haveria.

Ao correr sem rumo, com lágrimas no olhos atrapalhando ainda mais sua visão, a chuva começou a cair, o vento a soprar mais forte a neblina começou a aparecer, eu tentava ir atrás dela, mas apenas via pequenos fios castanhos a metros e mais metros de distância, mas uma coisa eu pude ver claramente, e era a coisa que eu menos queria ver naquele momento

Um carro descontrolado por conta da chuva, vinha em alta velocidade, sem ao menos dar tempo de gritar, apenas corri o mais rápido que pude, foi o tempo suficiente para que ela não fosse atropelada, sinto muito em dizer que não foi o suficiente pra mim.

Fazem hoje exatos vinte e sete anos de minha morte, ou melhor, vinte sete anos de minha vida eterna, onde eu posso vê-la todos os dias, vê-la sorrir ao lado de seu marido, e seus filhos, poder ser o seu anjo da guarda que sempre desejei ser.

Eu a vi chorar, e a acolhi quando precisou, eu sempre estava lá, mesmo quando ela não podia ver, acredito que fui até uma espécie de cupido em sua vida, pois a fiz tropeçar no cara em que hoje em dia, é seu marido.

Lembro-me do dia em que ela visitou meu túmulo, de ouvi-la baixinho cantar uma de minhas músicas preferidas

- Eu chorei lágrimas o suficientes para ver meu reflexo nelas.
E então, ficou claro, eu não posso negar,  realmente sinto falta Dela - a ouvi cantarolar com a mais doce e serena voz que tinha

Eu a conhecia, e sabia que ela era como uma criança a beira do mar, que estava calmo, mas ao fundo, a onda vinha a se formar, e fui eu quem conseguiu a tirar de perto para que a onde não levasse tudo que ela havia construído, a onda só levou a mim, e isso ainda não foi o suficiente para recompensar o simples fato, dela ter entrado em minha vida

She Was Like The SeaOnde histórias criam vida. Descubra agora