Redatora da Preguiça

17 3 0
                                    


Barulhos. Todos à minha volta. Mais do que a brisa, como o usual. Agudos e graves ecoavam nos meus ouvidos e, por mais horríveis que eram, era a mais bela melodia que já havia ouvido. Assim como minha audição, minha visão também trabalhava. Cores... isso que eram? Mesmo sendo uma mistura sem graça de brancos e marrons, era a mais bela pintura que eu já havia visto. Junto a isso, sensações estranhas começaram a aparecer. Alguma coisa lisa estava embaixo de mim, o vento passava sobre minha pele e cabelos. Faziam surgir o tato. O ar fresco e ao mesmo tempo exótico entrava pelas minhas narinas, queimando por dentro. A dor insuportável me fez chorar incontrolavelmente. O cheiro também não era bom. O que eram aqueles resíduos químicos por toda a parte? Eu não quero mais isso... por que estou aqui afinal? Por que eu saí da escuridão...? Será essa a... Terra?

—Shh... está ok, se acalme...

Argh! O som que aquele ser estranho à minha frente produzia era agudo, diferente dos ruídos que ouvia. O que era aquilo? Um humano? Quando reparei melhor, percebi que sua estrutura corporal se assemelhava a minha. Eu também era... humana?

—K-Kyah... -em meio aos meus gritos, eu tentava produzir o som, como ela fazia... "Tentava" é uma palavra forte ao meu ver. Mesmo na situação, eu não tinha a intenção de fazer o que o ser praticava... eu tinha muita preguiça para isso.

—Honestamente, você é diferente do que eu imaginava. Uma garota? Não está na altura de um...

"DEMÔNIO"

Demônio... isto é...

—Você é a preguiça, não é? Humph, acho que é por isso que você mal consegue produzir sons direito. Você consegue fazer o mínimo de esforço para qualquer coisa?

Esforço... para quê?

—Vamos! Fale algo!

—E-Eiiu... n-nuu...

—... Já chega. Decepcionante... bom, era de se esperar pelo grande representante da preguiça.

O ser à minha frente se afastava em direção a uma das extremidades do quarto, olhando em direção a uma espécie de buraco na parede, preenchida por uma camada de vidro.

—Sinta-se feliz, querida. Eu te trouxe do inferno, então é melhor estar agradecida. Eu sou sua mãe agora. E como uma mãe, eu vou te dar nome. Acredito que um neutro seria ideal. Tem alguma preferência?

Ainda me recuperando das lágrimas, choraminguei estranhamente:

—N-ne... N-Neil...

—Neil...? Bem, acho que deve servir. Você, a partir de agora, será Neil, o meu demônio da preguiça. Kanako gostará de você.

E neste momento, o ser que se referia como "mãe" se virou para mim. E não vi mais nada a não ser vazio em seu rosto. Não havia nada ali. Assim, eu conheci a minha mãe. Um ser feito de cinzas e de vácuo. Que me fez sair do "inferno", que se resumia apenas a uma visão preta e com um barulho de brisa. Ela não era das melhores, mas era minha mãe. E pelo menos por ela, me esforçarei e a amarei.

Cinzas e VácuoOnde histórias criam vida. Descubra agora